A CAVEIRA
Certa noite de mistério
Pesadelo e desencanto
Eu entrei num campo santo
Pra sentir seu grande império;
Andando no cemitério
Tremendo como um balão
Eu apalpava caixão
Torrões, cabelos e ossos,
Cruz quebrada e outros troços
Atirados pelo chão.
Sei que a decomposição
Imperava em alguns túmulos
Desintegrando os acúmulos
Em trágica putrefação;
Lápide em ouro e latão
Com frases de antigamente
Ou epitáfios recentes
Mostravam que a morte é séria
Inimiga da matéria
Do forte e do prepotente.
Haviam outros viventes
Entre as catacumbas sujas
Lagartixas e corujas
Davam vida ao ambiente;
Valores de antigamente
Que hoje nem lembram mais
Eram só restos mortais
Como outros objetos
Entre vermes e insetos,
Viram lixo, nada mais.
Na cidade dos mortais
Eu encontrei um tamanco
Um retrato, um lenço branco,
Símbolos de amor e de paz:
E entre os materiais
A caveira de um cristão
Se levantava do chão
E me olhando gargalhava
Assim, como quem zombava
Da fraqueza dos irmãos.
O crânio, os pés e as mãos
No esqueleto se mexia
E já não mais se sabia
Se era jovem ou ancião,
Crente, católico, pagão...
De quem era essa caveira?
Cheia de óleo e poeira
Com o vento se tremia
Assim, como quem dizia
Que essa vida é passageira.
Na risada zombeteira
O esqueleto como um louco
Sorria, fazendo pouco
Desta vida rotineira;
O orgulho, a voz grosseira,
A perfídia, a maldade,
O ódio, a perversidade,
Valentia e arrogância
Estão queimando as substãncias
Dos jardins da humildade.
Roubo, vício, vaidade,
Quem usa não é liberto
Sua alma não dá certo
Na aferição da verdade;
O carinho, a lealdade
Vibram sempre a mesma luz
Uns em trapos, outros nus,
Todo morto é transformado
Num líquido purificado
Das palavras de Jesus.
Abracei os ossos nus
Em profundo nervosismo
Pelo amor do Cristianismo
Atirei-me a uma cruz;
Gritando o nome: Jesus!
Senti pena dessa gente
Que não ama, que não sente
Da própria vida os ressábios,
Ao morrer, seus negros lábios
Sorrirão eternamente.