"O CORNO NORDESTINO" Literatura de Cordel de: Flávio Cavalcante

O corno nordestino

(Poesia cômica nordestina).

De:

Flávio Cavalcante.

-1-

Saí do meu sertão

Pra viver na cidade grande

Lá pra dentro do cantão

Pras banda donde eu morava

Andava sem camisa e carção

No barracão, minha pinga tomava.

-2-

Quando tomava o premeiro gole

Me batia uma tristeza

Da muié que me deixou mole

Que carregava no cabelo uma frô

Que sardade da minha Tereza

E que um dia me apunhalou

-3-

A gente moramos dois ano

Juntinho cheio de amor

Embaicou com um carroceiro cigano

Me deixano cheio de dor

Hoje eu tou aqui chorando

O destino me esfaqueou

-4-

Vorta Tereza... Vorta pra mim...

Pra dormir sem teu chamego

Minha vida chegou no fim

Eu tou derrotado tou com medo

Tou exprodindo esse segredo

Intravinhado dentro de mim

-5-

Quando eu conheci Tereza

Na sua porta eu passava

Arrodeava a redondeza

Na intenção de espiar pra ela

Quando via, minhas vista anuviava

Com Tereza debruçada na janela

-6-

Nois dois se embolava

No mato da barrafunda

Nas torceiras de bambu ela gritava

Me mordia como uma cachorra imunda

E quando o suor escorregava...

Fedia que nem catinga de bunda

-7-

Mas era uma catinga gostosa

Com a inhaca vinda da moça

Que inda hoje mora na roça

Coisa boa era aquela muié

Que pegava água na poça

Água preta que nem café

-8-

Toda de manhãzinha...

Foi lá... Naquele lugar exatamente

A minha Tereza jeitosinha

Que no cangote beijei muito quente

Botava água naquele pote

E me ensinava a ser gente

-9-

Só em lembrar que ela me traiu

Isso me dá raiva demais

Mando ela pra puta que pariu

E Não me procure mais

Vá esfregar o seu xibiu

Na braguilha do satanaz

-10-

Revortado com Tereza

Me despedi do pessoá

Botei as carta na mesa

Pus os troço no caçuá

Dei adeus pra redondeza

Pro povo do meu lugar

-11-

Com as venta toda acesa

Cum oio Inchado de chorar

Mamãe perdoe minha Tereza

E diga pro pai Alexandre

Que eu fui pra cidade grande

Tentar a vida por lá

Enxuguei as minhas lágrimas...

(Pausa).

-12-

Botei uns bagúio no caçuá...

Alisei a minha cabrita mansa

Saí cheio de esperança...

Me pus de joelho e oiei pro céu

Até o peito arreei meu chapéu

Pedi pra Jesui me abençoar

-13-

Saí montado numa jumenta

Na estrada até a porteira

Subi e desci a ribanceira

Em légua a pé... Andei umas quarenta

Com a minha faca e a peixeira

E toda a minha ferramenta

-14-

Mas pra minha sorte e leardade

Oi, que eu fui chegando na cidade

Nunca vi coisa tão grande, assim

Os oio véi chorou de felicidade

Demorei acreditar que era verdade

Tava Jesúi sorrindo pra mim...

-15-

Seu moço, seu Doutor, vem cá

De longe dava pra ver...

Se eu contasse ninguém ia acreditar

Que eu vi com os oio a remelar

E que a terra um dia há de comer

De braço aberto ele tava lá, pode crer

-16-

Regalei os oio pro riba do morro,

Naquela cidade de luz

Rezei pra Santa Socorro

Agradecendo ao Rio de janeiro

Essa cidade do dinheiro

E do menino Jesus

-17-

Quando o onibus parou

Numa tá de rodoviára

Minhas perna intrevou

Pode acreditar que eu num minto

Me cocei pra tirar o cinto

Pra dar uma pisa num cabra

-18-

Assim que eu cheguei do norte

Me deparei com uma presepada

Só saí proque tenho sorte

E minha peixeira tava amolada

Afiada no ponto e no corte

E minha baguia tava arrochada

-19-

Pra furar o bucho de um sujeito

Bastava que ele me olhasse de jeito

Assim com cara de pidão

Assim que eu desci do caminhão

Peguei meus trapo e saí andando

E num é que tinha um peste me espiando?

