A carta
A carta
maria da graça almeida
O Bigode grisalho vestia
a bocarra do caipirão,
a tarde nas lonjuras se ia,
sem rumo, sem direção.
O homem se amofinava
à espera da carta do bem,
seu olho esperto colava
na curva das linhas do trem.
- Ô cruiz credu, meu Padinhu,
mia Virge, meu Santinhu,
Num é qui ovi um apítu?
I vem das banda du riu,
dôndi u pástu é mai bunítu,
dôndi as égua tão nu ciu!
Zé Maneru, Oristidi,
u barúio já tá vínu,
é o bichão qui largô tárdi,
i na curva vem rugínu!
Ponha têntu, véia Nega,
pega lógu u emborná,
córri, a carta aqui já chega
num mi deixa ela massá.
Mia santa, qui gastura
pégu di arripiá,
síntu até, fórti, a tuntura,
das vorta qui os vagão dá.
Chega aqui ô Vardemá,
pega as lênti si qué vê
túdu u amô qui tem na carta
qui hôji hei de arrecebê!
Nega foi e não em vão
e dos dedos fez varal,
para carta que então
nem entrou no embornal.
E subindo a ladeira
seca o rosto com o braço,
o suor cobre-a inteira,
não há sol, mas há mormaço.
Seu Bigode, do balcão,
grita com preocupação
- Vem dipressa, véia “lesa”,
chega lógu, perta u pássu,
pois é hôji, numa mesa,
qui em água mi disfaço.
Nega velha ali voltando,
ri e abana o envelope
e, de longe, palpitando:
- Teje carmo, sô Bigodi!
Põe-se o homem em carreira,
toma-lhe a carta das mãos.
À coitada, na canseira,
nem um gesto de atenção...
E na folha bem branquinha,
vê -se grande um coração,
desenhado sobre as linhas,
com a ponta de um batom.
- Ôia aqui, ó Vardemá,
qui lindeza de missiva!
Põe o povo a comichá
feitu chanha di urtiga.
E o Valdemar sem jeito
cisma um ar de confusão:
- Num veju nada dereitu
us iscritu dôndi istão?
-I ocê num sábi lê?
- Veju só rubro borrão...
-E quiria vê u quê?
Eva num sabe escrevê!