"JULEU E ROMIÊTA" Cordel para teatro de rua de: Flávio Cavalcante

JULÊU E ROMIÊTA

de

Flávio Cavalcante.

NARRADOR

(Entra pelo povão uma banda de pífano , completamente desajeitada , onde Julêu toca bumbo , o narrador toca pífano e o pai de Julêu toca prato . A dona Caçulêta entra com uma sombrinha armada , protegendo o quadro do santo , que está sendo segurado pela , Romiêta . Este quadro está todo envolto em fitas coloridas . Tipo de trabalho para povão. Todo elenco pede esmolas à platéia para o santo , alegremente , conversando uns com os outros . O Narrador entra trajado de vendedor de literaturas de cordel , bem entusiasmado , deixa o pífano do lado e fala em versos com muita alegria .

I

Venha ver , oh minha gente

Venham ver a confusão

Vamos deixar isso bem quente

Pra fazer uma agitação

E por favor num se apoquente

Que num vai ser mole não

II

Ocê que tá aí , todo amarrotado

Cum a cara de abestalhado

Faça um favor de vir

Só num venha afobado

Se não vai sair mijado

E se acabar de tanto rir

III

Bom dia , seu Venâncio

Boa tarde , dona Aurora

Não sou um conversador

Falo em velso a estóra

Num é mentira meu senhor

É coisa que tá na memora

IV

A estora que eu vou contá

Também tá na memora

Vou distorcer toda estóra

De um home apaixonado

Que teve um amor arretado

Que mora nas banda de lá

V

No mato plantei violeta

Semente que papai me deu

Pra dar de presente a Romiêta

Apaixonada por Julêu

Que por causa duma facêta

Pra ela sua vida deu ...

VI

Parece que tá tudo moco

Se tiver arguém dormindo

Eu acordo no pau , seu moço

Mas tem que tá me assitindo

Eu boto pra roer um osso

Aquele que num tiver me orvindo

VII

Tá , é arretado ver o senhor

Que presta bem atenção

Teus oio bonito arregalado

Tua boca fede que nem cocô

Tu num vai ficar irado

Tu é tão feio , seu doutor

VIII

Num me ói desse jeito

Que tu num é feio só

Veja bem aquele rapaz

Ele também tem um defeito

Que se oiar bem dereito

Ele também num fica atrás

IX

Ele é Amalero , das venta de tucano

Bochudo , zambêta e Zaroio

E um bicho e não um ser humano

Precisa joga-lo num comboio

Tocar num berrante , um aboio

Levar pra exorcizar no Vaticano

X

Eu num tou fazendo fumaça

Num é pra ninguém rir

Vamos tomar uma cachaça

Se eu chamei é pra tu ir

Se rolar num vai ser de graça

Se num pagar , tapa vai sair

XI

Num vou me estender muito

Eu vou mais uma vez continuar

Num quero que faça tumulto

Que vou continuar a falar

Se todo mundo ficar mudo

O elenco vou apresentar

XII

Esse aqui é Julêu

Um rapaz bem delicado

Cumeu o pão que o diabo deu

E ficou afoguiado

Teve fama de tarado

Apanhou tanto e se ... (Transição). Apanhou tanto ... (Rir sem jeito). Vamos , minha gente , me ajuda ...

XIII

Deixa pra lá

Pra num dizer coisa feia

Num quero dermoralizar

Se não vou parar na cadeia

E num vou mais apresentar

É mió orvir e olhar

Se não o pau marreteia ...

(Ele se afasta , falando entusiasmado e se caracterizando de guerreiro).

ROMIÊTA

(Bem caricata e exagerada) . Julêu ... Oh Julêu !

JULÊU

O que foi , minha querida ? É meu esprito que chama o meu nome ?!

ROMIÊTA

Não , é mamãe que tá cá peste , proque ocê quase matou a araponga dela no cacete ! Oh , meu Romeu , pro que tu fez aquilo cum a bichinha da araponga da mamãe ?! Ela insiste em falar cum ocê , viu ?!

JULÊU

(Com raiva). O que ela tá quereno cum eu , meu lorve ! Não tenho nada à falar cum aquilo ! As nove eu passo lá , sem farta ! E até lá já tem se passado vinte ...

ROMIÊTA

Êita mentira da peste ! Minha casa num é tão longe assim ! Essa num cola , Julêu ! Se tu for cum essa estóra pra cima dela , cum certeza , ela partir a tua cara em pedacinho !

JULÊU

Vai nada , Romiêta ! Eu me faço de esquecido !

ROMIÊTA

E ela é tão besta , pra num te lembrar !

JULÊU

Eu me faço de esquecido assim mermo ! Faço questão de ficar parado no tempo e no es

CAÇULÊTA

Ele matou a minha araponga ! Merece morrer , Caçulêto ...

MONTEITU

Tu fez isso cum aquele bicho fedorento da caçulêta , meu fio ?!

CAÇULÊTA

Mida as palavra Monteitu ... a araponga da Caçulêta era um bicho cheiroso .

JULÊU

Num era não , pro Deus do céu , que num era ! Ela pulou em cima deu e só eu seio o que sofri cum a carniça ... aquela nem lavando cum creolina ...