-20-

Pra todo canto que eu andava

Fugia daquele oiar foleiro

Me escondi inté no banheiro...

Pra ver se ele desviava

Tremi meu corpo inteiro

E o febrento me espiava

-21-

(Oiei pra cara dele...).

Fi da peste o que tu vendo?

Ou tu ta me achando bonito...

Ou tá pensano que eu tou fedendo...

Proque se for pro isto...

Pode chamar pro Jesus Cristo...

Que a tua cara eu arrebento...

-22-

Ele arregalou os oio pra eu...

Pensava inté que eu ia apanhar

Botou as mãos nos quarto e se remexeu...

E começou a rebolar...

Foi assim mermo que assucedeu....

Ah, se fosse no meu lugar...

-23-

Ciscava como uma galinha

Batia palma e gritava

Sem entender a parada

Eu peguei uma tabiquinha

Eu não contei historinha

Meti na bicha dervairada

-24-

Eu não contei estóra

Dei murro inté inchar a veia

Que eu num gosto de coisa feia

Montei pro cima e meti a espora

Enchi de tabefe aquele sujeito

Ah, viado cheio de trejeito

-25-

O cabra partiu

E começou a me encarar

Que puta que pariu

Ele queria era me beijar

(Me beijou...)

E depois que aconteceu

Minhas vistas escureceu

E minhas tripa embrulhou...

-26-

Eu cuspi o dia inteiro

Parecia mulé intojando

Preferia tá num celeiro

Dormino num galinheiro

E cum uma galinha xumbregando

-27-

Oi, que eu vomitei tanto, home

Saí do meu sertão

Na garupa de um caminhão

Pra um macho vim me beijar

É coisa inté pra mudar meu nome

E no sertão nunca mais vortar

-28-

Montei pro cima dele

Pra pisar a bicha de pé

Diacho de macho querendo ser muié

Que lá no meu cantão

Se um home dermunhecar

Aí, é coisa ruim... E a ordem é de lascar...

-29-

Pinotava que só um caçote

Na beira do ribeirão

Berrava que nem um bode

Em meio o sol de verão

Falava que nem um magote

De serpente dando bote

Nas caatinga do meu sertão

-30-

Mas eu venci o viado

No meio do pesoá

Que eu tava demoniado

Da gota virado na péia...

E pelo raio da seribobéia

Home nenhum vem me agarrar...

-31-

Que eu vim aqui preparado

Armado até os dente

E vai ser aqui no meio dessa gente

Que eu tou cum o diabo encorado...

Vai ter que agüentar calado

Uma pisa de um macho quente...

-32-

Um cabra macho dos diacho

Quando as venta se acender

Que um dia que ocê ver

Eu agarrado com outro macho

Pode esperar o sangue descer

É no chão arrear os cacho

-33-

Depois daquele tormento

Do meio do pessoá

Saiu pra eu um monumento

Parecido um violão

Falando coisas do coração

E começou a me encarar

-34-

(O sangue subiu pros oio...). (Pausa).

O que é que tu ta me olhando?

Eu diche já todo invocado...

Tira os oio que num tou gostando

Vira tua cara pro lado

Espia bem o que eu tou falando

Que num sou feio e nem tou cagado

-35-

(Ela diche...)

Meu nome é Maria Helena

E tu num vai deixar furo

Peguei aquela morena

Levei pra detrás do muro

Baixe minhas carça sem pena

Que o pato já tava era duro

-36-

Na hora das agonia

Beijei muito puxando a língua

Nasceu inté uma íngua

Entre os dente da vadia

Do céu da boca a gente via

A perereca da Maria...

-37-

(Pensativo).

Maria Helena Antonieta...

Me abraçou cum aquelas coxas...

Pendurou no meu pescoço

E beijou muito a minha boca

Me deixando com aquilo frouxo

Oh, coisa boa da gota

-38-

Minha mão tremia que nem vara

Doido pra caça e pra busca

Meus pentêi se arrepiava

Que inté os oio véi se ofusca...

