Cordéis de Luar do Conselheiro
ABC da Boca do Rio
A obra: Nesta obra o autor retrata a comunidade onde cresceu, onde fez amigos e construiu histórias. Num passeio literário em sua comunidade conhecemos os personagens, as personalidades, a história e as lutas.
Vou falar da minha aldeia
Para ser universal
Falar da comunidade
Que é reduto cultural
Peço a vossa atenção
Vou falar de coração
De onde sou natural
Esta tal comunidade
Chamada Boca do Rio
Litoral de Salvador
Na Bahia, no Brasil.
Fez-se palco da história
Da cultura e da memória
E os artistas reuniu
Tem a Praia dos Artistas
Reduto da Tropicália
Aloísio, Del, Verinha,
Com as cabanas de palha
Tartarugas e golfinhos
Já fizeram dali ninho
Hoje estão matando a praia
Quem já não ouviu falar
Lá do bar do Pimentinha
Na segunda-feira abre
Faça chuva ou ventania
Cabra que é bom bebedor
Bebe pinga ou licor
Sem jamais perder a linha
A nossa comunidade
Tem tradição em barzinho
Bar de Roque, dos Coroas
E o nosso bar de Santinho
Nestes bares a cultura
Cerveja e literatura
Andam no mesmo caminho
Poucos sabem da história
Do Alto do São Francisco
Pois lá era cemitério
Dos povos mais primitivos
A nação Tupinambá
Escolheu este lugar
Pra abrigar seus entes idos
E o nosso Rio das Pedras
Dá tristeza de contar
Onde abundava antes
O peixe Tamboatá
Que nas secas das lagoas
Andava horas boas
Pra este rio encontrar
Lá na beira deste rio
Onde se pega guaiamum
Há um bom tempo atrás
Também se pegava pitu
Mas é grande a malvadeza
Hoje choro com tristeza
A morte do Pituaçu
As restingas que havia
Na nossa Boca do Rio
Tinha Cabeça de Frade
Gavião sempre existiu
Fruta de mandacaru
Alimento de anú
O Passarim de lá sumiu
O Parque do Pituaçu
Não está delimitado
Por isso que dia e noite
Vem sendo assassinado
A CONDER é a culpada
Salvador tá condenada
Seu pulmão será roubado
Vem agora a EMBASA
E o governo do Estado
Com um tal de Emissário
Pro problema ser sanado
Esgoto sem tratamento
Espalhado num lamento
Em nossa Praia do Corsário
Apesar desta grandeza
De luta e de cultura
Nosso canto sofre ainda
Resquícios de ditadura
Os pescadores da Colônia
Sem vergonha ou cerimônia
Jogados á sorte dura
Até de um Terno de Reis
A comunidade goza
Com o Mestre Zé Gaguinho
Grupo Semente da Roça
Ladainha e Cantoria
Farreando noite e dia
Que é disso que o povo gosta!
Se falar religião
Boca do Rio é singular
A AMORC Rosa-cruz
No Georgina é popular
Igreja de São Francisco
Mórmon e Espiritismo
Só falta Cristo Voltar
Terreiros de Candomblé
Todos sabem onde fica
Zen Budismo, Maranata,
Umbanda, Cabala e Wicca.
