UM VAQUEIRO CAÇADOR

(LUIZ FÉLIX- PARTE II )

Continuando a história

Do meu amigo Luiz

Que viveu com nossa gente

Oitenta anos feliz

E nos deixou faz um ano

Mudou-se pra outro plano

Pois o destino assim quis.

Vaqueiro muito afamado

Isso ninguém contestou

Pra pegar bode selvagem

Foi um grande caçador

E enquanto vista ele tinha

Nessas paragens vizinhas

O melhor atirador.

Contei no outro volume

Das pegas de bode os “racha”

Da vaquejada das almas

Derrubando boi na faixa

Mas cheguei á compulsória

Quando contava a história

Do bode da ponta baixa.

Quem leu a história sabe

Do tal cachorro afamado

Que embrenhou-se com o bode

Dentro do mato fechado

E os caçadores seguiram

Até que os dois sumiram

No Olho D’água Salgado.

Aqui terminava uma serra

Outra ali já começava

Formando uma letra “V”

Onde as duas se encontrava

Em cima alcantis profundos

Em baixo era o fim do mundo

Só escuridão imperava.

O bode pulou na ponta

Da serra pro outro lado

O cachorro fez o mesmo

Mas não era acostumado

O bode o pulo alcançou

O cão caiu e ficou

Na macambira espetado

“Compadre Sólon desceu

E eu de cima guiando

Embaixo laçou o cão

Tirou pra fora arrastando

Com o corpo ensangüentado

O peito todo rasgado

E o bicho só arquejando.

Foi uma tarefa difícil

tirar depois esse cão

Trabalhamos quase um dia

Pela sua salvação

Com trabalho e desespero

E perdemos o roteiro

Do tal bode barbatão.

Dias depois encontramos

O bicho em outro rebanho

Fiquemos sempre tentando

Caçando, fazendo planos

Mas por azar ou capricho

Só fomos pegar o bicho

Depois de quatorze anos.

Dois filhos de Bíu Delfino

Num dia de sol bem quente

Conseguiram dominá-lo

Bem magro quase sem dente.

Neles o bicho avançando

E eles se esquivando

O pegaram finalmente.

Dias depois apareceu

Outra onça no sertão

Pegando todo bezerro

E jumento da região

Era uma sussuarama

De estrutura soberana

Mais parecia um leão.

Para pegar essa fera

Seu Mateus nos acudiu

Era um caçador de onça

Que por aqui existiu

Com arataca e forquilha

Preparou uma armadilha

E a bichona caiu.

Era uma onça tão velha

Que as unhas eram cascão

Levamos a bicha viva

Com a arataca na mão

Até chegar na vivenda

De um morador da fazenda

Do Dotor Napoleão.

Esse dito morador

Tinha um cachorro valente

Que ao ver a onça de perto

Chorava tal fosse gente

No seu dono foi pulando

De bosta o homem melando

Tremendo e batendo os dentes.

Meu cachorro Rubican

Pequeno mais destemido

Mordia as coxas da onça

E saltava protegido

Dos botes se defendendo

O cachorro era pequeno

Mas era muito atrevido.

Uma semana depois

Outra canguçu caiu

Mas deixou só a metade

Da mão e escapuliu

Fez um grande revirado

Sumiu no mato fechado

E essa nunca mais se viu.

Outra vez um morador

Saiu prá caçar mocó

Deu de cara com uma onça

Dormindo no cafundó

Saltou de um grande penedo

E não atirou com medo

Porque estava andando só.

Voltou, chamou meu irmão

E começaram a subir

Com dois cachorros de raça

O melhor que havia ali

Mas quando perto chegaram

Que a onça farejaram

Trataram de escapulir.

Amarrados um ao outro

Lá na frente se engancharam

De tanto puxo e repuxo

Quase que os dois se enforcaram

E os caçadores armados

Correram tudo espantados

Nem um tiro dispararam.

Nunca fui de judiar

Com bicho na serrania

Matava sempre de tiro

Quando a gente podia

Se fosse na capoeira

Pegava até na carreira

Se o animal corria.

Caça de bode a cavalo

Foi perdendo a sensação

Correr atrás de novilha

Não transmitia emoção

Bom era o mato enfrentando,

Matei de bala, caçando

Trinta e quatro barbatão.

Tive de perder dois tiros

Em todas minhas caçadas.

Um porque ventava muito

E a distância era estirada

E o outro, o sol tremia

E eu fiquei, ao meio dia

Com a vista encandeada.

Nunca atirei de espingarda

Nem para matar mocó

Espingarda é muito chumbo

Arrebenta qualquer nó

Quem é bom de pontaria

Prefere uma artilharia

Que leva uma bala só.

