A SAGA DE DOMINGO NHÓ
Remi Amorim é meu nome, nasci em '69
Seu eu contar minha história, todo mundo se comove
Criado no interior, sem que a sorte me aprove
Vivi infância boa, fazendo certo resolve
Nasci lá no Maranhão, sou filho de nordestino
Meu pai: Presidente Dutra, conforme mostra o destino
Mamãe de Barra do Corda, criadora de bovino
Tive seis irmãos de sangue, sem choro nem desatino
Natural de João Lisboa, cidade boa e ordeira
Nasci de parto normal, pelas mãos de uma parteira
No dia 25/12, era uma quinta-feira
Dia lindo e ensolarado, quando todos iam à feira
No ano em que nasci, o homem pisou na lua
Hoje os carros atravessam deserto, pedra e rua
Sem fazer muito esforço, o homem sempre continua
Mulher pelada é comum, desfilando pela rua
Morei na “terra do coco” até um ano de idade
Depois fui prá Wanderlândia, uma pequena cidade
Onde morei doze anos, sem qualquer comodidade
Porém da infância boa, é o que me dá mais saudade
Saindo lá do Goiás, fui residir no Pará
Onde meu pai tinha vindo no garimpo trabalhar
Tirar ouro e cavar chão, sem cansaço demonstrar
Noite e dia, dia e noite, era a labuta de lá
Hoje após muito estudo, fiz curso superior
De tanto a mãe insistir, me transformei em doutor
Estudando em madrugadas, quase me esgotou
Direito é minha paixão, só largo se Deus opor
Sou autor deste cordel, escrevo o que me convém
Apesar da vida humilde, boa lembrança me vem
Dos tempos da mocidade e também do vai-e-vem
Farra, dinheiro e mulher, isso, sim, gosto também
Deixemos de lari-lari, passemos ao que interessa
A história que escrevo, não há trena que a meça
É sobre um cara azarado, nem a Jesus interessa
Porque é tanto azar prum só, que até o diabo sai dessa
Domingo de Souza, seu nome, registrado ao nascer
Domingo Nhó, apelido, dado depois de crescer
Filho lá do Maranhão, estado do bem viver
Mas sua sorte era pouca; azar, sim, era só ter
Viveu lá no Maranhão, até uma certa idade
Depois foi pro Pará, morar em bela cidade
Conceição do Araguaia, era a sua identidade
Vivendo lá muitos anos, até a eternidade
Amigo do Everaldo, atual vice-prefeito
Homem ordeiro e sério, por isso que foi eleito
Filho da Dona Firmina, parece o cara perfeito
Prá ser nosso deputado, disputando próximo pleito
A história do apelido, conto logo a vocês
Foi num dia de missa, que tinha padre cortês
Domingo dormia no altar, com quinze ou dezesseis
Tranquilo e despreocupado, parecia ovo indez
O padre incomodado com aquela insolência
Cochichou em seu ouvido, em tom de convalescença
Filho saia já daqui, isto aqui é uma indecência
Domingo acordou zonzo, resmungando a paciência
Dormindo, quase acordado e no altar ali só
Domingo ficou zangado, agora desate o nó
Quando olhou viu o padre e o povo a sentir dó
Só conseguiu resmungar uma palavra: “Nhó”
O “nhó” que domingo falou, é expressão corriqueira
Em todo o Maranhão, falado mais que besteira
É a contração de SENHOR, conforme se vê em feira
Como “você” e “cê”, veja que coisa matreira
Assim ficou conhecido Domingo Nhó pelo povo
Aquele que se acidenta, mesmo fritando ovo
De tanto se mutilar, tem sempre emplastro novo
Se corta, cai e se quebra, em festa de ano novo
Certa feita ele estava, sentado lá no terreiro
Quando lá vinha um gato, esperto, ruim, matreiro
Correndo de uma cadela, que vinha por derradeiro
Mordendo o calcanhar do bichano por inteiro
O gato no desespero, enxergou o pessoal
Que estava com o Domingo, em conversa cordial
Eram mais de dez pessoas, reunidas no quintal
Mas foi no Domingo Nhó, que o gato viu arraial
Saltando mais que depressa na cabeça do Domingo
O gato viu salvação, apesar do cão latindo
Cravou as unhas no couro e o sangue ia abrindo
E o Nhó puxava o bichano, apesar do desatino
Foi luta tirar o gato da cabeça do coitado
Juntou moça, rapaz, velho e desquitado
Todos agarrando o gato, que ficou escambichado
Nunca mais pegou um rato, de tanto esquartejado
Outra vez estava ele, uma laranja a descascar
Sua esposa viu a cena e quis a ele ajudar
Prá que não se acidentasse e fosse hospitalizar
Mas a ajuda foi em vão, essa é de amargar
Tomou-lhe a faca e fruta e pôs-se a trabalhar
Descascando a laranja, com todo jeito que há
Mas o azar do Domingo, como era de esperar
Tinha que acontecer e logo manifestar
Ao descascar a laranja, a mulher do Domingão
Com todo jeito do mundo, mas o esforço foi em vão
A faca escorregou e caiu da sua mão
O Domingo acudiu, tentando pegar no chão
Quando a faca ainda ia caindo pelo espaço
O Nhó alcançou a mesma, mas não com desembaraço
Levou um corte tão grande, que quase perdeu o braço
Em cima do pulso direito, olha só que estardalhaço
A vizinhança assustada, com aquele sangue corrente
Correu para o hospital, com tão ilustre doente
Deitado e desmaiado, num carrinho de servente
Lá foi um deus-nos-acuda, prá salvar o paciente
Depois de tal acidente, do corte feito no pulso
O Nhó perdeu movimento, da sua mão perdeu curso
Ficando imobilizado, feito hibernante urso
Até o dia em que sua mulher cresceu buço
Passados mais alguns meses, sem ocorrer acidente
Domingo já esquecido, de como o azar lhe era rente
Resolveu ouvir pedido, de sua esposa, uma crente
O de trocar uma lâmpada, que alumiava a gente
Tomou de uma escada e subiu para trocar
A esposa ficou embaixo, observando o lugar
- Ô que esposa azarenta, tá sempre a lhe ajudar!