Na nossa comuna irmã
Só não tem o Taliban
Por que Alah não deu a dica
Selma do Acarajé
Frente ao seu tabuleiro
Nós temos a Quinta do Samba
Na Baixa do Cajueiro
Berimbau de Caboré
Aloísio andando a pé
Babalu velho guerreiro
Tem também um caso sério
Mistério de nossa praia
Dizem que é um buraco
Que puxa quem se distraia
Quem nadar ali por cima
Garanto não faz mais rima
Vai morrer na Aratubaia
Poucos já puderam ver
As indígenas canoas
Nossa história primitiva
Tá apodrecendo à toa
Se for passear no parque
De Pituaçu de tarde
Conhecer é uma boa
Tem a puxada de rede
Quase todas as manhãs
E agora tem a feira
Para nossas artesãs
Artesanato nota mil
Só aqui na Boca do Rio
É renda pras tecelãs
Temos o Forró Lelê
Que é grupo de quadrilha
Tem fanfarra no IMEJA
Tem grupo de poesia
Biblioteca Prometeu
Com poeta amigo meu
E encontro de cantoria
Nós temos entalhadores
Escultores, artesãos
Toda arte é família
Nela são todos irmão
Seja barro ou areia
Seja tela ou madeira
Criam arte com as mãos
Estão sufocando a feira
Tradição desta comuna
Já mudaram de lugar
Varias vezes, não só uma
Quero ver quem vai brigar
Pois eu sei não vai tardar
Pra que nossa feira suma
Nós temos a Casa Koolping
Muito mais do que escola
A paróquia tem certeza
Que cultura não é esmola
Tem aula de violão
Idioma, digitação
e capoeira Angola
O Mestre Boca do Rio
Angoleiro de valor
A Capoeira Brasil
Regional pra entendedor
Tem Capoeira Palmares
Capoeira qualidade
Alunos de Mestre Nô
O Colégio Montessoriano
Agora já tem Faculdade
Essa é mais uma conquista
Da nossa comunidade
Só falta o ensino superior
Ser gratuito de verdade
Não podia esquecer
De falar de quem vos fala
Cresci na Boca do Rio
Onde Quem cresce não cala
Vou tentar falar de mim
Sem começo meio ou fim
Sempre evitando pala
Cordelista e Cantador
Poeta e Cangaceiro
Comunista e Trovador
Por opção Catingueiro
Eu sou a mosca na sopa
Quero ver quem cala a boca
Do Luar do Conselheiro
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O Sebastianismo no Sertão
A obra: Nesta obra o autor retrata um assunto polêmico, pedra fundamental das revoltas no nordeste O Sebastianismo. Depois de anos de pesquisa e muita dificuldade, por conta de ser uma ordem mística e secreta, Luar trás à tona sob forma de cordel um pouco desta tradição que deu fama a estes sertões.
Vou contar sobre uma ordem,
Secreta e misteriosa
Nascida em Portugal,
Que chegou a terra nossa
Espalhou-se por todo o mundo
e resgatou lá do fundo
A esperança milagrosa.
É aquela velha história,
Do retorno do Salvador
Vindo num cavalo branco,
Com papel de Redentor
Tirando o povo da desgraça,
Da pobreza e da pirraça
Do prefeito e do Doutor.
Certo rei de Portugal,
Por nome Dom Sebastião
Era jovem, destemido,
Guerreiro e bom cristão
Brigador e bom nas armas,
Organizando cruzadas
Lutava com o coração.
A bandeira Lusitana
Tremulava em todo canto
O império já cobria,
Quase todo o mediterrâneo
Mas pra Dom Sebastião,
Era quase obsessão
Cobrir a África com seu manto.
Por muitas brigas internas,
lá dos sultões Marroquinos
Foi chamado o nosso rei,
para apaziguar os meninos
Armou uma expedição,
20 mil soldados na mão,
E pôs-se logo a caminho.
Mas é claro que o sultão,
Inimigo Lusitano
Teve ódio e revolta
Contra o rei soberano
Organizou seus soldados,
o destino era selado
Pelos povos muçulmanos.
Vinte mil Lusitanos,
Contra cem mil fortes mouros,
Estava claro de quem
Seria arrancado o couro,
Lá em Alcácer-Kebir,
Viria o nosso rei sucumbir
Como na arena, um touro.
Mas o mistério cobre o cerco,
Do povo de Allah
O rei Dom Sebastião
Desapareceu por lá
Não se encontrou o corpo,
Dele vivo ou dele morto
Tava o mistério no ar.
No reino de Portugal,
choravam senhores e senhoras
O reinado sem herdeiros
ia para mãos espanholas
Pra consolo da dinastia,
Só mesmo a profecia
Do retorno é que consola.
