“ARIDEZ”
Não choro o leite derramado
Nem a morte de Inês
E se meu boi holandês
Está no brejo atolado
Não choro o sonho frustrado
O amargo da decepção
Nem se recebi um não
Daquele sim esperado.
Não choro se tenho sono
E não consigo dormir
E se alguém me trair
Com o mal do abandono
Não choro se o meu trono
É uma calçada na esquina
Não choro se minha sina
É minh’alma não ter dono.
Não choro se meu bom nome
Seja jogado na lama
E se na minha cama
A solidão me consome
Não choro se a injustiça come
Minha carne e não vede
Não choro se tenho sede
Tampouco se sinto fome.
Não choro a falta de paz
Nem a ausência de afeto
Não choro o matar do feto
Também não choro meus ais
Os espinhos dos rosais
Não têm meu choro vertido
Não choro se esquecido
Neste mundo dos mortais.
Não choro a viuvez
Nem a lágrima da despedida
E nem se for pedida
Minha cabeça a vocês
Eu só chorei uma vez
Há muito tempo atrás
Foi na morte dos meus pais
Minhas lágrimas foram três.
Em matéria de amor
Se não for correspondido
Não choro nem escondido
Pra aliviar minha dor
Não choro o murchar da flor
O momento não vivido
Não choro se fui vencido
Nem eu ri se vencedor.