A Venda de Joca Galego
Essa história começou
Quando seu Joca nasceu,
Mas sua mãe não pensou
No fruto que ela deu.
Pois quando Joca nascia
Seu intuito já dizia
Que não ia ter emprego...
Ia ser comerciante
E ter futuro brilhante
“Na Venda de Joca Galego”.
No Engenho Gameleira
Da cidade de Itambé
Foi do peito à mamadeira
E aprendeu ficar de pé.
Era criança travessa
E trazia na cabeça
Que só ia ter sossego,
Quando pudesse fundar
O tão sonhado lugar
“Da Venda de Joca Galego”.
Quando tinha sete anos
Viu sua mãe falecer,
Aos doze com desenganos
Foi com um tio viver.
Na Vila de Goianinha
Onde fazia farinha
Ainda pedindo arrego,
Mas não tirava da mente
De um dia ir pra frente
“Na Venda de Joca Galego”.
Era no Sítio Timbó
Que o seu tio morava
E todos sentiam dó
Da vida que ele levava.
Pois sendo trabalhador
Joca foi um sofredor
Trabalhando sem sossego,
Mesmo sendo uma criança,
Mas mantinha a esperança
“Da Venda de Joca Galego”.
Ali Seu Joca viveu
Até seus dezoito anos
Quando lhe aconteceu
De fazer mais alguns planos.
Queria ser militar
Pra sua vida mudar
E arranjar um emprego,
Porque não tinha um vintém
Pra fazer o armazém
“Da Venda de Joca Galego”.
No corre-corre da vida
Querendo vida melhor
Saiu sem ter despedida
Joca do Sítio Timbó.
No Recife foi parar
Aprendendo a atirar
Sem a isso ter apego,
No exército só pensava
E na mente arquitetava
“A Venda de Joca Galego”.
Quando a farda ele deixou
Não encontrou vida boa,
Pois até fome passou
Na capital João Pessoa.
E cumprindo sua sina,
Trabalhou numa oficina
Onde achou aconchego,
Para dormir e sonhar
No dia que ia fundar
“A Venda de Joca Galego”.
E por força do destino
Foi ao Rio de Janeiro,
Com sonho de nordestino
De lá arranjar dinheiro.
De calunga de caminhão
Ele aprendeu a lição
Que lá não tinha sossego
E voltou pra Goianinha
Fundando uma barraquinha
“A Venda de Joca Galego”.
Na Vila de Goianinha
Do campo velho pra frente,
Seu Joca abriu uma vendinha
Um barraco bem decente.
Era lá que ele morava
E sua venda ficava
Lhe servindo de emprego,
Mas logo ela ganhou fama
E hoje o povo só chama
“A Venda de Joca Galego”.
Seu Joca vindo da roça
Do sítio de Seu Nezinho
Casou com uma linda moça
Do Engenho Cauzinho.
Foi com ela pra cidade,
Pois na sua mocidade
Já pensava em aconchego.
E hoje ela arruma e passa
Cozinha e vende cachaça
“Na Venda de Joca Galego”.
Dona Masé uma moça,
Filha de Mitonho Gaião,
Deixou a vida da roça
Pra trabalhar no balcão.
Pois toda vida passava
Colhendo o milho e a fava
Dia a dia sem sossego,
Por isso não sonharia
De ser feliz hoje em dia
“Na Venda de Joca Galego”.
O velho Mitonho Gaião
Não queria esse namoro
E metido a valentão
Só vinha com desaforo,
Mas Joca com paciência
Um dia pediu licença
Pra casar e ter sossego.
E fez o velho afrouxar
Indo também despachar
“Na Venda de Joca Galego”.
Apesar da agricultura
Masé tinha outro trabalho,
Pois a máquina de costura
Era o seu quebra-galho.
Para fazer suas roupas
A vida não era sopa
E não tendo um emprego,
Mesmo antes de casar
Muitas vezes ia ajudar
“Na Venda de Joca Galego”.
Nesta vidinha e na raça
Masé lhe deu nove filhos,
Só ele sabe o que passa
Pra dá de comer e vesti-los.
Pagar remédios e escolas,
Comprar bonecas e bolas,
Se pensar perde o sossego.
É dura a vida de pai,
Pois o dinheiro só sai
“Da Venda de Joca Galego”.
Senhor Joca sempre quis
Frequentar uma escola,
Mas o destino infeliz
Pouco lhe deu essa bola.
Mas hoje vive lutando,
Com seus filhos estudando
Para conseguir “emprego”,
Mas antes de estudar
Tiveram que ajudar
“Na Venda de Joca Galego”.
Ivaneide na Rural
Formou-se em Zootecnia
E de forma natural
Já está de agonia.
Sem ter onde trabalhar
Resolveu ir ensinar,
Enquanto não tem emprego,
Pois não deseja voltar
Pra novamente ajudar
“Na Venda de Joca Galego”.