E é desta profecia,
Que vou lhes falar agora
Que mudou completamente
o rumo de nossa história
Briga de rei e sultão,
Inspirou nosso sertão
à insurreição e glória.
A profecia do retorno,
do rei Dom Sebastião
Virou mito, crença e credo.
E quase religião
Ideal nacionalista,
Transformou-se em comunista
Quando chegou ao sertão.
O sertanejo acostumado,
À injustiça e pobreza
Esperava o retorno
De um líder com grandeza
Pois pra um povo sofrer tanto,
Deve haver em algum canto
Alguém que os proteja.
Logo os sebastianistas
Chegaram ao nosso nordeste
Encontraram sofrimento,
Fé, fome, e peste.
Descobriram nos sertões
Povos, populações
Esperando quem viesse.
Mostraram a esse povo
o que a Bíblia falava
Não tem jeito, estava escrito.
Tava errado quem roubava.
Como na Maçonaria,
Injetava ideologia
Quando de Cristo falava.
Logo, logo o sentimento.
De revolta com razão
Fez-se bandeira de luta
O rei Dom Sebastião
Que sumiu numa peleja,
Defendendo a Santa Igreja
E o mandamento cristão.
De Deus a revolucionário,
Jesus Cristo passou
O rei Dom Sebastião
Tornava-se o redentor,
Só faltava o povo agora,
Se inflamar de fé e glória
E guerrear com o malfeitor.
A primeira insurreição
Deu-se lá em Pernambuco
Silvestre José dos Santos,
Que diziam ser maluco
Na Serra do Rodeador
Esperava o Redentor
E fez guerra contra o Impuro.
Este fato aconteceu
Em mil oitocentos e dezessete
Quando muita gente foi
Ajudar Mestre Silvestre
Todos de arma na mão,
Fazendo revolução
Contra o opressor do agreste.
No Nordeste o opressor
Sempre esteve no poder,
Por isso era difícil,
Lutar pra sobreviver,
Quem criar comunidade,
Com justiça e igualdade,
Se prepare pra morrer.
A segunda insurreição,
Foi no sertão do Pajeú
Entre o sertão da Paraíba
E a terra do Maracatu
Em mil oitocentos e trinta e cinco,
O soberano era bem vindo
Em terras de Céu Azul.
O Beato João Antônio,
Líder desta comunidade,
Viu as pedras encantadas,
Lá pertinho da cidade
Conclamou o povo todo
Para correr num sufoco.
Pra morar na eternidade.
O desespero desta gente,
Que vive à própria sorte
Fez ouvir a voz do mestre
Que dizia firme e forte:
Vem morar na imensidão,
Com o rei Dom Sebastião
Vamos se entregar à morte.
O suicídio coletivo
Que aconteceu por lá
Foi a mais cruel imagem,
Da injustiça do lugar
Pois lá no alto sertão
Verdadeira insurreição
Foi morrer pra não matar.
A terceira insurreição,
Foi valente e mais famosa,
É cantada e declamada,
Em verso, canção e prosa,
Foi no sertão da Bahia,
Onde guerra e poesia
Fizeram-se bala e trova.
Falo da guerra de Canudos,
O reduto Monarquista,
Tinha Crente, rezador,
Xamã e sebastianista
Bom Antônio Conselheiro,
Cearense, catingueiro
Pregava guerra na missa.
Foram quatro as batalhas,
Que houve na Terra Santa
O exército brasileiro,
Não poupou velho ou criança,
Lutando com fé em Cristo,
Pelo pasto coletivo,
Tendo Antonio como esperança.
Guerra má, sem precedentes,
Neste meu sertão amado
Foi a guerra de Canudos,
Dos guerreiros encourados,
No final sem esperança,
Um velho, dois adulto e uma criança.
Contra cinco mil soldados.
