O TAMANDUÁ E A ONÇA

(Trechos do cordel)

Histórias de caçadores

Só acredita quem quer

Assim como de vaqueiro

Pescadores e chofer

Sempre são invencionices,

Lendas, parlendas, crendices,

Milagre, folclore e fé.

Pouco se fala em mulher

Na caça ou na pescaria

O vaqueiro e o motorista

Dão a elas mais valia

Mas é na pesca, na caça,

Campeiro, chofer de praça

Que o nosso Brasil confia.

Mesmo quem não dá valia

A estórias de caçada

Gosta de ouvir os «causos»

Seja mentira ou piada

Mas somente o caçador

Sabe do que já passou

Dentro da mata fechada.

Essa história engraçada

Que eu vou em versos narrar

Quem contou foi Zé Onofre

Da Serra Jabitacá,

Me desculpe o cidadão

Mas esta é uma citação

Difícil de acreditar.

Zé saiu para caçar

Sozinho, sem companhia,

Um dia de tardezinha

E ao sair já previa

Passar a noite ao relento

Pois era do seu intento

Não voltar de mão vazia.

Quase no final do dia

Não tinha caçado nada

Resolveu localizar

Um local para pousada,

Depois de matar a sede

Foi armar a sua rede

Numa copa bem folhada.

Assim, com a rede armada

Na copa do arvoredo

Dormiria em segurança

Não tinha de que ter medo

Lua clara como o dia

Qualquer coisa ele veria

Mexendo em baixo, no bredo.

Ainda noite bem cedo

Ele na rede deitado

Espingarda carregada

Chumbo grosso, pra veado,

Ou mesmo outra caça boa

Pois não atirava à toa

Pra não ser desperdiçado.

Um bornal bem reforçado

Com lanterna e munição

Um taco de rapadura

Pra sua alimentação,

Farofa, galinha, bolo,

Palha e fumo de rolo,

Fumar era a distração.

Cigarro aceso na mão

Pitava e observava

Noite alta, lua cheia,

Só a coruja piava

Sombra densa do arvoredo

Escuro que dava medo,

Ele apenas cochilava.

Som estranho se espalhava,

Pra seu lado se avizinha,

Desperta sobressaltado

Lhe arrepiando a espinha

Cabelo todo eriçado

Olhava pra todo lado

Pra ver de onde aquilo vinha.

Ainda noite bem cedo

Ele na rede deitado

Espingarda carregada

Chumbo grosso, pra veado,

Ou mesmo outra caça boa

Pois não atirava à toa

Pra não ser desperdiçado.

Um bornal bem reforçado

Com lanterna e munição

Um taco de rapadura

Pra sua alimentação,

Farofa, galinha, bolo,

Palha e fumo de rolo,

Fumar era a distração.

Cigarro aceso na mão

Pitava e observava

Noite alta, lua cheia,

Só a coruja piava

Sombra densa do arvoredo

Escuro que dava medo,

Ele apenas cochilava.

Som estranho se espalhava,

Pra seu lado se avizinha,

Desperta sobressaltado

Lhe arrepiando a espinha

Cabelo todo eriçado

Olhava pra todo lado

Pra ver de onde aquilo vinha.

Medo de nada ele tinha

Mas nessa hora tremeu

Coração acelerado

E o som desapareceu,

Novo silêncio formado,

Do susto recuperado

Novamente adormeceu.

Outro cigarro acendeu

Pois queria estar desperto

Volta a ouvir a batida

Bem distante, em campo aberto,

Procura na redondeza

Algo que desse certeza

Pra poder contar de certo.

E foi chegando pra perto

Da espera improvisada,

Já ouvia o matraquear

Como um bando de queixada,

Muito animado ele fica,

Queixada é uma caça rica,

Lhe garantia a caçada.

Bem embaixo da galhada

Onde ele estava trepado

Matraquear foi chegando

E ficou ali parado,

O caçador lá de cima

Vai descendo, se aproxima

Com segurança e cuidado.

Avista um vulto malhado

Bem debaixo da galhada

Pela mancha branca vista

Parecia ser queixada

Com a lanterna na mão

Ficou prestando atenção

Achando que era pintada.

Engatilha a espingarda,

Desce mais, bem devagar,

Também podia ser onça,

Volta a iluminar,

Quando o bicho se mexia

O matraquear se ouvia

Tão forte de arrepiar.

Ele resolve encarar

E desce rapidamente

Procurando se abrigar

De um ataque ferozmente,

E ali não tinha queixada,

Era mesmo uma pintada

Deitada na sua frente.

A onça estava doente

Magra, já quase a morrer,

Observando direito

Viu o bicho se mexer

O som forte se ouvia

E era dela que saía,

Sem ele nada entender.