Ismael já é formado
No curso de Agronomia,
Ficou um pouco atrasado
Porém o seu dia a dia,
Já se tornou natural,
Pois trabalha na Rural
E não deseja outro emprego.
Porque já teve ascensão
Pra não voltar pro balcão
“Da Venda de Joca Galego”.
Izabel já se formou
Em Fonoaudiologia
E um consultório montou
Porque produzir queria.
Pra crescer na profissão
Fez Especialização,
Depois arranjou emprego,
Pois o dinheiro não dava
E no seu sonho não tava
“A Venda de Joca Galego”.
Ivone na Unicap
Formou-se em Economia
Não foi válvula de escape,
Pois era o que ela queria.
Não gostava de boneca
Era mesmo uma sapeca
E como filósofo grego,
Queria tudo mudar
E até o lucro aumentar
“Na Venda de Joca Galego.”.
Itamir lá na Rural
Formou-se em Veterinária
E por gostar de animal
Caiu bem na sua área.
Lutando que só a peste
No INAMPS fez um teste
E arranjou um emprego,
Ficando feliz da vida
Porque se livrou da lida
“Na Venda de Joca Galego”.
Isis na FESP está
Estudando Medicina,
Mas teve que trabalhar
Pra poder ficar por cima.
Teve um trabalho danado
Se não tivesse cuidado
Perdia a fé e o sossego,
Depois tinha que voltar
Para outra vez despachar
“Na Venda de Joca Galego”.
Hibernon é diferente
Nunca gostou de estudar,
Por isso daqui pra frente
Vai ter é que trabalhar.
Ficando lá na bodega
Vendendo e fazendo entrega
Ou procurar outro emprego,
Pois pra vestir e comer
Sem trabalhar não vai ter
“Na Venda de Joca Galego”.
A Iris agora está
Em Administração
Vive só pra estudar
Sem ter remuneração.
Ela também faz Direito
Deixando o pai satisfeito
E a menina em sossego,
Porque ela não gostou
Do sufoco que passou
“Na Venda de Joca Galego”.
Ivonalda ainda está
Fazendo segundo grau,
Porém não quer mais voltar
Pra sua terra natal.
Só quer a felicidade
De entrar na faculdade
E arranjar bom emprego,
Porque estava cansada
De abrir de madrugada
“A Venda de Joca Galego”.
Ismael ficou feliz
Quando nasceu Isabela,
Por isso ele sempre diz
Que não existe mais bela.
Mas Seu Joca não gostou
De ser chamado de avô,
Dizendo que isso é grego,
Porém da vida s'esquece
Quando a netinha aparece
“Na Venda de Joca Galego”.
E Ítalo o outro neto,
Que é filho de Itamir,
Não consegue ficar quieto
Mexendo aqui e ali.
Mas Joca se engraceja
Despachando uma cerveja
A um freguês de apego,
Ouvindo o mesmo dizer:
Este neto faz chover
“Na Venda de Joca Galego”.
Vendo a família aumentar
O rosto de Joca brilha,
Por isso vive a sonhar
Com filhos de cada filha.
E pra aumentar seu brilho
Vem aí Ismael Filho
Fazendo ele ter apego,
De ver o neto ficar
Ajudando a despachar
“Na Venda de Joca Galego”.
Como é da natureza
Crescer e depois morrer,
Entre riqueza e pobreza
Disso ninguém vai correr.
Além de sofrer demais,
Joca perdeu os seus pais,
Mas não perdeu o apego,
De no balcão agradar
Aquele que vai comprar
“Na Venda de Joca Galego”.
Com sua tamanha idade
Já tem muito a ensinar.
Sempre gostou da verdade
Nunca foi de enganar.
De briga já nem se fala,
Porque se existe bala
É de menino sossego
E o revólver é de mel,
Até parece um céu
“A Venda de Joca Galego”.
A Vila se emancipou
Crescendo pra todo lado
E um novo nome ganhou
Hoje se chama Condado.
E a venda que o povo gosta
É Mercearia Costa,
Mas por causa do apego,
O povo não quis mudar
E continua a chamar
“A Venda de Joca Galego”.
O campo velho acabou
Virou área de lazer,
Mas sei que o povo gostou
Porque futebol vai ver,
Num campo sofisticado,
Que fica um pouco afastado,
Longe daquele aconchego,
Mas continua agradar
Naquele mesmo lugar
“A Venda de Joca Galego”.
No entra e sai de mandato
Dessa tal de prefeitura,
O povo é quem paga o pato
Com tanta nova moldura.
Pois Rua José Gaião
Já foi Rua do Pião
E o povo não tem sossego,
Mas ainda continua
Abrindo as portas pra rua
“A Venda de Joca Galego”.