Observem a resistência,
De todas as formas de luta,
Logo, logo, são esmagadas,
De forma absoluta
Aqui eu me contradigo,
Pois ainda resta um grito,
E permanece na labuta.
Todas as insurreições,
Que houve no Nordeste,
Políticas ou messiânicas,
Com comandante ou com mestre
Todas elas ocorreram
Por que os povos careceram,
Do que ainda carecem.
Povo oprimido é pólvora,
Com fome é dinamite,
Nem o preto, nem o branco,
Nem o caboclo resiste
Pois na hora da verdade,
João Diabo vira Abade,
E corre mesmo é pro rifle.
A história do retorno
Do rei Dom Sebastião,
Ainda corre calada
No meio deste sertão,
Num cochicho, numa prosa,
Os cabra valente da roça
Tramando revolução.
E se um dia ao acaso,
Pegares a Bíblia pra ler,
Vai ver que todos têm,
O mesmo direito de viver,
Peço-lhe tome cuidado,
O governo tá no encalço
De quem a Cristo obedecer.
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A saga da pedra do Bendegó
A obra: A pedra do Bendegó, ferida latente no povo catingueiro, o maior meteorito encontrado no Brasil, roubado pelo Império e levado ao museu Nacional no Rio de Janeiro é o tema deste cordel de protesto.
Que traduz a insatisfação popular e o descaso das autoridades brasileiras em preservar nosso patrimônio.
Todos conhecem a Caaba,
A pedra dos muçulmanos
Fica no templo de Meca,
Protegida dos profanos
A pedra que veio do céu,
É a crença dos puritanos
Agora vocês imaginem,
Como este povo é valente
Se roubassem a pedra santa,
A guerra seria iminente
Preparavam munição
Para lutar ferozmente
Outra pedra incandescente
Oriunda do espaço
Foi a que guiou a rota
De Cristo, aos três Reis Magos.
Os meteoros fazem parte
De objetivos sagrados
Igualmente ocorreu
No meu sertão da Bahia
A pedra caiu do céu,
Trazendo a profecia
Da vinda do Conselheiro
Que a todos libertaria
Em mil setecentos
e oitenta e quatro
No riacho Bendegó,
Numa fazenda de gado
Bernadino da Motta Botelho,
Descobriu o rochedo sagrado
O povo todo fez festa
Por conta da pedra santa
Pois ela veio do céu
Pra trazer esperança
Além do profeta da gente
Riqueza e temperança
É claro que estava certo
O que pensava o povo
Logo, logo haveria,
Pessoas do mundo todo
Injetando muito dinheiro
Pra quem vive de tão pouco
Ledo engano, sonho ingênuo,
A esperança do povão
Mas é claro que a riqueza
Não seria do sertão
Pois era o maior meteorito
Que o Brasil tinha na mão
Pesando cinco mil
Trezentos e sessenta quilos
A pedra já atraia
Pessoas de vários estilos
Pensadores, penitentes,
E Caçadores de mitos
O governo como sempre
Pensando no estrangeiro
Decidiu levar a pedra
Para o Rio de Janeiro
Melhor ir à capital
Que na terra do Conselheiro
Em mil setecentos
E oitenta e cinco
Foi a primeira tentativa
De profanar nosso recinto
A magia ia reinar
Contra nossos inimigos
O governador geral da Bahia
Com usura indisfarçada
Ordenou esta tentativa
Pensando ser ouro e prata
Doze juntas de boi,
Buscar a pedra sagrada
E pela primeira vez,
Fazendo a vontade divina
A pedra do Bendegó,
Escolheu sua própria sina
Há cento e oitenta metros,
Caiu ao virar a esquina
A pedra caiu às margens
Do riacho Bendegó,
Estava claro era um sinal
De Deus na terra do sol
Ficaria cento e dois anos
Sem mover-se a um metro só
Depois de tanto tempo
De fé e procissão
A pedra do Bendegó
Sofreu nova traição
Pois Dom Pedro Segundo
Mandou nova expedição
Chefiada pelo tenente
José Carlos de Carvalho
O que ele não sabia
Teria muito trabalho
A pedra queria ficar
