ANTONIO SILVINO
Esse foi um cangaceiro
Conhecido no sertão
No Vale do Sabugi
Gerou muita confusão
Queimou até moradia
Aqui em Santa Luzia
E toda essa região.
Em nossa povoação
Chegou com sua cabroeira
Já vinha do Rio Grande
Lá da Fazenda Pedreira
Onde deixou baleado
O cabra Pilão Deitado
E um soldado da fileira.
Silvino na bagaceira
Provocou muita quizila
Mas antes do banditismo
Vivia entre a família
O destino traiçoeiro
O tornou um cangaceiro
Feroz que só cão de fila.
Tinha uma vida tranqüila
Como qualquer inocente
Pegaram lhe aperrear
Tornou-se um homem imprudente
Porque boi manso aperreado
Se for muito ferroado
Arremete certamente.
Era carinhosamente
Tratado como Nezinho
O nome Antonio Silvino
Também não trouxe do ninho
Esse foi adquirido
Depois que se fez bandido
Pelo cangaço sozinho.
Enveredou no caminho
Do crime e do desengano
Lá mesmo no seu Estado
Do cangaço o soberano
Como ficou conhecido
Lugar que deu mais bandido
O sertão pernambucano.
Em setenta e cinco o ano
Do século mil e oitocentos
A mãe que já tinha quatro
Pare o seu quinto rebento
O caçulinha mimado
Foi bastante visitado
Das atenções era o centro.
Local de seu nascimento
Sua família, seus amores
Foi a Serra da Colônia
Em Carnaíba de Flores
Divisa pernambucana
Com a terra paraibana
Dois secos interiores.
Seus irmãos anteriores
Trabalhadores ordeiros
Só ele Antonio Silvino
Se tornou um cangaceiro
Vivendo nos carrascais
Manoel Batista Moraes
O seu nome verdadeiro
O que o tornou desordeiro
Caçado pelo sertão
Foi a morte do seu pai
O famoso Batistão
Por capangas emboscado
Sob ordens de um delegado
Poderoso na região.
Disse Nezinho aos irmãos
Podem ficar descansados
Deixem o caso comigo
Meu pai há de ser vingado
No lugar que encontrá-lo
Ali mesmo hei de matá-lo
E deixá-lo esquartejado
E saiu endiabrado
Chegou na povoação
Matou o tal delegado
Atirou num seu irmão
Ainda surrou dois cunhados
Deu de garra de um machado
Botou-lhe a casa no chão.
Enveredou no sertão
Vagando sem paradeiro
Encontrou Silvino Aires
Um chefe de bandoleiro
Se incorporou a esse bando
Obedecendo ao comando
Do seu primo cangaceiro
Não foi nem um ano inteiro
Junto com essa cambada
Sua sede de vingança
Tinha que ser saciada
Formou sua cabroeira
E saiu na quebradeira
Era grande a derrocada.
Não tinha medo de nada
Na força era um potentado
Topava qualquer barreira
Nunca deu um tiro errado
As forças de Pernambuco
Por causa desse maluco
Tinham trabalho dobrado.
Com 15 dias passados
Foi a vila de Ingazeira
Matou o chefe político
Fez se desmanchar a feira,
De todos só escapou
Lá na vila o promotor
Porque saiu na carreira.
Dizia prá cabroeira
Não fiz mais porque não pude
Para vingar o meu pai
Só quero que Deus me ajude
Só me sentirei vingado
Quando o sangue derramado
Der para encher um açude.
Com essa sua atitude
Andou o sertão inteiro
Saqueando por Belmonte
Triunfo, Exu e Salgueiro
De lá foi a Petrolina
Cruzou o rio bem em cima
Foi parar no Juazeiro.
Ia atrás dum alcoviteiro
Que havia lhe passado um pito
Chegou lá, matou o cabra
Depois voltou prá Granito
Cruzou o sertão de novo
Saqueando, roubando o povo
Até São José do Egyto.
Também lá brigou bonito
Atravessou prá Teixeira
Andou por Imaculada
Santo Antonio e Catingueira
Na vila de Conceição
E completando o sertão
Pombal, Souza e Cajazeira.
Dezoito anos na trincheira
Sem a polícia o pegar
Deu uma volta na caatinga
Do Estado do Ceará
Mas não se sentiu seguro
Temendo um triste futuro
Dali resolveu voltar.
Só foi até Quixadá
Caiu num cerco bem forte
Dessa vez Antonio Silvino
Quase que encontra a morte
Mas se safou novamente
E fugiu com sua gente
Pro Rio Grande do Norte.