CAÇULÊTO

Mas também , muié ... tu deixa tua araponga pular em cima de quarqué pessoa ?

MONTEITU

Quarqué pessoa não , tu respeita a nossa família , que num é quarqué pessoa ...

JULÊU

Agora , mamãe ... cum raiva satânica que esta muié sem coração ficou , se aproveitou que eu quase cego com o fedô da araponga , ela arranhou cum unhas venenosas , as minhas costa , ai , cuma tá ardendo !

ROMIÊTA

Bota mertiolate que passa !

MONTEITUA

Isso num pode ficar assim , Monteitu ! Essa poica nojenta , tirou sangue de nosso fio , e se tu num tomar a providença , eu merma vou ... me dá a peixeira , Monteitu ...

ROMIÊTA

Julêu , meu amor , segura , que a tua mãe tá virada na gota ! Ela fazer argum arte numa pessoa ...

JULÊU

E tudo pro causa de uma araponguinha ... eu já matei coisa bem pior , oi , já matei , cobra , jacaré , pinto , galinha , perú ... (Olhando para o Caçulêto)... Viado ...

CAÇULÊTA

Êta peste !

CAÇULÊTO

E me chamou de viado , foi ?! Eu mostrar quem é o viado aqui ... (Parte pra cima do Julêu , mas a Monteitua defende o Julêu).

MONTEITUA

Faça gracinha que tu vai ver quantas galinha cabe num galinheiro !

MONTEITU

Caçulêto , faça gracinha cum a minha muié , que tu vai ver ...

CAÇULÊTA

Essa perua vai fazer nada ! Vem pra cima do meu marido que tu vai ver só ...

MONTEITUA

Mas repara ... eu vou quebrar a tua cara ... (Parte pra cima dela e começa a confusão das duas enroladas no tapa . Moteitu e Caçulêto tentam separar as duas . Romiêta grita escandalosamente).

ROMIÊTA

Nem araponga , nem nada ! O que interessa agora é que eu tou apaixonada por Julêu ...

JULÊU

E eu pro Romiêta ...

TODOS

(Escandalizados). O que ?!

MONTEITUA

Eu prefiro a morte do que o meu Julêu nos braços , dessa gasguita ! Ser ou não ser ... eu prefiro o não ser ...

ROMIÊTA

Essa é a questão ... eu quero me casar cum o Julêu ...

MONTEITU

Me unir a essas mundiça , nunca ...

ROMIÊTA

Olhem só ; para vocês parar de uma vez por todas com esta confusão eu mesma vou dar um jeito nisso ... Julêu , tu me amas ?!

JULÊU

Sabe que eu amo , meu amor ...

ROMIÊTA

Antonse eu vou fazer uma coisa ... (Tira de dentro do bolso uma caixa).

JULÊU

Mas o que é isso ?!

ROMIÊTA

Brumoline ...

JULÊU

Mas o que é Brumoline , Romiêta ?

ROMIÊTA

Veneno de rato ... mata seca e não deixa fedô ! É minha doidice mermo ... eu tenho nojo desses meus parente , que me deixa cum o juízo em tempo de esprudir ! Julêu , eu tou indo ! Cum Brumoline , como a tua saúde ... (Come o Veneno e faz o maior drama para morrer).

CAÇULÊTA

Não se vá , minha fia ! (Em prantos). Tá veno só ... tudo foi a curpa sua ...

MONTEITUA

Tu acusar meu fio não , que se essa cabrita tomou veneno , foi proque ela quis tomar , todo viu ...

JULÊU

Ah , e é assim ?! (Drama sobre o corpo de Romiêta). Ah , meu amor ! Minha muié ! O cheiro do veneno tá fazendo sair de boca um cheiro de mel , que antes ao falar perto de mim , parecia que tinha abrido uma fossa perto de minhas venta ... Oh , Romiêta , pro que tu fez isso cum eu ?! Cuma eu vou poder machucar teus beiço , chupar tua língua ! Assim cum um beijo , eu morro ... (Cai em cima do corpo de Romiêta . Transição , lembra que foi uma morte sem lógica). Ah , perdão ... esqueci o texto ... (Pega do veneno e vê que ela não deixou nada). Romiêta ingrata ... tu num deixou nem grãozinho Brumoli ... Oh , Romiêta , cuma tu é covarda , muié ... gulosa ... mas num tem probrema , que num tem cachorro , caça , cum gato , macaco ... (Pega a peixeira e fura o peito . Entra novamente o vendedor de literatura de cordel).

I

À você muito obrigado

Por ter vindo me orvir

Descurpe , que eu cansado

Que agora vou ter que ir

Se tu num tiver selado

Um dinheiro vai sair ... (Corre a cuinha).

II

Oia , que gente pirangueira

Gosta de ver trabaiar de graça

Num tou veno ninguém puxar carteira

Antonse vou cantar noutra praça

Vamos agora passar na feira

Lá deve ser uma boa praça...

(Todos pegam os intrumento e começam à tocar).

FIM

Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 30/03/2009
Reeditado em 30/03/2009
Código do texto: T1513891
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.