A MULA DOIDA DE MAIS

De Quinta prá Sexta-feira,

Meia noite mais ou menos,

Se escutar uns relinchos

Ou uns tinidos ferrenhos,

Não pense que é a mula preta

Da moda que conhecemos.

Essa, todos nós sabemos,

Não há quem não a conheça,

Tem os pés de labareda,

Queima quem a desmereça,

Bota fogo pela boca

Mesmo não tendo cabeça.

Prá que o folclore enriqueça

Eu vou contar esta estória

Da mulher que virou mula

Tentando a Divina Glória

Ainda na Península Ibérica,

Se não me falha a memória.

Bem antes da nossa história,

Entre Espanha e Portugal

Uma condessa importante

Prima de Pedro Cabral

Se apaixonou por um padre

E se tornou bestial.

Teve o contato carnal

Com o padre da freguesia

Começou assediando

E o vigário não queria

Mas entre assédio e recusa

Traçou a mulher na pia.

A partir daquele dia

Começou a maldição

Não houve quem impedisse

A sua transformação

E na quinta à meia noite

Ela vira assombração.

É sua obrigação

Correr sete freguesias,

Seja vila, povoado

Ou grupo de moradia

Prá voltar a ser mulher

No amanhecer do dia

Na outra Quinta inicia

Sua forma escafedenta

Muitas vezes soluçando,

Sentindo grande tormenta,

Pois mesmo sem ter cabeça

Relincha, tem boca e venta.

Tem o bafo de pimenta,

De alma fica vazia,

Não tem respeito a ninguém

Percorrendo a travessia,

Assusta a tudo que encontra

E a Satanaz prestigia.

Com grande malicunia

O que ela pisa estraçalha,

Seus cascos são afiados

Como cortantes navalhas,

Com os coices dessa mula

Qualquer tora vira palha.

Essa aberração canalha

Por suas loucas caminhadas

Quando volta à forma humana

Está muito fatigada

Fedendo igual a morrinha

E moida de pancadas.

A história dessa abestada

Que veio de Portugal

Chegou no descobrimento

Com Pedro Álvares Cabral

E encheu de assombração

Do Sertão ao Litoral.

E também o pessoal

Da América Latina

Conhece suas façanhas

Desde o México à Argentina

Com o nome de Malora,

De Alma-Mula ou Amina.

Aqui também é Burrinha,

É Besta-Fera, é Comadre,

Por transportar os vigários

Pelas vilas e cidades

Houve até quem confundisse

E chamasse Burra-de-Padre.

Ou besta-fera ou comadre

É importante evitá-la,

Mulheres de vida fácil

Que se exibe em larga escala

Cuidado que a mulher-mula

Pode também alcançá-la.

Deve o padre amaldiçoá-la

Sete vezes todo dia

Antes de rezar a missa

Onde é sua moradia

Só assim a mulher-mula

Se livra dessa eresia.

Mas há outra epilogia

Pra o maldito encantamento.

Tem que um homem de coragem,

No espaço de um momento,

Cortar o freio de ferro

Do tal bicho burrarento.

Tirando o arreamento

Cravado na boca dela

Aí ela reassume

A forma de uma mulher bela

E então se libertará

Da fera existente nela.

Mas a libertação dela

Não tem valor perenal,

Ela só estará livre

Da fera descomunal

Enquanto o seu salvador

Morar no mesmo local.

Por ele ser um mortal

Poderá morrer primeiro

Ou mudar de residência

Sem indicar seu paradeiro

Aí ela vira mula

E volta pro tabuleiro.

Se o fato é verdadeiro

Ou apenas fantasia

Ainda está acontecendo

Com as mulheres hoje em dia

Pois tem gente namorando

Com gente que não devia.

O que se ver hoje em dia

Já não se estranha mais

Mulher querendo ser padre

E padre nas nas bacanais

Homem virando mulher

Moça virando rapaz.

Os direitos são iguais

Em nossa Constituição

Mas od direitos divinos

Não dão essa permissão

Nos faz desejar a volta

Da antiga inquisição.

O governo da Nação

Permite esse expediente

Já não há dança romântica

Como havia antigamente

E a música de mexer bunda

Fere os ouvidos da gente.

Jânio Quadros, presidente,

Ainda tentou acabar

Com os maiôs que as mulheres

Usavam na beira-mar,

Além de não conseguir,

Teve que renunciar.

Só que a roupa de banhar

Usada na maresia

Que o Presidente Jânio

Acabar não conseguia

Veste confortavelmente

Dez mulheres hoje em dia.

Hoje é rica a putaria

Existente na Nação

Exibida no cinema,

Teatro e televisão,

Basta ligar o aparelho

No programa CALDEIRÃO.

A nossa religião

Cada vez mais esquecida,

Padre na hora do vinho

Se excede na bebida

E a besta-fera na missa

O esperando na saída.

Tem tanta mula perdida

Ensinando porcaria,

Mula Xuxa, Feiticeira,

Outras tantas na Bahia,

Até o México nos manda

A sua Mula Thalia.

Eliana e Alegria,

Programinha de criança,

Exibe um baita veado

Com uma grande poupança

Ensinando os garotinhos

Dançar e mexer a pança.

Já não existe esperança

Nesta vida atribulada

De salvar nossas crianças

Totalmente alienadas

Pois a moral dos adultos

Está muito depravada.

Lembrar a infância passada

Antes da televisão

Mula Doida era só lenda

Por todo este Sertão,

Hoje se ver Mula Artista

Se casando na prisão.

Já tem Mula Sapatão,

Já casa Mula com Mula,

Veado já virou gente

E Pinto é palavra chula,

São essas coisas que hoje

Nossa juventude adula.

Luiz Gonzaga, Seu Lula,

Condenou os cabeludos

Mas ele próprio foi vítima

Do tempo, esse dragão mudo,

Que a pureza e castidade

Que existia levou tudo.

Tem que haver um estudo

Prá esse triste desembargo,

Só a Justiça Divina

Pode assumir esse cargo:

Trocar o espírito estreito

Por um espírito mais largo.

A Mula Hebe Camargo,

Quase 100 anos de idade,

Falando em casar de novo

Com alguém da sociedade

E as pelancas se escondendo

Por baixo da vaidade.

O terrorista BEEN LADEN

Tá explodindo avião

Jorge Bucha manda o povo

Ligar a televisão

Prá ver os Estados Unidos

Torrar o Afeganistão.

Se ver a destruição

De tudo que a vida cria

O povo fica à deriva

Igual a cego sem guia

E o fogo da besta-fera

Queima mais uma freguesia.

O Estado da Bahia

É de tudo o campeão,

Campeão de safadeza,

Professor de corrupção,

E a Mula Tchan exercendo

Sua representação.

Não devo pedir perdão

Pois não falei eresia,

Besta-Fera hoje é novela,

Pureza é malicunia,

Mas se o povo quer assim

Ai de quem falar de mim,

Pois prevejo que seu fim

Será como Ozama Been:

Sem paz e sem alegria.

(SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 2)

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/04/2009
Reeditado em 19/11/2022
Código do texto: T1542543
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