As desventuras de Chicó e João Grilo

Desde pequeno o menino

João Grilo se ocupava

Fazendo de tudo um pouco

Em qualquer coisa trabalhava

Conseguindo algum trocado

Ia vivendo o coitado

A fome ele enganava

Não tinha nem pai nem mãe

Era sozinho na vida

Um dia aqui, outro ali

Buscava a melhor saída

Era mais um retirante

Fugindo sempre diante

De terras seca e sofrida

Mas pouco a pouco o menino

Ia se adaptando

Para viver melhor

Estórias ia inventando

Usando de esperteza

Já tinha com mais certeza

Um lugar pra ir morando

Conheceu então Chicó

Tornando-se seu amigo

Este vinha de viagem

Buscava ali um abrigo

Um lugar pra trabalhar

Pra poder se sustentar

Deixando de ser mendigo

Um emprego encontraram

Com o dono da padaria

Um salário miserável

Para quase nada daria

É certo que ao menos pão

Numa ou outra ocasião

Mesmo duro ele teria

Chicó era um amarelo

Safado e namorador

E se encantou um certo dia

Com a mulher do seu senhor

Êta que mulher chifreira

Vestia-se como freira

Mas tinha fogo abrasador

João Grilo e chicó viviam

Com o diabo gostava

Querendo ser os espertos

Todo o povo enganava

Não respeitavam ninguém

O padre e o bispo também

Esses dois sempre enrolava

Um dia se deram bem

Usando de ousadia

Enganaram Vicentão

Que todo o povo temia

O valentão da cidade

Que mesmo com pouca idade

Arrotava valentia

O caso foi o seguinte

Preste muita atenção

Com bastante sutileza

E usando de educação

Com um plano engenhoso

Sendo muito cuidadoso

Enganaram o valentão

Para conquista Rosinha

Moça bonita da cidade

Filha de Antonio Gomes

Coronel cheio de maldade

Organizaram um trielo

Chicó quem ligava o elo

O valentão e autoridade

O cabo noventa e um

Cheio de boa intenção

Para conquistar a moça

Mandou por João um cordão

Vicentão mandou pulseira

Homens de formas grosseiras

E com amor no coração

João Grilo com artimanhas

Organizou num instante

Em frente a catedral

Aquele encontro marcante

Um froxo e dois valentes

Num duelo diferente

Com Rosinha adiante

Na hora marcada então

Em frente a catedral

Toda gente da cidade

Esperava afinal

O desfecho da estória

Quem então teria a gloria

De valentão do local

Chicó se posicionou

No meio dos valentão

E começou a contagem

Sem ter revolver na mão

Os valentões se olharam

Depois se acovardaram

Na hora da decisão

Correram sem olhar pra trás

Cada um foi para um lado

Chicó foi o vencedor

Pelo povo aclamado

Espalhou-se então a fama

De ter jogado na lama

O nome dos dois coitados

Daí em diante então

Toda a cidade falava

Da coragem de Chicó

Que os valentões expulsava

E seu amigo João

Que lhe daria ocasião

Pra vencer quem o humilhava

A pobre menina rica

Escolher não poderia

O seu amado Chicó

Que seu marido seria

Pois seu pai coronel

Ganancioso e cruel

Já mais o aceitaria

O João Grilo fez um plano

Com toda boa intenção

Pra unir a pobre rica

E o rico pobretão

Fez de Chicó fazendeiro

E este sem ter dinheiro

Foi em busca da mansão

Chegaram então na mansão

Do coronel fazendeiro

Para acertar o casório

De Rosinha e do herdeiro

Chicó o falso ricão

Doutor sem anel na mão

Bolso liso sem dinheiro

O coronel interesseiro

Já aceitava o casamento

Foi quando chegou o padre

Começando o sofrimento

Pois conhecia Chicó

Que era pobre de dar dó

Um sujeito sem remendo

João Grilo com esperteza

Foi falando da herança

Que Chicó tinha ganhado

De sua tia Esperança

Uma mulher que viajava

Que viúva a muito estava

Do dono do Banco Aliança

João Grilo também falou

Da igreja reformada

Pra o grande casamento

Teria de ser restaurada

O padre já foi gostando

Um sorriso escancarando

A estória era mudada

Porem, pensou o coronel

Temendo enganado

O Chicó sendo o noivo

Cuidara do seu noivado

Organize o casamento

Pague do bolso o evento

Que eu aceito de bom grado

João Grilo e Chicó pediram

O dinheiro emprestado

Pois sabiam que não tinham

Como fazer o combinado

Pensando em organizar

Outro plano para escapar

Pois não tinha um cruzado

O coronel já cismado

Resolveu lhes emprestar

Mas deixou uma condição

Para o empréstimo aceitar

Uma lasca de couro tirarei

Na data que eu marcarei

Se o meu dinheiro não pagar

Chegava então o dia

Da grande ocasião

Do casamento esperado

Um plano tinha João

Para os noivos fugir

Se ele não conseguir

O dinheiro da obrigação

Mas a cidade então

Foi neste dia invadida

Por lampião e seu bando

Atrapalhando a partida

O bando de lampião

Pegou Chicó e João

Era o fim de sua vida

João Grilo como sempre

Um sujeito inteligente

Falou de uma gaita mágica

Que fazia toda gente

Que morreu ressuscitar

Depois de se encontrar

Com o Deus onipotente

Para provar o seu dito

Furou Chicó falsamente

Este caiu sangrando

Se mostrando convincente

Graças a uma bexiga

Que tinha junto a barriga

Pro plano que tinha em mente

Lampião acreditou

Que a gaita era sagrada

E pediu a um cangaceiro

Que lhe desce uma facada

