A CURA DO PANARÍCIO

Luiz Félix foi um homem

Que viveu neste sertão

Criou aqui sua família

Mas veio de outra região

Um vaqueiro com

petente

Que não tinha concorrente

Quando vestia um gibão.

Com seus pais e seus irmãos

Gente honrada e de valor

Foi vaqueiro e almocreve

Também foi agricultor

Por prazer ou precisão

Na busca por barbatão

Também foi bom caçador.

Senhor Félix, seu avô,

Por força da ocasião

Caçava mas não fazia

Da caçada profissão

Fazendeiro muito ativo

E é esse o exato motivo

Desta minha narração.

A seca pelo sertão

No dezenove tirano

Seu Félix chama a família

E começa a fazer plano

Precisariam lutar

Porque tinham de salvar

Do gado todo rebanho.

Com quase sessenta anos

Mas tinha boa estatura

E o vigor físico dos homens

Moldados à vida dura

Às secas não se curvava

E otimista esperava

Pelos tempos da fartura.

Com sua desenvoltura

Driblava a calamidade

Na queima da macambira

Facheiro, coroa-de-frade

O xique xique, o cardeiro

E assim o rebanho inteiro

Foi salvo da mortandade.

Aconteceu certa tarde

Um problema corriqueiro

Seu Félix foi espetado

Por um espinho de cardeiro

Lhe atingiu o polegar

Ele ainda tentou tirar

Lá mesmo no tabuleiro.

O espinho foi mais ligeiro

Quebrando e ficando rente

Naquela pele calosa

Mas lhe foi indiferente

Uma insignificância

Que não se dava importância

Naquele sertão ardente.

Aquele foi diferente

Começou a pustemar

O dedo ficou inchado

E doendo sem parar

E aumentando seu suplício

Transformou-se em panarício

Um mal que pior não há.

Teve até que se afastar

Da sua luta com o gado

Várias noites sem dormir

Já com mão e braço inchados

Tudo que ele colocava

Mais o dedo latejava

Mais ficava incomodado.

Muitas noites acordado

Sem o sono conciliar

Numa dessas noites sofridas

Escuta o seu cão ladrar

Primeiro um forte latido

Que terminava em grunhido

Difícil de se explicar.

Começa a se preocupar

Com os grunhidos de Leão

Não o rei dos animais,

Esse era o nome do cão

Como quem pede socorro

Pois conhecia o cachorro

Seu bicho de estimação.

No meio da escuridão

Levantou-se bem ligeiro

Com foice de cabo curto

E saiu para o terreiro

Com um dos seus trabalhadores

Filho de um dos moradores

Servindo de companheiro.

Carregando um candeeiro

O companheiro mofino

Não inspirava confiança

Pois era quase um menino

Mas em meio à noite fria

Servia de companhia

Com a ajuda do Divino.

Cumprindo o cruel destino

De mão inutilizada

Equipou seu companheiro

Com uma arma carregada

E mandou que disparasse

Em tudo que ali passasse

Não desperdiçasse nada.

Foram seguindo a zuada

Do alarido do cão

Um latido tão dolente

Que comovia o sertão

Já muito desconfiado

No peito um abraço cruzado

E a foice na outra mão.

O criado do patrão

Tremia como uma vara

Com a espingarda na mão

Lamparina rente à cara

Mais parecia um fantasma

Ou um doente de asma,

Verde que só uma arara.

Mais adiante uma coivara

De destoca de algodão

No trono de uma braúna

Preto da cor de carvão

Uma árvore centenária

Que com as secas secara

Pra tristeza do sertão.

E foram avistando o cão

Avançando e recuando

Olhando para o pau preto

Ora grunhindo ou ladrando

Como se houvesse raposa

Guaxinim ou outra coisa

Que ele estivesse acuando.

Parados, observando,

Nada viram de assombroso

O cão vendo os que chegaram

Latia mais corajoso

E partiu endiabrado

Subindo no pau queimado

Cada vez mais furioso.

Cantalice curioso

Acompanhou com o olhar

O olhar do seu cachorro

E não quis acreditar:

Um grande vulto trepado

Em cima do pau queimado

Dava pra se observar.