Em terra seca e cascalho
A carreta teve o eixo
Quatro vezes partido
Foram 108 kilômetros
De puro sacrifício
O governo não entendia
Deus tentava impedi-lo
A pedra dos Conselheiristas
Caiu três vezes no chão
O inimigo não deu importância
Caiu mais três vezes então
Só ai são sete quedas
De pedra no Riachão
Cada vez que ela caia,
Mostrando que queria ficar
Era a maior dificuldade
Pra voltar a carregar
Pois a nossa pedra sagrada
Tinha o peso pra dificultar
Mas os homens de má fé
Estavam resolutos
Levariam a pedra santa
De uma vez a qualquer custo
O dinheiro fala mais alto
Neste meu Brasil injusto
Prolongada a estrada
De ferro do São Francisco
Facilitava o trabalho
Maldito do inimigo
A pedra ia pro Rio
Pra evitar mais sacrifício
O trem levou ao porto
A nossa pedra bonita
De navio a pedra foi
À quinta da Boa Vista
Foi à mão dos cientistas
Numa atitude egoísta
Assim que a pedra chegou
As mãos que não crêem em mitos
Cortaram logo um pedaço
De uns bons sessenta quilos
Se achares que exagero
Vejam o meteorito
Pegaram o pedaço
Que eles cortaram primeiro
Em quatorze partes iguais
Re-dividiram ligeiro
Só pra doar à quatorze
Museus pelo mundo inteiro
A pedra do Bendegó
A pedra da profecia
Está no Rio de Janeiro
Exposto pra burguesia
Facilitando pro estrangeiro
Que tanto a pedra queria
O povo do meu sertão,
Da região Conselheirista
Frustrado com o roubo
Debaixo de suas vistas
Clamariam por respeito,
Contra essa ação imperialista
A pedra constituída
De Ferro, Níquel e encanto.
Até o dia de hoje
Provoca tristeza e encanto
Queremos nossa pedra de volta
De volta pro nosso canto
Advirto ao senhor Presidente
Devolva nossa Tradição
A pedra do Bendegó
Faz parte da religião
O Povo do Conselheiro
Reclama seu coração!
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Peleja do boi valente com o menino aboiador
A obra: Este cordel é baseado na história do nome da cidade, terra do sisal, Valente, Sertão da Bahia. Conta a peleja de um bicho encantado que existiu de verdade e pouca gente sabe. Um exemplo de quantas histórias bonitas nosso sertão encerra e que não chegam ao conhecimento do povo do resto do Brasil.
Vou contar-lhes uma história
Que aconteceu no sertão
Não é mito, fantasia.
Aconteceu neste torrão
Onde verso e cantoria
Tem a mesma tradução
Pois lá neste torrão
Pouco pra lá de Serrinha
Criava-se muito Gado
Porco, cavalo e galinha.
Mais era o Aboiador
O tradutor desta terrinha
Mas num dia de encanto
Naquelas terras de Deus
Vaqueiros ficaram atentos
A um belo boi que apareceu
Tava selado e era fatal
O que a este boi sucedeu
O Bicho foi fazendo fama
Porque era bravo, indolente.
Era um bicho selvagem
Arredio e sorridente
Vaqueiros e aboiadores
O chamavam Boi Valente
O Bicho não respeitava
Aboio ou tangerino
Se machucava na cerca
Lutando, Brigando e fugindo.
Os fazendeiros logo vendiam
Aquele animal ferino
Cada criador que ousava
Comprar aquele animal
Só tinha dor de cabeça
Prejuízo capital
Prá vender tinha que levar
Era um perigo total
E foi numa destas vendas
Que tocando a boiada
A peleja aconteceu
Nestas terras encantadas
Boi Valente e Menino Aboiador
Brigaram pelas quebradas
Boi Valente desgarrou
Da boiada em disciplina
Pelo meio da Caatinga
Escolhendo sua sina
Nem o Chamado do berrante
Fez o boi parar em cima
Mas é claro, o comprador,
Não sabia o resultado
Não sabia da peleja
Que rolava lá no mato
Problema do tangerino
Já viu menino tanger gado!