Então ele pôde ver

O que tanto o assustava,

O esqueleto de um bicho

Que a onça carregava,

Quando a bicha se mexia

Osso com osso batia

E aquele som se formava.

A zoada denunciava

Quando ela via uma presa

Negando à pobre felina

O elemento surpresa

Fazendo assim se quebrar

A cadeia alimentar

Criada na Natureza.

Cheio de pena e tristeza

Ficou a observar

Chegou bem perto da onça

Para se certificar

Viu na felina colada

O que seria a ossada

De um grande tamanduá.

Chorava só em contar

Esse fato assustador

Deu um tiro na pintada

Terminando a sua dor

E aquele fato medonho

O mais bizarro e bisonho

Da vida de um caçador.

Quem sabe o que se passou

Com aquele tamanduá?

O bicho, provavelmente,

Com a onça estando a brigar,

Cravou-lhe a unha no lombo

E entre quedas e tombos

Não pôde mais se soltar.

Tendo ela que suportar

A dor, o peso, o cansaço,

Levava o tamanduá

Cravado em seu espinhaço

Se ele não morreu na briga,

De fome, sede e fadiga

Ficou fadado ao fracasso.

Com aquele estardalhaço

A onça também perdia

Pois quando se aproximava

De outro bicho se ouvia

O chacoalhar da ossada

E a presa a ser devorada

Certamente correria.

A pintada, dia a dia,

Seguia sua rapsódia

Com a melodia da morte

Tocando em sua custódia

Seu sofrimento acabou

Quando por fim encontrou

O tiro de misericórdia.

Causo, potoca ou paródia

A história foi contada

Se alguém inventou o texto

Se foi história inventada

Versei à minha maneira

Uma mentira verdadeira

Ou verdade mal contada.

Contar causo de caçada

Causa constante alegria

Se há história verdadeira

Há quem verdade desvia

Já é fato consumado:

Onde tem causo contado

Tem caçada ou pescaria.

Lembrar como foi um dia

A profissão de caçar

Causa tristeza, saudade

E remorso ao recordar

Registro a história encerrada

Décimo cordel de caçada:

A ONÇA E O TAMANDUÁ.

HISTÓRIA DE MARIETA

A MOÇA QUE DANÇOU NO INFERNO

(Joaquim Batista de Sena)

O mundo está desgraçado

a terra está corrompida

muitos já não crêem em Deus

e Maria Concebida

e vão no inferno e voltam

aqui mesmo nessa vida

Segundo as santas palavras

de Cristo e de Deus Eterno

este povo pecador

do nosso tempo moderno

que peca sem ter receio

está tudo no inferno

Esta semana uma velha

me contou um fraseado

que se deu com uma moça

neste carnaval passado

e cuja estória deixou-me

bastante impressionado

Marieta é uma moça

filha duma viuveta

destas que andam na terra

pra toda festa e retreta

tem uns 40 maridos

e só traja roupa preta

Elas moram em Fortaleza

de Pirambu para um lado

dizem que a Marieta

possuía um namorado

então os dois só gostavam

dum namorinho agarrado

Então no domingo gordo

começou o carnaval

e Marieta vestiu

um traje muito imoral

e foi dançar com o noivo

um tal Francisco Amaral

A mãe dela disse assim:

— Marieta que traje estranho!

ela respondeu: — Mamãe

eu com nada me acanho

hoje eu vou passar o dia

dançando e tomando banho

E vestiu um soutiens

quase da forma dum lenço

o maiô outro lencinho

que desta forma eu penso

que aonde ela passasse

era um carnaval imenso

E saiu dizendo assim

— Francisco vamos beber

e dançar agarradinhos

até o dia amanhecer

e tomar banho de mar

que hoje é bom pra valer

E saiu dali pulando

com o Francisco agarrada

beijo vai, beijo vem

e soltando gargalhada

entrançadinha com ele

que só renda de almofada

E foram dançar na festa

de uma tal de Iracema

o Francisco disse assim:

— Querida você não tema

vamos dançar ligadinhos

rasgando o passo da ema

Marieta respondeu:

— Querido eu te afianço

olhe, eu estando contigo

tendo música eu me balanço

até dentro do inferno

havendo quem toque eu danço

E nesta hora saíram

os dois na sala dançando

porém ele pressentiu

ela cansada e suando

e nos braços de Francisco

depressa foi desmaiando

Pararam a parte com pressa

e o Francisco levou

Marieta para um quarto

e numa cama a deitou

e ela ali desmaiada

um certo tempo passou

Os cordéis de Zé Lacerda já podem

ser encontrados em todos os

Estados Brasileiros.

Veja como encontrá-los no site

(Série Caçadores, Volume X)

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 15/04/2009
Reeditado em 11/08/2014
Código do texto: T1540413
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