Aqui nessa região

Eu sempre fui respeitado

Porque nas minhas caçadas

Só matava bode erado

De 30 a 50 quilos

Esse era meu estilo

Com uma arma de lado.

Lembro de alguns animais

Que matei na região:

Três mocós de bom tamanho.

Nove cascavéis grandão

E por defesa ou ascinte

De revólver matei vinte.

Cachorro louco ou ladrão.

Lembro da maior distância

Que com revólver atirei

Estava a 32 metros

Esse a cabeça eu errei

Era uma cachorra doente

Que morreu na minha frente

Pois a costela acertei.

Lembro do primeiro tiro

Que eu dei em criação

Era uma cabra branca

Estava em cima, num capão,

Ainda parei, pensando:

Já vou começar errando

Essa nova profissão?

Meu primo Dito de Doca

Ainda disse: É perdido

Você atirar daqui,

Lá não vai nem o zumbido.

Mas se a arma eu apontava

Isso significava

Que já estava decidido.

Então eu lhe respondi:

Distância é problema meu,

Ela estando em minha frente

Se arrisca mais do que eu.

Fui o gatilho apertando

E ela desceu bolando,

Nos pés de nós dois morreu.

Uma vez atirei num bode

Que num talhado pulou

Mas tava ventando muito,

O vento o rifle empurrou

Da testa atirei no meio

E pegou no olho em cheio

E o bode não escapou.

Outra vez foi no sol quente

Que chega a terra tremia

O rifle me encandeou

E eu errei a pontaria

O bode pulou prá um lado

E eu sai desconsolado

Pensando como agiria.

Era uma hora da tarde

Fiquei numa moita sentado

Por volta de cinco horas

O sol já tinha esfriado

O dito bode avistei

E de revólver o matei

No Olho DӇgua do Talhado.

Como estava anoitecendo

Um dos negros do talhado

Me emprestou um jumento

Todo pronto, encangalhado

Para o bode eu conduzir

Que ia prá longe dali

E o bicho era pesado.

Mesmo sendo um caçador

Só atirava prá matar

Pois detesto exibição

De quem vive a judiar

Como um caso que se deu

Com um conhecido meu

E eu agora vou contar.

Júlio de Fina morava

Em São Mamede, na roça

Caçava gato do mato

Com uma espingarda grossa

Com aratacas, sangrias

Passava dias e dias

No mato, dentro de choça.

Uma maracajá filhote

Caiu em uma armadilha

A gata mãe evadiu-se

Com os outros da família

Minutos depois voltou

E do local se acercou

Para proteger a filha.

Júlio atirou na cabeça

Matando a gata no ato

Os filhotes assustados

Correram por um regato

E a filhote machucada

Ficou só, abandonada

Prá morrer dentro do mato.

Devia ele lavá-la

Prá cuidar de sua mão

Eu lamentei muito tempo

Por essa judiação

Chamava-o de serpente

Que não merecia da gente

Nenhuma consideração.

Meu amigo Fenelón

Um famoso cantador

No começo da carreira

Também quis ser caçador

Por ser muito inteligente

Fez sucesso no repente,

Na caça não emplacou.

Foi um período difícil

Que ele estava passando

Arranjou seis aratacas

Pelo mato foi armando

E por onde ele passava

Que uma arataca armava

O local ia marcando.

Ainda pegou dois gatos

E caçando prosseguiu

Mas um dia descuidou-se

E o seu descuido o traiu

Marcava todas que armou

Porém uma não marcou

E ele mesmo caiu.

Uma arataca potente

Dessas que é toda dentada

Estava a mais de uma légua

Dentro da mata fechada

Sem ninguém pra lhe ajudar

Sofreu muito pra chegar

Onde era sua morada

Em casa a mulher tentou

Abrir mas não conseguiu

Foi chamar com meia légua

Um vizinho que acudiu.

Fenelon com o pé inchado

Passou um mês aleijado

E da cama não saiu.

Depois que estava curado

Subiu a serra e tirou

As aratacas que tinha

Uma por uma amassou

Deixando tudo prá trás

E jurou que nunca mais

Queria ser caçador.

Eu também caçava às vezes

Mas não fazia profissão

Minha vida de vaqueiro

Me dava satisfação

Quando na caça eu estava

Era porque precisava

Matar bode barbatão.”

Foram essas aventuras

Que seu Luiz me contou

Escrevi em poesia

Para agradar ao leitor

Mas a relíquia deixada

É a sua voz guardada

Na fita do gravador

SÉRIE CAÇADORES - VOLUME 5

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/04/2009
Reeditado em 21/11/2022
Código do texto: T1542866
Classificação de conteúdo: seguro
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