Se o Brasil for dividido
Formando o país Nordeste
Vai ver que no bom sentido
Os homens “cabras da peste”,
Que são do lado de cá
Não são como os de lá,
Pois se viram sem emprego.
E um deles até fundou
Com futuro promissor
“A Venda de Joca Galego”.
Agora eu vou lhe contar
As qualidades da venda,
Mas em um livro não dá
Pra escrever sua prenda.
Ali só tem coisa boa
Quem compra lá ri à toa
Sem precisar de arrego,
Pois lá o dinheiro cresce
E até milagre parece
“A Venda de Joca Galego”.
Desde quando foi fundada
Sempre tratou com respeito,
Agradando a garotada
Com bolo, doce e confeito.
É a melhor da cidade
Vendendo à comunidade,
Rico, pobre, branco e “nego”.
Todos com satisfação
E também sem distinção
“A Venda de Joca Galego”.
Pra qualquer tipo de festa
Onde se quer mantimento,
Aquela venda se presta
Vendendo a qualquer momento.
Tem champanhe pro natal,
Talco para o carnaval,
Sabonete pro chamego,
Peixe na semana santa,
Por isso o povo se encanta
“Na Venda de Joca Galego”.
Aquela venda é das boas,
Pois além de fazer feira
Você pode dizer loas
Depois de uma bebedeira.
Alguém vai lá comprar pão,
Mas ao chegar ao balcão
Sentindo seu aconchego,
Toma logo uma lapada
Da aguardente afamada
“Da Venda de Joca Galego”.
Se tem amigos bebendo,
Mesmo estando ocupado,
Joca vai se entretendo
E também fica inspirado.
Dizendo espirituoso,
Loas com “rima” e de gozo,
Das que causam um chamego
Deixando a turma animada,
Caindo na gargalhada
“Na Venda de Joca Galego”.
“O pinto quando nasceu
Olhou pra mãe e sorriu,
Bebe tu e bebo eu
Bebe a puta que pariu”.
Essa foi mais uma loa
Que escutei numa boa,
E escuto quando chego,
Prestando bem atenção
Debruçado no balcão
“Da Venda de Joca Galego”.
Se um gaúcho chegar
E procurar chimarrão,
No atendimento exemplar
Ele bebe um alcatrão.
O mesmo é se aparecer
Um gringo e quiser beber
Uma bebida de grego,
Por certo ele vai mudar
E uma cana vai tomar
“Na Venda de Joca Galego”.
Pitu, cerveja, sardinha,
Cigarro, pão, guaraná.
Bolo, biscoito, farinha,
Pasta, refresco e fubá.
No tempo do carnaval
Como é festa especial
Tem talco para o chamego,
Tem maizena e colorau
Pra levantar seu astral
“Na Venda de Joca Galego”.
Da grande a pequena conta
A sua venda abastece,
Vendendo de ponta a ponta
Nesta cidade que cresce.
Às vezes, de bicicleta
Ou numa caminhoneta,
Ele faz o seu chamego,
Da cidade ao barracão
Sem quebrar a direção
“Da Venda de Joca Galego”.
De fila lá não carece,
Nem ninguém fica por fora.
Pois se um freguês aparece
É atendido na hora.
Pra comprar arroz, feijão,
Café, açúcar ou sabão,
Assim com tanto sossego
Não existe outro lugar
Por isso só vou comprar
“Na Venda de Joca Galego”.
Além disso, que falei
Vou lhe contar mais um fato.
Lá se criou uma lei
Pra só se vender barato.
E dos cantos onde andei
Eu juro nunca encontrei
Preço bom assim que chego
E para economizar
O povo só vai comprar
“Na Venda de Joca Galego”.
A cidade foi crescendo
Muita coisa já mudou
E a Venda vem atendendo
Do jeito que começou.
Ela fica numa esquina
Como uma bela menina
Seduzindo branco e "nego"...
Vem gente de todo canto,
Todos dizendo: É um encanto
“A Venda de Joca Galego”.
Meu caro amigo leitor
Aquela venda lhe espera,
Com amizade e amor
Apareça em qualquer era.
Quando estiver folgado
Passe um dia em Condado
E visite o aconchego,
Pois mesmo sem ir comprar,
No coração vai levar
“A Venda de Joca Galego”.
Esse pequeno trabalho
Com versos e poesia,
Tenta contar em “retalho”
Um bonito dia a dia,
De um pai sacrificado
Que tem lutado um bocado
Para tirar do emprego,
Estudo, saúde e pão,
Sem tirar sua atenção
“Da Venda de Joca Galego”.
Tive um trabalho danado
Para esses versos escrever,
Pois estava preocupado
Em agradar a você.
Por isso caro leitor
Se o cordel não lhe agradou
Não tenha desassossego,
Pois para lhe compensar
Peço que vá visitar
“A Venda de Joca Galego”.
Condado, fevereiro de 1991.