Batalha dos Guararapes
Meu filho, eu era um menino.
Mal sabia o que era quimera
Vivia e corria em Guararapes
Terra boa que ainda me espera.
Como espera todos filhos,
Que dela encanta os brilhos.
Lá, briguei e amei como fera.
Fui moço requisitado
Mimado e às vezes odiado.
Voava em zigzag perdido,
Nos verdes vales e prados
Esquecidos no rincão,
Mas não no meu coração,
Sofrido e quase calado.
Vivia a recitar a vida
Como bom pernambucano.
Do frevo ao maracatu,
Eu dançava sem engano.
Era só encantamento
Das praças ao firmamento.
Eu era um ilustre fulano,
Quando soube das batalhas.
Foram duas das mais sangrentas.
Lá nos Montes Guararapes
De tão cruéis e nojentas
Serviram de sepultura
Pra mais de mil criaturas.
Dizem que foram violentas.
Hoje, vivo das lembranças,
De quando era ainda criança,
Lá no Monte das Tabocas.
Era alegria sem vingança.
Subia e descia o alto dente
Serpenteando suas vertentes
Mais cristalinas e mansas.
Ainda tenho em minha mente
Belas cantigas e danças.
Danças, que negros de Angola,
Ensinavam com suas lanças
No Engenho da Casa Forte.
Eu era um menino de sorte,
Cheio de vida e de esperança.
Imagens são construídas
Em minha cabeça luso -
Brasileira. Estou contente.
Mas, meio distante e difuso,
Quanto aos Montes Guararapes.
As “montanhas” Guararapes!
De cumes belos e obtusos.
Foi nesse lugar ditoso
De minha sã juventude,
Que aconteceram as lutas.
Cada qual mais vil e rude.
Braços e pernas cortadas,
Cabeças e almas lesadas.
Na mais terna plenitude.
As tropas dos inimigos
Foram por lá exprimidas,
Entre o mar e os Afogados.
Foram duas vezes seguidas.
Duas batalhas importantes,
Convencidas e vibrantes.
Mas por eles, lá, perdidas.
De um lado holandeses
Já cansados de outras lidas,
Famintos e maltratados.
Perdendo a esmo suas vidas,
Suas tropas e munições.
Por falta de condições
Estavam já, sem a saída.
Cercados em Guararapes.
Entre mangues traiçoeiros
E seus três montes quebrados,
Avançaram por inteiro.
Era vencer ou morrer.
Alguém tinha que sofrer.
Como é bom ser brasileiro!
Holandeses aguerridos,
Acuados no alto dos montes
Oitizeiro e dos Telégrafos.
Quase nus “ali defronte”
Ostentavam suas armadas
E os diversos camaradas,
Prometia um vil desmonte.
Por outro, ao sopé do monte,
Índios e soldados fortes
Calados na encruzilhada,
Esperavam a hora. O trote.
Como um estouro de boiada,
Ali naquela madrugada,
Aconteceram as mortes.
Soaram trombetas e clarins.
Tambores surdos rugiram.
Gritos e gemidos fortes
De negros brancos surgiram
Não se sabe de que lado.
Se do morro ou do alagado.
Lágrimas cálidas caíram.
Foi gritante a confusão.
Pés, perdidos das cabeças.
Ombros, perdidos dos troncos.
Trovões e nuvens espessas
Desossaram o inimigo
Que sem o devido abrigo
Fugiram a pé e as pressas.
Sangue! Vertido do sangue!
Derramado do inimigo,
Tirado da carne do índio,
Filtrado do negro amigo.
Oh! Lamaçal doentio.
Oh! Excremento espúrio e vadio.
Oh, minha mãe, que castigo!
Foi ali no Boqueirão
A primeira das batalhas
Lugar de muitas árvores
Uma trilha, uma navalha.
Uma picada a seguir
Era morrer ali, ou ir.
Só ficou o canto da gralha.
Foi sem dúvida uma luta
Sangrenta. Diria cruel
E, indesejável a cântaro.
Ficou o gosto acre do fel.
Mas, era mais que preciso.
Era um dente de siso,
Encravado em nosso mel.
Foi uma luta corporal
De quatro horas infindáveis.
Impossíveis para Baco
E aos vencidos miseráveis.
Que dela participou,
Chorou, sofreu e brigou.
Pobres! Rudes, incansáveis.
Derrotados e sem vez,
Voltaram para Recife.
Abrigo mais importante
Dos rivais já sem cacife.
Para outras e outras batalhas.
Restavam-lhes as mortalhas
E as pontas dos arrecifes.
Ah! Os Montes Guararapes
O berço do nativismo
Pedaço e torrão natal
Do meu e seu nacionalismo.
Sitio ímpar e geográfico
O mais visto do meu gráfico
Meu Deus, meu Deus! Que lirismo.
Mas nem tudo foi perdido.
De Salamandra a Nassau,
Nasceu a bela Capital.
Com seus encantos e naus
De arquitetura exemplar
E tijolos a enfeitar,
As casas que eram de paus.
Lá no bairro da Capunga,
Foi erguida a primeira granja.
Um criadouro de aves.
Aves, de penas laranjas,
Vindas de um mundo distante
Das mãos de ilustres viajantes.
Os inventores da canja.
Lá na praça da República,
Foi erguida uma escultura.
Hoje, Palácio Friburgo.
A mais bela arquitetura,
Dos tempos ricos de outrora.
O que se faz ainda agora,
É admirar a sua estrutura.
Ruas foram pavimentadas.
Zoológico edificado.
Coleta de lixo, usada.
Tudo no maior cuidado.
Vida urbana? Que padrão!
Pedras preciosas no chão.
Um governo requintado.
Nassau viu e amou Guararapes.
Por eles brigou e construiu,
Ó Linda e bela Recife!
Capital que o Conde viu.
Com olhos de um erudito.
Para mim, mais que um mito.
Lá não sei onde, ele sorriu.