HISTÓRIAS DE CAÇADOR

Gosto de fazer poesia

Pois Deus me deu o saber,

Faço prá me divertir,

Faço prá quem quiser ler

E pra não ser diferente

Faço pra dar de presente,

Faço também pra vender.

Quando começo a escrever

Haja caneta e papel

Pois assunto nunca falta

E a rima vem a tropel

Me trazendo inspiração

É a realização

Do poeta menestrel.

Em folhetos de cordel

Já fiz verso gozador,

Já falei mal de político,

Contei histórias de amor,

Mas neste eu quero mudar

Porque pretendo contar

ESTÓRIAS DE CAÇADOR.

Quem estórias me contou

Ou caçam ou já caçaram,

Vou falar sobre alguns deles

Que comigo conversaram,

Contar sua artimanhas

E sua grandes façanhas,

Até que se aposentaram.

Outros já desencarnaram,

Eu também não caço mais

Mas já vivi pelos campos

Perseguindo os animais

De tudo que pratiquei

Até uma onça eu matei

Lá pelas Minas Gerais.

Além de não caçar mais

Hoje condeno a caçada

Defendo a fauna e a flora

Totalmente dizimada

Mas uso minhas poesias

Pra falar das arrelias

De outra época passada.

Quem anda em mata fechada

Não é bem ajuizado

Quem caça o que não perdeu

Termina sendo caçado

Sem falar que o estampido

De um tiro ao pé do ouvido

Nos deixa desmemoriado.

Caçadores do passado

Ainda existem no sertão

Contando suas artimanhas

Mas numa constatação

Afirmo, firmo e não nego:

Ou já anda quase cego

Ou já não tem mais visão.

Mas isto é divagação

Não nos cabe criticar

Pois diminui o valor

Do que pretendo mostrar:

Estórias inusitadas

Por eles próprios contadas,

Só me compete rimar.

Tem caçador de preá

De mocó, de barbatão,

De veados quando havia

Veados no meu sertão

Acidentes de caçada

Armadilha improvisada

Aventura, ficção.

Ainda é comum no sertão

Ver uma rapaziada

Matando rolinha branca

Em espera improvisada

Com espingarda sovaqueira

Somente por brincadeira

Sem que lhes sirva pra nada.

Mas há estória contada

De quem não canta vitória,

Outras que valeu a pena,

Ser retida na memória,

As quais deixo registrada

Para sempre ser lembrada

Escrita, virar história.

Antes que falhe a memória

Luis Félix me contou

De um poeta repentista

Que um dia foi caçador

Como ele procedeu

O que foi que aconteceu

E porque ele parou.

Fenelón, o cantador

No começo da carreira

Também quis ser caçador

Pra arranjar sua feira

Por ser muito inteligente

Fez sucesso no repente,

Mas na caça fez besteira.

Numa crise financeira

Que ele estava passando

Arranjou seis aratacas

Pelo mato foi armando

E por onde ele passava

Que uma arataca armava

O local ia marcando.

Inda pegou dois bichanos

E caçando prosseguiu

Mas um dia descuidou-se

E o seu descuido o traiu

Marcava todas que armou

Porém uma não marcou

E ele mesmo caiu.

Uma arataca viril

Dessas que é toda dentada

Estava a mais de uma légua

Dentro da mata fechada

Sem ninguém pra lhe ajudar

Sofreu muito pra chegar

Onde era sua morada

A mulher agoniada

Tenta abrir, não conseguiu

Foi chamar com meia légua

Um vizinho que acudiu.

Fenelon com o pé inchado

Passou um mês aleijado

E da cama não saiu.

Quando curado se viu

Subiu a serra e tirou

As aratacas que tinha

Uma por uma amassou

Deixando tudo pra trás

E jurou que nunca mais

Queria ser caçador.

Luis também me contou

Não gostar de judiar

Detestava exibição

Só atirava pra matar

Como um caso que se deu

Com um conhecido seu

E eu agora vou contar.

Júlio de Fina a caçar

De São Mamede a Picote

Caçava gato do mato

Com espingarda cravinote

Aratacas e sangrias

Passava dias e dias

Entre caverna e serrote.

Uma maracajá filhote

Caiu na arataca um dia

A gata mãe evadiu-se

Os filhotes a seguia

Minutos depois voltou

E do local se acercou

Para proteger a cria.

Júlio mete a artilharia

Matando a gata no ato

Os filhotes assustados

Correram por um regato

E a filhote machucada

Ficou só, abandonada

Pra morrer dentro do mato

Devia ele, de fato,

Ter cuidado de sua mão

Eu lamentei muito tempo

Por essa judiação

Chamava-o de serpente

Que não merecia da gente

Nenhuma consideração

A Luis peço perdão

Pelo meu trato quebrado;

Mas eu não quebrei o trato,

Apenas foi atrasado.

É que seu tempo acabou-se;

Ou ele precipitou-se

Ou Deus foi o apressado.

Deixo aqui o meu recado

A quem partiu para o além

Foi se encontrar com CIGANA

Mas seu espírito vem

Trazer pra nós a saudade

E os vaqueiros da cidade

Sentem sua falta também.

Quem vai para o céu faz bem,

Só a matéria inexiste

Nosso vaqueiro Luis

Na lembrança ainda resiste

O fato de não está vivo

Já é um forte motivo

Prá vaqueirama está triste.

A lembrança ainda existe

Na serra, no tabuleiro,

Seus filhos, netos, amigos,

Lamentam seu paradeiro.

Está registrado este artigo:

Nós perdemos um amigo,

Deus ganhou mais um vaqueiro.

Deus faz o nosso roteiro

Conforme sua vontade,

Quando chega a nossa hora

Nos nega a oportunidade

De deixar algum recado,

Nos leva para o seu lado

E aqui só fica a saudade.

Por nossa velha amizade

Atendo a um pedido seu

E vou contar na poesia

Do jeito que aconteceu,

Conforme você contou

Sua vida de caçador

Quando no campo viveu

(Série Caçadores - Volume 1)

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 15/04/2009
Reeditado em 21/11/2022
Código do texto: T1540366
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