Em todo acidente dele, ela está a lhe olhar
Com cuidado e destreza, que só ele possui
Nhó fazia o trabalho, achando que contribui
Desenroscava a lâmpada, fazendo o que instrui
Lembrando para a esposa, que ter cuidado influi
Lembremos para o leitor, que azar é natural
Quanto mais o cabra foge, mais é posto no varal
E quando se acautela e é todo cordial
O azar sempre acontece, feito ceia de natal
Voltemos para o Domingo, que está trocando a luz
Sem saber ainda aonde, o destino lhe conduz
Mesmo com toda cautela, é certo que tudo induz
Mesmo sem ele querer, seu azar é sua cruz
Já próximo de concluir, o trabalho fatigante
Como era de costume fazer qualquer um flagrante
Descuidou-se em terminar, um trabalho tão brilhante
E novamente, então, travou-se tragédia errante
Domingo não viu então, um fio lá descascado
Encostou seu cotovelo, que tava todo engelhado
Naquele fio maldito, que estava até molhado
Levou um choque tão grande, que esqueceu do passado
Caiu mais ou menos dois metros, feito jaca já madura
Em cima de um cimentado, cuja casca ainda dura
Quebrou todo o seu corpo, sem respeitar a candura
Sobrando-lhe poucos ossos, que ainda hoje perdura
Da quebra ele quebrou costela, braço e quadril
Cabeça, perna e mão e até um peitoril
Arrebentou um pote, que tava ali vazio
Deu uma pernada na “véia”, que até o povo riu
Lá vai vizinhança de novo, com o pobre pro hospitalizar
Chegando lá o doutor, conhecendo o “animal”
Faz o sinal da cruz, vendo que ele ia mal
E mandou a maca vir. Disse: - preparem o funeral!
Mas o azarado Domingo, tem mais vida do que gato
O danado do felino tem só sete e é barato
Já o nosso personagem, apesar de todo o fato
Morre de jeito nenhum, independente do trato
Passados mais de seis meses, doente hospitalizado
Quase sem se mexer, na cama eterno deitado
Voltou o Domingo prá casa, curado e escabreado
De gato, faca e escada, corria légua amarrado
Mas quando o cabra é assim, tem jeito não sinhô
Azar é coisa do cão, surge até no esplendor
Quando o cara não procura, vem à procura que horror
Chega mesma em sua casa, nas barbas de seu avô
Prá explicar o azar do Nhó desde o início
É necessário que volte, na vida do estrupício
A parteira da sua mãe, sem ter qualquer compromisso
Deu-lhe uma sova danada, com espinhento caniço
O Nhó como azarado, demorou a fazer choro
A parteira foi batendo e o povo gritando em coro
Essa mulher é uma louca! Olha que pouco decoro
Até que um vaqueiro macho, arrancou-a como um touro
Voltando aos dias de hoje, do Domingo em tenho dó
Nunca vi homem azarado, nem pras bandas de Codó
Nem mesmo largando tudo, e depois morando só
De tanto sofrer sinistro, parece muito com Jó
Jó viveu muito tempo e foi homem bem feliz
É certo que um belo dia, como a própria bíblia diz
Foi objeto de prova, do Satanás infeliz
Ficou tão pobre e doente, até quando Jesus quis
Nem mesmo pobre e doente, Jó se tornou desordeiro
Viveu honesto e decente, trabalhando com ferreiro
Tinha dinheiro prá nada, era fome o dia inteiro
Até que o velho diabo, pôs fé lá no Marceneiro
Assim é Domingo Nhó: honesto sério e capaz
Já trabalhou na inchada, até como capataz
Fez roça, picada e pasto, trabalhou com todo gás
Plantando e colhendo tudo, assim é que ele faz
Assim são muitas histórias, do Domingo prá contar
Algumas são cabeludas, chega até arrepiar
Só Deus descendo da terra, para ele comungar
Visando a sua saúde e então não se quebrar
Caro amigo leitor, por aqui eu me despeço
Pedindo a Deus proteção, com certeza eu confesso
Pedindo para o Domingo, ainda em prosa e verso
Que tenha santa piedade, da alma desse regresso
Redenção/PA, 24/12/2004.