UM CAÇADOR DE VEADOS
Meu sertão está deserto
Mas nem sempre foi assim
Aqui já ouve floresta
Nosso bosque era um jardim
O homem com sua ganância
Destruiu a abundância
Em nosso bosque pôs fim.
Se o homem quis assim
Deve saber o que faz
Destruíram nossa fauna
Já não há mais animais
Quem tem sensibilidade
Sente essa calamidade
Crescer cada dia mais.
Se faz mal ou se não faz
Não compensa reclamar
O leite que derramou-se
Agora é só lamentar
O bosque ausente de flores
A ausência dos caçadores
E os animais pra caçar.
O nosso Rio Quipauá
Já foi muito florestado
Mesmo na época do estio
Estava sempre alagado
Nativo se alimentava
A fauna sempre aumentava
Num ambiente equilibrado.
Havia onça, veado
Paca, ticaca, cotia
Mocó, preá, ribaçã,
Tatu em grande quantia
E outros tantos animais
Que hoje não existem mais
Aqui em Santa Luzia.
Caçadores de valia
Hoje já viraram terra
Ainda há quem atire
Com arma longa e não erra
Mas poucos têm hoje o tino
Que tinha tio Zé Faustino
De lá da Ponta da Serra.
Zé Faustino nesta terra
Foi um Grande caçador
Meu tio por afinidade
Genro do meu bisavô
No século próximo passado
Foi muitos anos casado
Com minha tia Totô.
Na caçada era um ator
Não perdia um investida
Do sítio Ponta da Serra
Até a Várzea comprida
Caças de grande costado
Principalmente veado
Sua caça preferida.
Quase 100 anos de vida
Aqui nesta região
Baixinho, gordo, galego,
Cabelos cor de algodão
Até que desencarnou
E dele só nos restou
A doce recordação.
Caçava por distração
Porém sempre trabalhava
Assim mesmo garantia
A carne que precisava
Os couros eram usados
Prá fabricar seus calçados
Do jeito que ele gostava.
No lugar onde passava
Era Marca conhecida
Com um casal de cachorros,
Companhia preferida
De cores pardo-amarela
Nomes Magrelo e Magrela
Garantiam a investida.
Na região Várzea Comprida
Sítio Passagem do Meio
Quando ele entrava no mato
Só se ouvia o tiroteio
A cachorrada acuando
Bichos correndo ou voando
Alvoroço e aperreio.
(Do sítio Passagem do Meio
Gosto muito de lembrar
Pertencia ao meu avô
Minha mãe cresceu por lá
Hoje é tudo falecido
Só resta o campo perdido
E a saudade do lugar)
Zé Faustino foi caçar
Bem logo que o sol raiou
Achou o rastro fresquinho
Onde o mateiro passou
Numa quiçaça fechada
Desatou a cachorrada
Viu que o mundo revirou.
Quando o bicho levantou
Escutou a barroada
Ficou à espreita na espera
Já com a espingarda armada
No pulador costumeiro
Perto de um despenhadeiro
Único ponto de escapada.
Só se ouvia a zuada
No local onde ele estava
Perseguido pelos cães
O bicho não retornava
Pois seu cachorro valente
Aprendeu pegar no dente
A caça que desviava.
O caçador foi caçado
Por lição do Criador
Doeu em sua consciência
Deixou de ser caçador
Essa linda criação
Trouxe pro seu coração
Um pouquinho mais de amor.
Foi assim que terminou
Sua história de caçada
Deu chumbeira e polvarinho
E vendeu a espingarda
E ainda deu a um parente
Os cachorros de presente
Em casa não ficou nada.
Essa história foi contada
Por Otacílio meu primo
Filho de Antonia Batista
E o caçador Zé Faustino
Que em meio à Natureza
Viu uma caça indefesa
Mudar todo seu destino.
Como Chico Saturnino
Que parou porque cegou
Zé Sales, curto da vista
Também nunca mais caçou
Luiz Félix morreu cego
Esse é o destino, não nego
De todo bom caçador.
Parece que o Criador
Usa essa punição
Pra quem mata os animais
Por capricho ou profissão
Tio José foi mais humano
Morreu com quase cem anos
Mas tinha boa visão.
Coincidência ou punição
A verdade está contida
Na filosofia plena
Dessa máxima permitida:
Quem caçou neste sertão
Primeiro perde a visão
Antes de perder a vida.
Na história enriquecida
Do folclore brasileiro
Sempre houve caçadores
Comparado a cangaceiros
Sozinhos nos carrascais
Perseguindo os animais
Pensamento em ganhar dinheiro.
Pois também os cangaceiros
Viviam sempre isolados
Assaltando, deflorando
Ou fazendo alguns mandados
De coronéis e coiteiros
Para conseguir dinheiro
E guerrear com soldados.
Voltando ao nosso veado
Que Zé Faustino salvou
Levou prá sua residência
Com cuidado alimentou
Deu capricho, deu carinho
Como se fosse o bichinho
Uma jóia de valor.
O veado se criou
Pulando pelo terreiro
Ou convivendo feliz
Com as cabras no chiqueiro
Mas o final que lhe coube
Primo Otacílio não soube
Contar do seu paradeiro.
Tia Antonia foi primeiro
Cumpriu o destino seu
Depois dela Tio José
Muito tempo ainda viveu
Meu primo ficou sozinho
Mas foi no mesmo caminho:
Faz dois anos que morreu.
Tudo desapareceu
O povo, o sítio, o roçado
Prá não ficar enfadonho
Fiz tudo simplificado
Com minha literatura
Encerro esta aventura
De um CAÇADOR DE VEADO.
SÉRIE CAÇADORES - VOLUME 8