O que mais me espantava

Foi o tamanho do capú do fusca

-39-

Aquele pacote de fubá

Roçando na minha barguia

Num entra e sai sem parar

Pegava na minha virilha

Eita mulé boa e vadia

Que rebolava sem parar...

-40-

A tesão cada vez mais arta

Babando como um macho no cio

Palpei aquela bunda farta

Da carcinha puxei um fio

Alisei suas costa larga

Ela sentiu um arrepio

-41-

Um arrepio que pro capricho

Quando ela lambeu eu

Pulei em cima que nem bicho

E o meus oio endureceu

Grudado que nem carrapicho

Minhas vista escureceu

-42-

Mas pro descuido da natureza

Home que num prestou não...

Quando alisei sua calcinha preta...

Que eu fui escorregando a mão...

Tirei a calcinha que no rabo tava presa

Peguei num pau e num par de cunhão...

-43-

Alguma coisa roliça

Pousou em minha mão...

Me dermanchei cuma areia marvadiça

Me afastando da Cinderela

Perguntei de novo o nome dela

E ela disse... Ricardão

-44-

Morri naquele momento

Eu nunca vi isso não...

Cuma pode um miserento

Macho querendo ser menina

O que tava oiando pra cima,

agora ta oiando pro chão...

-45-

Minha revorta era premeiro

De socar um toco de pavio

Enfiar num rabo certeiro

Num feofó da brucuta

E tocar fogo no fundio

Daquele fio da puta...

-46-

Mas peguei minha peixeira

Risquei que saiu fogo no chão

Destemperei numa carreira

Subi uma ribanceira

Só peguei no pé da ladeira

Depois de um carreirão

-47-

Oi, seu moço eu vou contar

Tive pena do viado

A sarvação foi um sordado

Que fardado foi espiar

E me viu como um cão virado

Quase em tempo de pirar

-48-

O sordado atirou pra riba...

O povo se espalhou no chão...

Pensando que era uma briga

Ou fugida de argum ladrão...

Eu nunca passei isso na vida

Eu quaje fui pra prisão...

-49-

No ponto pra uma talhada

Tava minha peixeira amolada

Nem que Jesus me deteste

E me derrube inté o chão

Mas o viado fi da peste

Ia ficar sem os cunhão

-50-

Vou furar tua tripa ronqueira

Na porta do buzanfã

Amarrar com um sutiã

Uma rolha vou enfiar

Vou fechar tua porteira

Pra nunca mais tu cagar...

-51-

Sair do Rio de Janeiro, pebado

Sem ganhar nenhum dinheiro

Sem ganhar um tostão miado

Vou viajar o dia inteiro

Lá, vou Me acabar de comer cuscús

E nunca mais vorto pra terra de Jesus...

-52-

Nunca mais eu vou vortar

Que eu num tou cá peste

Que cabra macho do Nordeste...

Viaja em caminhão

De mau jeito não consegue sentar

Ralando a bunda no chão

-53-

Saí de lá relado

Com o peito cheio de dor

Com remorso de ter deixado

Abandonado o meu amor

E cheguei desconfiado

Como um grande perdedor

-54-

Preparei o meu retorno

Depois da profunda tristeza

Preferi vortar e morrer como corno

Que chifre não dói, Ganhar é moleza

Levar chifre é mais que consolo

Mas nos braço da minha Teresa

-55-

Pensei que não ia má costumar

Quando ela se juntou com o carroceiro

Eu nunca mais vou me separar

Porque ele trabalha e me dá dinheiro

Agora ela tem que me sustentar...

Ela não quis ficar com ele?

(E ainda pra me vingar)...

E eu fiquei com ela e comi a burra dele

-56-

Oxente... Vem, burrinha...

Vem pro cantinho da cerca, vem... (Ri).

Ah, vem, burrinha gostosinha...

Vem... Vem pro teu Zé Gardino

Vem fazer um xenhemm, henm...

Com esse corno nordestino...

(Fim)

Peça: “O corno nordestino”

Autor: Flávio Cavalcante

Mês: Junho

Ano: 2003

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 29/03/2009
Código do texto: T1511851
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.