Pois ele achava que iria

Pro céu ver santa Luzia

E ter a vista restaurada

Quando o cangaceiro viu

Que a gaita não funcionava

Mesmo ele tendo tocado

E Lampião não voltava

Vendo a volante chegando

Foi logo atirando

Pra vê quem acertava

Acertou logo João Grilo

Que caiu de vez no chão

Quando Chicó viu aquilo

Deu uma de valentão

Atirou no cangaceiro

Com um balaço certeiro

Da arma de Lampião

Todos então chega enfim

Para o juízo final

Com excesso de Chicó

Que se livrou do mal

Chega então no lugar

O cão tinhoso que estar

Com sua fúria infernal

Êta que a freguesia

Hoje é das melhor

O inferno fica cheio

Pois aqui sou o maior

Se o outro ta sumido

Esse povo atrevido

Vai ter o destino pior

Salva-me ó Deus do céu

Da terra és criador

Livrai-me deste demônio

Infiel contestador

Que busca arrebanhar

Pro inferno encaminhar

Esse seu adorador

Agora virou poeta

O amarelo encardido

Buscando ajuda do homem

Dando uma de sabido

Se passando de bondoso

Eta que bicho tinhoso

Mas se vê que ta perdido

Perdido esta você

Que busca em vão me levar

Pra aquele lugar sombrio

Que você devia estar

Já deixe de assombração

Siga sua direção

O inferno é seu lugar

Cale a boca seu João Grilo

Que eu já to sem paciência

Fica ai me provocando

Com a sua impertinência

Acabou o converser

Vamos agora descer

Para a minha residência

Nem morto eu desço lá

Com você anjo caído

Pro céu Deus vai me levar

Num to sendo convencido

Só to sendo confiante

Num Deus que segue adiante

Salvando o homem perdido

Morto você já esta

Não se faça de lesado

Nem perturbe o grande Deus

Que sempre tá ocupado

Vamos comigo agora

Deixe de tanta demora

Seu destino está traçado

Pare com isso agora

Deixe de me perturbar

Já disse que não vou

Nem se tu me arrastar

Pro inferno vai-te retro

Eu não sou homem correto

Mas no céu eu vou morar

Acabou a discussão

Silencio no tribunal

Boto ordem no recinto

Pois eu sou o maioral

Preste muita atenção

Ou eu tomo a decisão

Ou já vira bacanal

Com licença meu Senhor

Deixe agora eu lhe falar

Conheço todo esse povo

Posso te apresentar

Isso tudo é boa gente

Morrendo tudo inocente

Vem parar nesse lugar

Seu João Grilo eu já sei

Sua boa intenção

Mas se esquece que eu sei

Quem aqui é bom ou não

Pois deixe de argumentar

Fique aí no seu lugar

Que eu tomo a decisão

Senhor tome cuidado

Que esse amarelo é tinhoso

Não caia na sua conversa

Que João Grilo é engenhoso

Preste muita a atenção

Nesta sua decisão

Ou ele vai te botar no bolso

Eu sou o Deus poderoso

Dono do céu e mar

Da terra e das estrelas

Também do fogo e do ar

Não são bons e nem ruim

Ficaram melhor assim

O purgatório é o seu lugar

Já que o amarelo conseguiu

Ser hábil e sorrateiro

Livrando assim do inferno

Todos os seus parceiros

Vou apelar somente

Pra o Senhor não ser clemente

Com João e os cangaceiros

João Grilo eu vou dizer

Agora ta complicado

O purgatório tá cheio

Não cabe ninguém tá lotado

Seja mais eficiente

Com argumento convincente

Se não será derrotado

Mas tudo tem solução

Se o Senhor permitir

Peço ajuda dos santos

Pra poder me assistir

Compadecida e Luzia

Livra-me dessa agonia

Pra poder me redimir

Senhor seja bondoso

Com esses pobres cangaceiros

Que não tiveram escolha

Desde cedo sem dinheiro

Trabalhando desde a infância

Tratados com ignorância

Pelos ricos fazendeiros

Não tinham o que comer

Nem tampouco educação

Sofrendo feito animais

Por este imenso sertão

Foram sozinhos na vida

Vivendo sua triste lida

Dê-lhes agora o perdão

Ao menos este amarelo

João Grilo eu vou levar

O inferno esta vazio

Garanto ele vai gostar

Esta tudo decidido

Esse amarelo metido

Vai no inferno morar

Dê outra chance Senhor

Livre ele do sofrimento

Ajudou todo esse povo

Na hora do seu lamento

Deixe-o pra terra voltar

Ele se arrependera

E vai pro céu noutro momento

Foi dessa forma esperta

Que se livrou o João

Do inferno e do diabo

Com a sua opressão

Voltando pra terra contente

Alegre e sorridente

Pra Chicó o seu irmão

E foram então falar

Com o bravo coronel

Chicó, Rosinha e João

O seu amigo fiel

Pra falar do casamento

E pagar o juramento

Que reza o contrato cruel

A linda e esperta Rosinha

Usando muita destreza

Leu o contrato na mão

Linha a linha com certeza

Lasca de couro pode tirar

Mas pro sangue não derramar

Use de toda a firmeza

O coronel percebendo

Que havia sido enganado

Expulsou a sua filha

Com seu marido safado

Foram embora com João

Seguindo sua direção

O coronel foi abandonado

Essa é mais uma estória

Das muitas que o povo conta

De João Grilo e Chicó

E das coisas que eles apronta

De sua grande esperteza

Vivendo de incerteza

No sertão de ponta-a-ponta.

Fabio Alves Valentim 23/11/05

Valentim
Enviado por Valentim em 08/10/2008
Reeditado em 08/10/2008
Código do texto: T1217982
Classificação de conteúdo: seguro
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