Os vaqueiros encourados
Correram pra derrubá-lo
Mas Boi Valente dava nó
Em quem tentava pegá-lo
Logo logo os vaqueiros
Ao menino se juntaram
Os cabra correu pra cima
Pra pegar o boi fujão
O bicho brigou na ponta
Derrubou vaqueiro no chão
E Chamou os cabra pra guerra
Que ele faria no sertão
Os vaqueiros fizeram plano
Prá pegar o Boi Valente
Cercariam o animal
Nos lajedos reluzente
Amansariam o boi brigador
Pra levá-lo ao cliente
Foram horas de picula
De peleja nas quebrada
Boi Valente dando olé
Em quem seu rastro pisava
Era a própria liberdade
E a poeira levantava
Só que o plano arquitetado
Pelo vaqueiro experiente
Funcionou depois de horas
De peleja no sol quente
Os vaqueiro pegador
Cercaram o Boi Valente
O Animal ficou nervoso
Com a nova situação
Tentou brigar na ponta
Viu que ali não dava não
Viu que atrás era um buraco
E em volta os cabra do sertão
Todos conheciam o poço
De pedra no mei do mato
Um buraco mei profundo
Com os lajedo pareado
Boi valente tava perto
De ser pego e amarrado
Mas, porém aconteceu
O que ninguém esperava
O Menino Aboiador
Bem à frente estava
Pegou o berrante encantado
E a peleja começava
Os vaqueiros não entendiam
O que estava acontecendo
Aquilo não era hora
Do berrante do pequeno
O menino lembrava que um dia
Seu avô foi lhe dizendo
Se um dia você encontrar
Um boi que seja arrinado
Que arrebenta cambão
Que cabra nenhum pega o cabo
Use este berrante ancestral
De seu velho tocar gado
Cada verso encantado
Pra amansar o boi fujão
Fazia o bicho mugir
Se esquivar e ciscar chão
Mas o olho do tangerino
Também fazia encantação
O Menino Aboiador
Tinha um medo no coco
Que o bicho escolhesse
Saltar pra dentro do poço
Por isso o tangerino infante
Aboiava feito louco
Mas destino de bicho encantado
É virar mote de assunto
Virar conto, verso, aboio
Cantoria para o mundo
Assim nosso Boi Valente
Pulou ao poço profundo
Os vaqueiros entristeceram
Com a morte do animal
Botaram o chapéu no peito
Vendo a cena fatal
O tangerino jogou o berrante
E uma cruz de flecha de sisal
N’aquele dia encantado
Nas veredas do sertão
Incó, Pau-de-rato, Umburana
Cassutinga e Pinhão
Souberam desta peleja
E suas flor não saiu não
O exemplo de coragem
Luta pala liberdade
Fez o povo transformar
Aqueles campos em cidade
Ao morrer contra o cambão
O Boi deu exemplo de coragem
Cidade fundou-se com um nome
Terras do Boi Valente
Mudou Mais à frente o nome
Chamava Valente somente
Terra de sisal em fartura
De gente brava e sorridente
Num cantinho da cidade
Tem uma placa de cimento
Falando do Boi Valente
Sua força e seu exemplo
Tem Carneiro profeta místico
Cheio de conhecimento
Obrigado bravo boi
Ter cumprido a profecia
Cumprido o seu papel
Semeando a alforria
Espero que os cabra da roça
Lembre disso algum dia
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Montalvânia, uma cidade diferente
A obra:O Brasil é repleto de cidades consideradas mágicas,o autor em viagem à Minas Gerais soube da existência de uma delas, na fronteira de Minas com a Bahia,Montalvânia. Uma viagem ao insólito e surreal jeito Brasileiro de ser.
