O LADRÃO DO GALINHEIRO

(Trechos do Cordel)

Há certas coisas, leitores,

Que eu gosto de relembrar

Como esta historinha

Que vou em versos narrar

História por mim vivida

E pra não ser esquecida

Eu preciso registrar.

Não pretendo exagerar

Para não ser criticado

Porque tenho testemunha

Deste episódio passado

De alguém que estava comigo

Sendo meu primo e amigo

Não vou deixá-lo intrigado.

Foi de um entrevero dado

Numa certa ocasião

No Sítio Ponta da Serra

Nas quebradas do sertão

Na casa de um meu parente

Caboclo de sangue quente

Carrancismo e opinião.

Quando chove no sertão

Água corre em tabuleiro

Rios se enchem de peixe

Pra alimentar o roceiro

Que exerce a agricultura

Até chegar a fartura

Que plantou em fevereiro.

Vem depois o estieiro

Riachos cortam corrente

Garça faz festa nos poços

Que evaporam no sol quente

A areia se multiplica

E a pouca água que fica

Jorra de alguma vertente.

Época que muita gente

Ganha dinheiro pescando

Os poços que ficam cheios

Na quentura vão secando

No fim do ano ainda estão

Pegando peixe com a mão

Já com o inverno voltando.

Uma vez aproveitando

O período de estiagem

Eu fui na Ponta da Serra

Quando secou a barragem

E os peixes do porão

Pra pescar bastava a mão

Ou landuá de linhagem.

Sem querer contar vantagem

Viemos logo a pescar

Dois sacos cheios de peixe

E à noite, após o jantar,

Foi aquele converseiro

E o primo, bom loroteiro,

Desandou a conversar.

Começou a nos falar

Do caso do galinheiro

Um problema que ele teve

Com os animais do terreiro

Que vinham sendo roubados

E eles preocupados

Sem descobrir o roteiro.

Toda casa de roceiro

Sempre tem o seu cantinho

De pau-a-pique ou de grade

Onde se seva um bichinho

Pra quando quiser vender

Ou mesmo para comer

Um bode, um porco, um franguinho.

Eufrázio tinha uns bichinhos

Sevados no seu oitão

Em um grande galinheiro

Cuja maior intenção

Era uma festa em família

Do casamento da filha

Com o primo Zé de João.

Essa era obrigação

De sua mulher Luzia,

Que tratava dos bichinhos

Sempre com muita alegria

Depois foi observando:

Os bichos tavam minguando

Ou o galinheiro crescia.

Como Eufrásio não sabia

Ela resolve contar

Ele, sempre cauteloso

Começou a ponderar:

Certo somente uma coisa,

Ou é ação de raposa

Ou alguém tá vindo roubar.

Começou a tocaiar

E contar o galinheiro

Mas nada de novidade

Passou quase um mês inteiro

Até se ouvir novamente

A barulheira fremente

Vinda de lá do terreiro.

Cabra de sono maneiro

Costumado a tocaiar

Dormia quase acordado

Não dormindo pra pensar

De repente ouve o ruido

As galinhas com alarido

Levantou-se e foi olhar.

Viu um vulto se abaixar

Pegar um galo e correr

Eufrásio abre a porta e grita:

«Seu ladrão, quem é você?»

Foi uma pergunta em vão,

Viu fechar o algodão

E o cabra se escafeder.

Resolveu se precaver

Para esperar o sujeito

Encomendou por Silvino

Uma espingarda no jeito,

Ferreiro bom no ofício,

Silvino fez um serviço

Forte, seguro e bem feito.

Pra segurá-la no peito

Não era qualquer frangote

A queixa tinha dois quilos

Cada tiro era um pinote

O estrondo uma zoada

Quem chama isso espingarda

Não conhece cravinote.

Pensou ele, «esse timote

Agora vai encontrar

Se aparecer novamente

Daqui não há de voltar».

Carrega a arma pensando

Pacientemente esperando

Outra noite de luar.

Não precisou esperar

Muito tempo a lunação

Escutou o alvoroço

Dos bichos lá no oitão

Levantou-se ligeirinho

Juntamente com Zezinho

Seu filho de criação.

Lua clara no sertão

Com um céu de brigadeiro

E eles, de prontidão

Observam no terreiro

Ambos fortemente armados

Viram o cabra abaixado

Arrombando o galinheiro.

Abrem a porta ligeiro

Pra fazer a pontaria

Tacou-lhe fogo no peito

O outro cai na terra fria

Pularam no camarada

Um com foice, outro, espingarda

Nessa hora de agonia.

E começou a porfia:

«Ladrão, você vai morrer!

