A VOLTA DA MÁGOA DA CACHAÇA
Atendendo a pedidos de leitores, resolvi trazer de volta este cordel,
que foi muito bem lido no Recanto das Letras:
SE A CACHAÇA PUDESSE FALAR, ELA DIRIA ASSIM:
“Há muito tempo que eu
Vivo muito magoada
Pelas pessoas do mundo
Que me deixam difamada
Mas, se me compram, eu venho
Me digam que culpa tenho
De viver tão procurada?
Bebem whisky e conhaque
Quem fica bebo, se abraça
Bebem vinho, batidinha
E fazem muita arruaça
Bebem rum, bebem cerveja
Esculhambam com a Igreja
Mas quem paga é a cachaça!
Por isto estou aqui
Para dar meu parecer
Já agüentei muita coisa
E fiquei a me esconder
Eu também tenho memória
Escutem minha história
Pois eu vou me defender!
Como pai, tive o Álcool
Meu berçário, alambique
Minha mãe, cana-de-açúcar
Deixe que eu lhe comunique
Eu nasci lá no engenho
E o meu maior empenho
É que ninguém me critique.
Partindo para a infância
Fui primeiro engarrafada
Muita gente trabalhando
Para eu ser rotulada
Tudo isso vai em conta
Só depois que fiquei pronta
É que eu fui batizada.
Para agradar o homem
Que é malvado, bem sei
Me derramaram num vidro
Com cobra e caju, fiquei
Me encheram de raízes
Só pra ver eles felizes
Tudo isso agüentei.
Falando sobre o Batismo
Sigo com a minha prosa
Ganhei nomes diferentes
Fiquei até orgulhosa
Vou resumir um pouquinho
CHÓRA-RITA, CAVALINHO
ACAYIÚ e GOSTOSA.
CHAVE-DE-OURO, YPIÓCA
VENHA-VER, COLONIAL
A VALE-DO-CARIRI
Um nome bem genial
Até CARANGUEJO, assumo
São nomes que eu resumo
Neste meu memorial.
Minha vida é tão curta
Menos do que eu gostaria
Vivo numa prateleira
De uma mercearia
Mas, gosto mesmo é de bar
O meu verdadeiro lar
Minha aposentadoria.
E assim eu vou vivendo
Nesta rotina sem fim
Não como, falo ou ando
Não faço coisas assim
Não pinto o sete nem oito
Até que chegue um afoito
Que se interesse por mim.
Então chega meu final
E me despeço da vida
Me levam pra algum lugar
Onde uma turma unida
Acaba com a minha festa
Para mim nada mais resta
Pois ali sou consumida!
Encorajo o acanhado
Quem bebe pouco só ganha
Relaxo após o trabalho
Porque não gosto de manha
Alegro o fim-de-semana
Ajudo o cara bacana
Pois ele nunca se assanha.
As mulheres me odeiam
Mas que culpa tenho eu?!
Me odeia o ressacado
Então, por que se excedeu?
Até o crente, coitado
Hoje anda engravatado
Mas um dia me bebeu.
Tem mulher que já me bebe
Homem, velho e menino
Bebe o preto e o branco
Bebe o pobre e o grã-fino
Bebe ele, bebe tu
Bebe até o peru
Só quem não bebe é o sino.
C omo já me defendi
A meu relato fui fundo
C omeço a me despedir
H ei de fazer num segundo
A deus, amigos, tentei
e aÇ ho que já botei
A minha boca no mundo!!
Autoria: Jeconias Guerreiro
Data: Criado, originalmente, no domingo, dia 05 de março de 1995
Publicação: 2a. Edição, hoje