Noite escura, sem luar,

Chegou bem na redondeza

Pra poder certificar-se

E quase cai de surpresa

Em cima da geringonça

Havia uma grande onça

Contemplando a Natureza.

Pronta pra agredir a presa

A canguçu assanhada

O homem gritou: - Atira!

Mas que atirar que nada!

O rapazinho tremia

Paralisado gemia

Com a calça toda borrada.

Ao ver a fera trepada

Livrou-se da lamparina

Gritou para o velho: -Corra!

E jogou a lazarina

Desembestou na carreira

Trepou-se numa aroeira

Ficou olhando de cima.

A citada lazarina

Com a queda disparou

A onça pulou no velho

Com seu peso o derrubou

Nesse momento difícil

Com o braço do panarício

Ele a felina aparou

Ligeiro se levantou

Ela pulou para um lado

Porém no primeiro salto

Tinha acertado o coitado

Deu-lhe um talho tão profundo

Que o velho viu o mundo

Em fogo todo tornado.

Com o braço estraçalhado

Sentindo uma dor indigesta

Rogou uma grande praga

E com uma força funesta

Jogou a foice na cuja

E caiu na terra suja

Pondo fim naquela “festa”.

A foice pegou na testa

Da onça e ela tombou

A foiçada foi tão grande

Que o crânio espatifou

Deixando o miolo estendido

E o velho combalido

Ali também desmaiou.

A vizinhança escutou

Da espingarda o disparo

Os da casa que dormiam

Também com o tiro acordaram

Estranhando pela hora

Correram todos prá fora

E dali se aproximaram.

O que primeiro encontraram

Foi à canguçu caída

Imóvel lá no terreiro

Já estava fora da vida

Em sangue toda banhada

A foice nela enterrada

E a cabeça partida

Acharam logo em seguida

O velho caído ao lado

O braço esquerdo sangrando

O corpo meio emborcado

Mas sentiram grande alívio

Ao ver que ele estava vivo

Só estava desacordado.

Gritaram pelo criado

Porém ninguém respondeu

Mas o outro vendo o povo

Criou coragem e desceu

Por estar todo fedido

Ficou um tempo escondido

E depois apareceu.

E sabe o que aconteceu

Com o pobre homem doente?

No ataque da onça o velho

Botou o braço na frente

A unha dela passou

Bem no meio do tumor

Abrindo o dedo latente.

O velho ficou contente

Por sentir-se aliviado

Quando acordou do desmaio

E viu o dedo sajado

Já levantou mais esperto

Deixando o povo ali perto

Perplexo e admirado.

O rapazinho, coitado,

Envergonhado correu

Com o povo dando risada

Do medo que ele sofreu

Sumiu pela noite fria

Só no fim do outro dia

Foi que ele apareceu.

Com a sua experiência

Coragem, disposição

E a força adquirida

Nas labutas do sertão

Todos que lutam com gado

Sabem defender seu lado

Na hora da precisão

E naquela região

Deste torrão nordestino

A onça vinha causando

Prejuízo e desatino

Matando tudo que tinha

Pato, peru e galinha

Garrote, bode e suíno.

Por isso Coronel Dino

Um fazendeiro abastado

Amigo do velho Félix

Ficou muito admirado

Passou, com sabedoria

A partir daquele dia

Chamá-lo de FÉLIX BRABO.

E assim apelidado

Ficou seu nome no eito

Ainda enfrentou muitas secas

Honrado, honesto e direito

A virtude era seu templo

Pra família era um exemplo

E pra os amigos respeito.

Para ser um bom sujeito

Não precisa fazer planos

Vivendo com honestidade

Não se cai nos desenganos

Com fé, coragem e cautela

Não se cai na esparrela

De indivíduos desumanos.

E assim viveu muitos anos

Sendo por todos querido

A onça e o panarício

Nunca mais foram esquecidos

O seu dedão aleijado

Mas não deixou o roçado

E nem a luta com o gado

Por Félix Brabo alcunhado

Morreu com esse apelido.

(Série Caçadores, Volume 7)

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 15/04/2009
Reeditado em 21/11/2022
Código do texto: T1541422
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