Esta história é real
Não é mito popular
Entre Minas e Bahia
Manga é o nome do lugar
Nhandutiba o município
Onde nasceu quem vou contar
Mil novecentos e dezessete
Nasceu Antônio Montalvão
Naquela terrinha mineira
Mesclando cerrado e sertão
Nascia predestinado
A ser lembrado em seu chão
Aos vinte e dois deu um tiro
Matou um cruel capataz
De um Coroné de Goiânia
Antônio já era um rapaz
Partiu Montalvão pro exílio
Em busca de vida com paz
Antônio que nem terminara
O terceiro ano primário
Agora em Buenos Aires
Lia até dicionário
Estudou de tudo um pouco
Virou um revolucionário
Mil novecentos e quarenta e nove
Do exílio retornava
Voltou sabido, requintado
Até filosofia dominava
Mas tinha uma idéia grande
Uma cidade seria fundada
Voltou com essa idéia
Que alguns julgaram insânia
Criar uma cidade mística
Isso seria uma façanha
E o nome da cidade?
Mas é claro! Montalvânia!
A idéia era simples
Centro de desenvolvimento
Uma cidade moderna
Sem tristeza e sem lamento
A idéia de Montalvão
Era trazer conhecimento
Estas terras antigamente
Fazenda Barra dos Poções
Tinha verde mata virgem
Muitos vaqueiros, Peões
Montalvão comprou as terras
E derrubou as plantações
Começou o seu projeto
Da cidade planejada
O povo participando
Foi mais rápida a empreitada
Mil novecentos e cinqüenta e dois
Já estava terminada
Dia vinte dois de Abril
Do ano de cinqüenta e dois
O destino da cidade
Só viria então depois
Pois emancipar a cidade
Seria feijão com arroz
Cada Rua de Montalvânia
Era um nome da história
Filósofos e heróis
Que ficaram na memória
Que inspiraram o planeta
Á conhecimento e glória
Era Rua Schopenhauer
Avenida Galileu
Tem a Praça Platão
Rua Plutarco e Prometeu
Até Rua Zoroastro
Montalvão não esqueceu
Tem a Praça Cristo Rei
Marco zero com certeza
A Avenida Confúcio
Com largura e com grandeza
Tem a Avenida Buda
A cidade é uma beleza
As margens do Rio Cocha
Afluente do Carinhanha
Na Bacia do São Francisco
Muito linda Montalvânia
Lá no meio do cerrado
Pedra mor da miscelânea
No aniversario de três anos
Da cidade planejada
A polícia foi chamada
Pra acabar com aquela farra
Montalvão entrou no meio
E a briga foi dobrada
Ele deu tiro no sargento
Escapou de oito soldados
Falam até de Montalvão
Sumindo por dentro do mato
Virando toco de pau
Escapando dos macacos
A cidade tava pronta
Só faltava emancipar
Havia dois coronéis
Prumode dificultar
João Pereira e Pastor Filho
Chefes Políticos do lugar
Montalvão teve a idéia!