- Não me mate, seu Eufrásio

Tenha dó do meu sofrer,

Se me deixarem sair

Juro que sumo daqui,

Vocês nunca mais me ver.

- Pois eu vou deixar você

Sair vivo da contenda.»

Zezinho lhe diz: «Sujeito,

Vê se agora tu se emenda,

E dessa nunca se esqueça

Agora desapareça

Antes que eu me arrependa.»

O outro entra na senda

Embolando pelo chão

Sujando pedras com sangue

Queimando no cansansão

Os dois para tras olhando

E o ladrão se arrastando

Até sumir no algodão.

Procurando informação

Na manhã do outro dia

Eufrásio seguiu a trilha

De vez em quando perdia

Até sumir na pedreira,

No Sábado, dia de feira,

Procura em Santa Luzia.

Porém ninguém conhecia

Nem tinha ouvido falar,

Mas Eufrásio não desiste

Continua a procurar

Hospital, delegacia,

Por toda Santa Luzia

Sem um roteiro encontrar.

Decide então viajar,

Procurar em toda feira,

São João do Sabugi,

Ouro Branco, Ipueira,

Tudo foi cascaviado:

Do Santo Antônio ao Fechado,

Da Quixaba à Pitombeira.

Depois pensou, «É besteira,

Deixe esse cabra pra lá,

Se é pra morrer que morra

É melhor eu me aquetar.

Aqui ele não vem mais,

Se não morrer é capaz

De até me denunciar.

Também preciso falar

Da famosa espingarda,

Cinqüenta gramas de chumbo

Com ela foi carregada

De pólvora meio cartucho,

O tiro fez um repuxo

Que a culatra foi rachada.

Com a queixa esfarelada

O cano todo envergado

Dela nada aproveitou-se

Depois desse tiro dado.

E do pipoco a zoeira

Se escutou da Cachoeira

Até o Desmantelado.

Com um par de mês passado

O caso foi esquecido

Ninguém mais ali falava

Do tal fato acontecido

A vida segue seu rumo

E os animais de consumo

No chiqueiro bem nutrido.

Primeiras chuvas caído

Se preparando o roçado

Eufrásio tem a visita

Do patrão mais um cunhado

Que inspeciona a barragem

Prevendo o fim da estiagem

E novo inverno formado.

Pedro Hermoges o cunhado,

Babá Batista o patrão

Primo em segundo grau

De Eufrásio, o anfitrião

Que ofereceu com carinho

O famoso cafezinho

A principal tradição.

E haja conversação

Papo vai e papo vem

De tudo se fala um pouco

Sem falar mal de ninguém

E surge nesse entremeio

O termo «amigo do alheio»,

Tarefa que não convém.

Eufrásio disse, «apois bem,

Já que o assunto surgiu

Eu tive aqui um problema

E o desafeto sumiu

Depois criou-se esse impasse,

Por mais que eu procurasse,

Ninguém sabe, ninguém viu.

O malfazejo fugiu

Por esse bruguel de serra

Procurei, segui o rastro,

Mas a coisa quando emperra

Tudo de ruim acontece

E o sujeito, ao que parece,

Sumiu da face da terra.

Só a febre berra-berra

Mata mais gente que eu

Mas dei-lhe um tiro no peito

Porém ele não morreu.

Queria ser informado

Se esse cabra baleado

Lá em Várzea apareceu.

Pedro Hermóges respondeu

«Pois lhe dou informação

Esse cabra apareceu

Lá na Serra dos Tuão

Baleado, é bem verdade,

E ontem lá na cidade

O enterraram sem caixão.

Pra evitar confusão

Não toque mais nesse assunto

Seu tiro foi proveitoso

O cabra virou presunto,

Se ainda quer ser ladrão

Vai roubar osso e caixão

Na Cidade de Pé Junto.

Quem foi ladrão é defunto

E a vida continua.»

Terminou a sua história

Já noite alta e sem lua

Fomos dormir sem ter medo

E no outro dia cedo

Seguimos rumo da rua.

A verdade nua e crua

É o que registro aqui

Com certeza, primo Eufrásio

Nunca gostou de mentir.

Ele atirou num ladrão

Mas Gabriel seu irmão.

Quase morria de rir.

Versejei pra divertir

Isso facilmente faço

Na arte de versejar

Eu mostro desembaraço.

E pra manter o costume

Anuncío outro volume:

«As Raposas do Cabaço».

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Série Caçadores - Volume XI

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 15/04/2009
Reeditado em 11/08/2014
Código do texto: T1540351
Classificação de conteúdo: seguro
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