MINGA ZÓIO DE PRATA

MINGA, ZÓIO DE PRATA

(Do Livro ESTÓRIAS DA CASA

VELHA DA PONTE,

de CORA CORALINA)

Lendo e relendo a Cora

Coralina, seu doutor,

Não pude deixar de ver

Que sua obra – um primor,

Merecia uma homenagem.

Com minha pouca bagagem,

Dou-lhe esta, de penhor.

E “Minga, Zóio de Prata”,

Um conto fenomenal,

Do livro acima descrito,

Que é mesmo um cabedal

De sabença dessa Cora,

Será descrito agora,

Em rima, até o final.

...

Eram as donas do beco,

De Calabrote chamado.

E quem por ali passasse

Tivesse muito cuidado!

Transitasse de mansinho...

Calado, quieto, bonzinho...

Pra não ter mau resultado.

Não bancasse o engraçado

Bancando cara de pouco.

E quem fosse de entrar,

Não se fizesse de louco:

Que a porta fosse empurrada

Já com a mão estirada

Com a grana, sem pedir troco.

Dinheiro à mão. Pouca fala.

Pra não provocar zumzum.

Confusão com mulher-dama

Não dá, de jeito nenhum!

Ali, a tranqüilidade

Reinava. Pois, na verdade,

Era interesse comum.

A mulher-dama dali

Tinha a consideração

Da Polícia e das famílias

De toda a região

Pois agia com decência

Usando a inteligência

Para evitar confusão.

A Polícia costumava,

De tantas outras, usar

A mão-de-obra gratuita,

Pondo-as para capinar

Defronte à Delegacia.

Com elas não acontecia.

Parecia as respeitar.

As famílias de respeito,

A toda hora do dia,

Podiam ali passar

Sem receio ou arrelia

Pois nada iriam ver

Que as fizesse entender,

De mulher-dama, ousadia.

Porém, o macho atrevido

Que tentasse ultrapassar

Regras impostas por elas,

Bem caro iriam pagar!

Tratavam-no com dureza

Mostrando-lhes, com certeza,

Que as deviam respeitar.

Donas e autoridades

No beco. O beco era delas.

Se se fizessem de besta

Iriam ter-se com elas.

O prestígio garantido

Já tinham adquirido

Das diversas clientelas.

Zóio de Prata e Dondoca,

“As Cômodas” do lugar,

Moravam na mesma casa

Com portas de par em par

Abertas, como as janelas,

Dando a entender que por elas

Qualquer um podia entrar.

Porém só Zóio de Prata

Recebia qualquer um

Que a procurasse. A dondoca

Tinha lá o seu lundum:

Gostava de um homem só,

Tinha lá o seu xodó.

Não queria mais nenhum.

“As Cômodas” era apelido

Que lhes fora ofertado

Pelos machos que, em rodinha,

Tal nome haviam criado.

Foi na roda da macheza

Que surgiu, pois, com certeza,

O nome. E foi batizado.

A Minga era durona

Não se deixava enganar.

Tretou com ela, pagou.

Nem tentasse se esquivar

Esquecendo a taxa devida

Pois, braba e atrevida,

Fazia o cabra pagar.

Um que tentou a rasteira

Não foi muito longe, não!

Ela o alcançou já fora

Do beco e, num supetão,

Tirou-lhe a calça. E o cabra,

Numa situação braba,

Viu-se tão só de calção.

Os olhos: um, um bugalho

Branco, saltado pra fora.

O outro, vesgo. O cão!

Parecia uma caipora.

Mulata, o cabelo ruim,

Sarará mesmo. Um cupim.

Feia, que... Nossa Senhora!

Uma mulata encorpada,

Peito peludo de macho;

Bacia estreita, de pêra,

Com peito duro. O diacho!

Braços fortes, musculosos,

Que “satisfaz” os “fogosos”

E “resolve o cambalacho”.

Mãos grandes. E serve bem

A quem ela quer servir.

Mas, tratemos da história!

Cuidemos de prosseguir

Contando o melhor possível

As coisas que impossível

Parecem ser, sem mentir.

Um dia voltava Minga

Do mercado, tendo, à mão,

Um frango, e dá com a irmã,

Que vem, sem consolação,

Chorando, o rosto inchado,

Machucado e amassado,

Tendo no beiço um lascão.

Tinha apanhado dum cabra

À-toa: o Izé da Bina!

Entrou na peia do amigo,

Que ruindade tem por sina

Como um “pingado ordinário”,

Sem moral, um salafrário,

Um “bebum véio” de esquina.

Dei’stá! – disse Minga Zóio

De Prata – pode deixá

Por minha conta, que eu

Desse assunto vou dá

Conta. Tu num te avexa

Que o cabra vai ver a mecha

Adonde é que vai entrar!

- Óia, tu vai depená,

Lá na casa da vizinha,

Esse franguinho pra nóis.

E eu te digo, maninha:

Tu num precisa vim cá

Só vem quando eu te chamá.

Dele, eu cuido sozinha.

E assim fez a Dondoca

Do jeito que ela mandou.

Logo que ela saiu,

Izé da Bina chegou

Todo mandante, gritando,

Já foi no quarto adentrando

Mas Dondoca não achou.

Todo no paletó preto,

Gravata de borboleta,

Sapato, calça engomada,

Pronto pra nova faceta.

E aí Zóio apareceu!

Izé da Bina entendeu

Que a coisa tava preta.

Zóio de Prata partiu

Já de manga arregaçada

Com um porrete na mão,

Com uma raiva danada,

E, ao mulato alinhado,

Perfumado e engomado,

Comeu foi na porretada.

Bateu com toda a sustância

E com que o fôlego deu.

Na porretada, com gosto,

As carnes dele moeu.

No fim, pôs fora o cacete

E, no corpo a corpo, um joguete,

Do cabra, fez. E mais deu.

Deu com o crioulo no chão,

Sentou em cima, esmurrou

À vontade. Suas ventas

E uns dois dentes quebrou,

Entrou no olho... com ira!

Uma raiva q’eu jamais vira!

E batendo ainda, xingou.

Disse nomes cabeludos

Que até escandilizou

O Antônio Meiaquarta,

Um rueiro, que falou:

“Eu sei dois conto e quinheto

De nome...” Mai, no momento,

Zói de Prata me passou.

Ela sabe uns cinco conto

De palavrões indecente...

Bateu ne mim... apanhei

Dela, e tô consciente

Tô descarado... tem mas:

Êta que muié sagais,

Praceada... inteligente!

E depois de ver o cabra

Mole, estirado no chão,

Zóio de Prata assunga a saia,

Fazendo um móio e, então,

Com uma risada ferina,

Abre as pernas, mija o Bina,

Mostrando satisfação.

Dondoca fora vingada

E satisfeita a paixão,

Consolidando a fama

Das Cômodas na região.

Zóio de Prata, no comando

Continuava. Até quando,

Não sei. E pra ela mando

O meu aperto de mão.

Rosa Regis

Natal/RN - 2008

Rosa Regis
Enviado por Rosa Regis em 21/09/2008
Código do texto: T1189936
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