Em Manga virar Prefeito
Mil novecentos e cinqüenta e nove
Assumia aquele pleito
Com Montalvão no poder
O plano era perfeito
Em mil novecentos e sessenta
Conseguiu a maior loucura
Pegou o material necessário
Ao funcionamento da Prefeitura
Botou tudo encaixotado
Com a sua assinatura
No dia seguinte o povo
Ia mesmo se chocar
Pois a prefeitura de Manga
Tava a oitenta km de lá
No centro de Montalvânia
Para a cidade emancipar
Durante o seu mandato
Vendeu duas propriedades
Para asfaltar Montalvânia
Melhorar sua cidade
Soltou um boi branco na pista
Como símbolo de divindade
Lá tem água encanada
Telefone e correio
Tem posto de saúde
Pra tratar o povo inteiro
Tem campo de aviação
Pra voar com passageiro
Montalvão queria agora
Um eixo de desenvolvimento
De Montalvânia à Brasília
Uma estrada de sustento
Como uma linha direta
Pra acabar com o passo lento
Mil novecentos e sessenta e seis
Partiu de foice e enxada
Quarenta homens na mão
E foi abrindo picada
Quinhentos e quarenta e três
Quilômetros de estrada
Botou uma caminhonete verde
Marca Willys, nada mal
Sentou ligeiro ao volante
Montalvão era radical
Inaugurou a primeira linha
Direta com a Capital
Sonhava Montalvão
Com a nova Tróia invencível
Com os Templos do Monte Albán
No México imperecível
Por isso ele construía
Tudo dentro do possível
Tava realizado o sonho
De Antônio Montalvão
Conseguiu criar a cidade
Que sonhara no sertão
Construiu a Montalvânia
Com enorme precisão
Ele havia descoberto
Nas grutas da região
Pinturas de antigos povos
E pôs-se a fazer tradução
Viu que aquela localidade
Seria uma grande nação
Terminada a cidade
Naqueles campos agrestes
Montalvão teria tempo
Para as pinturas rupestres
Ou como ele chamava
Bíblia de Pedra dos Mestres
Montalvão criou o instituto
Filantropo Cochanino
À beira do rio Cocha
No cume do monte Lopino
Grande centro esotérico
De onde soava um sino
Montalvão não era só
No estudo de arqueólogo
Tinha o apoio incansável
Do amigo João Geólogo
Quem encontrava pinturas
Veria fósseis logo logo
Uma prova viva disso
Foi o gigante encontrado
Montalvão fez profecia
De um grande corpo enterrado
Era uma preguiça gigante
O fóssil foi logo achado
Com ajuda de esotéricos
E místicos de carteirinha
Montalvão foi batizando
E traduzindo cada linha
As pinturas revelavam
Tudo que na terra tinha
Tem a Lapa da Hidra
De Zeus e de Posseidon
Abrigo dos Diplodocos
Lapa do Deus Amon
E a lapa do gigante
Da preguiça megaton
Para ele Montalvânia
Era o berço da humanidade
Por isso a insistência
Em construir a cidade
Era isso que a Bíblia de pedra
Revelava na verdade
O povo ficava besta
Com as coisas de Montalvão
Dizia que as pinturas
São de antiga civilização
Que voavam em aparelho
Disco voador e avião
Que quando veio o dilúvio
Eles foram para marte
O mundo criou nova vida
Da qual todos nós somos parte
Aonde tem água e terra
E não há comida que falte
Montalvão acreditava
Que naquele cerrado
Era o centro do universo
O tal de DELOS OMPHALO
Montalvão tinha umas coisas
E uns nomes invocados
Montalvão voltou à prefeitura
Em mil novecentos e setenta e três
Era candidato único
Mas quase perde de uma vez
E o seu adversário
O voto em branco camponês
É que o querido Antônio
Era meio radical
O que fosse acontecer
Era da sua forma tal
Se não fosse a sua maneira
O problema era geral
Montalvão escreveu livros
Dois, pra não mentir pra você
Um, era meio romance
O outro causava arêrê
Pois de uma só vez contestava
Einstein, Newton e Lavoisier
Montalvão desencarnou
No ano de noventa e dois
Aos setenta e cinco anos
Só virou história depois
Morreu de ataque cardíaco
E lá pro infinito se foi
Seu túmulo é uma pirâmide
De mármore negro sem tinta
No centro do cemitério
De sua cidade tão linda
Assim como tudo que nasce
Chega uma hora que finda
Montalvânia continua
Pobre linda e maltratada
Dezessete mil habitantes
Esperando verba paga
Pelo menos até Manga
Uma estrada asfaltada
Agradeço ao amigo
Vicente Jaú de BH
Ter falado em Montalvânia
Prumode eu pesquisar
É verdade meu amigo
O que tu falou de lá