Eu conto, eu conto...
Com a lua em capricórnio
E o sol em escorpião
Em 12 de novembro de 60
Voltei a este mundo
Para mais uma missão
Contam os meus pais que eu era
Um bebê calmo e feliz.
Chorava pouco e dormia muito
Quase nenhuma travessura fiz
Quando me entendi por gente
Minha casa era uma escola
E eu era a monitora
Da minha mãe, professora
Na escola da cidade
Já cheguei sabendo ler
“alfabetizada” eu não sabia
Que isso queria dizer
Não há palavras para descrever
Os sentimentos e a emoção
Que invadiram o coração da menina de 10 anos
Que pela primeira vê uma televisão
Foi um acontecimento na cidade
Copa do Mundo e o Brasil tri-campeão
Nada disso me fascinava mais
Que a tal televisão
Sair do primário e entrar no ginásio
Impossível descrever tal sensação
Puberdade, adolescência efervescência
Era um verdadeiro turbilhão...
Primeiro emprego aos 13 anos
Reviscoteca na praça, no chão
Lia tudo antes de vender
A leitura é minha paixão
Primeira viagem à capital
Salvador é uma imensidão
Paguei todos os micos
Foi grande a gozação
Festa de debutantes, primeiro namorado
Começam os bailes com permissão
Dançar até ensopar a roupa
Esquecer de fazer a lição
Fiz o curso magistério
Sem poder outro escolher
No estágio a certeza:
Professora não quero ser
Finalmente chegou o dia
Acabou a agonia
Adeus turma de pestinhas
Vou pegar meu diplominha
E fazer feliz minha mãezinha
Que sempre me quis professorinha
Eu sonhava com o palco
Artista queria ser
Tantas vezes pisei nele
Mas o dinheiro, cadê?
Me casei, tive três filhos
Pára-quedas pra “real”
A cabeça fervilhava
E eles, o que vão ser?
“Antes de te ver, achei que via
Hoje sei que era cega
Pois tu és a luz do dia”
Nasce a minha filha Gabriela
Mais uma vez Deus me escolhe
Para dar a luz a outro ser
Marcela é uma princesa
Rainha, quando crescer
Nasce um príncipe em minha casa
Rafael, meu arcanjo
Vasectomia no marido
Fecha-se a” fábrica de gente bonita”.
Quem não tem cão
Caça com gato
Do comércio fui viver
Meus filhos escolheriam
O que eu não pude escolher
Meus filhos cresciam
Em graça e sabedoria
Eram crianças felizes
Pois viviam cercados
De amor e alegria
Nossa casa era um palco
Onde reinava a fantasia
Teatro, desfiles e festas
Sempre entrávamos com eles
No mundo da fantasia
Entre o trabalho, marido e filhos
Sempre acho um tempo
Pra viver minha emoção
Escrevo, atuo e dirijo
O teatro é minha paixão
Mas debaixo desse céu
Que passa boi passa boiada
Também passou uma falência
Com a cara descarada
Fiz marmita, pão integral
Ricota e granola pra vender
Trabalhei de secretária
Precisava sobreviver
Procurar dentro de si
Um caminho, uma saída
Voltar no tempo, pesquisadora
Me lembrei: Sou professora!
Didática, pedagogia, metodologias...
Meu Deus! São vinte anos!
Isso não se refaz
Da noite pro dia
Aulas de dicção, postura e interpretação
História do teatro, improviso, criação
Eureka!
Levo a arte para a educação.
Boca seca e perna trêmula
Coração aos pulos, suor nas mãos
Pelo ensino médio é que entro
Na área da educação
Filosofia e sociologia
Dos alunos a aceitação
Passado o medo e a angústia
O que veio foi a paixão
Hoje sei que sou artista
Estudo, crio e interpreto
Coloco minha paixão
No palco da educação