Seu cavalo de transporte
Morreu nessa travessia
No solo potiguarino
Provocou muita arrelia
De lá fez sua arribada
Quando com sua cambada
Chegou em Santa Luzia.
Por aqui permanecia
Fazendo muito escarcéu
Fez gente virar defunto
Dotor virar tabaréu
Mas sua permanência aqui
No Vale do Sabugi
Eu conto noutro cordel.
E seguiu com seu tropéu
Prá o solo caririzeiro
Novo século já nascera
E o terrível bandoleiro
Completara vinte anos
Comandando seus tiranos
Na vida de cangaceiro.
Como tudo é passageiro
Na vida e na Natureza
Silvino de vez em quando
Era pego de surpresa
Até que chegou o ano
Daquele chefe tirano
Perder sua realeza.
Se envolveu sem ter defesa
Com o alferes Ferraz
Theophanes Ferraz Torres
Chefe dos policiais
Muito sangue derramado
E Silvino aprisionado
Lá mesmo nos matagais.
Sem poder reagir mais
Deixa as terras do sertão
Conduzido prá Recife
Prá cumprir sua prisão
No júri foi condenado
E ficou encarcerado
Na Casa de Detenção.
Ao castigo e à solidão
Vendo a esperança perdida
Preso no ano catorze
Em trinta e sete a saída
Vinte e três anos detido
Vinte e oito de bandido
Meio século de vida.
Ainda há guerra sem medida
Do cangaço no sertão
Agora sob o comando
Do famoso Lampião
Mas Silvino desistiu
Achando que já cumpriu
Sua vingativa missão.
Também foi sua decisão
Não voltar pra Carnaiba
Temendo que seu passado
Da liberdade o proíba
Pegou o seu matulão
E embarcou num vagão
Prás terras da Paraíba
Em Campina se acuriba
Com idéias e novos planos
Fica até quarenta e quatro
Entre os paraibanos
Até ser desencarnado
E lá mesmo sepultado
Aos sessenta e nove anos.
Foi alvo de muitos planos
Para jornais e revistas
Escritores e poetas
Estudantes, repentistas
Ainda hoje é lembrado
Por poetas renomados
E por grandes jornalistas.
Um dos grandes cordelistas
De expressão nacional
Leandro Gomes de Barros
Da cidade de Pombal
A Silvino entrevistou
E depois versificou
De forma bem natural
Saiu até em jornal
A conversa entre eles dois
Pois para contar histórias
Silvino sempre se impôs
E Leandro na poesia
Sempre teve maestria
Prá isso ele se propôs.
Mas a conversa dos dois
Eu vou contar resumida
Só as falas de Silvino
Pois foi bastante comprida
Só falando no cangaço
Das vitórias e fracassos
De sua vida bandida
“Quiseram tirar minha vida
Mas isso ninguém tirou
Nunca governo venceu-me
Nunca civil me ganhou
Por vingânça ou imprudência
Atrás da minha existência
Não foi um só que cansou.
Comigo quem se importou
Sofria muito e penava
Minha profissão o crime
Só lucrava o que tomava
Com a cabroeira ao meu lado
Triste daquele soldado
Que comigo se encontrava.
As volantes aumentavam
Tentando me dar um fim
Com recompensas polpudas
Quem desse cabo de mim
Mas na peixeira e no braço
Ou na bala não foi fácil
Ganhar um dinheiro assim.
Lá nas caatingas sem fim
Eu era pior que gato
Todos sabiam os perigos
E sabem como eu me bato
Sabiam que era mais fácil
Arrastar onça no braço
Do que me tirar do mato.
Surgiu um padre insensato
Sabe um dia o que ele fez?
Prendeu-me dois cangaceiros
Tinha outro preso fez três
Levou prá o governador
E o governo se irritou
Matou tudo de uma vez.
Ao padre da insensatez
Ainda hei de perguntar
Se ele nunca cortou cana
Se sabe um nó desatar
Talvez prá ganhar dinheiro
Matou os meus cangaceiros
Mas um dia há de pagar.
Depois não vá se queixar
Comigo entrando em peleja
Sempre respeitei as coisas
Relacionadas com a igreja
E hoje, fora do cangaço
No lugar por onde passo
Todo mundo me festeja.
Se é assim, que assim seja
Padre fique descansado
Os cabras que ele vendeu
Já estavam condenados
Estavam perto de morrer
Sem que precisassem ser
Por ninguém assassinado.
Um desses ditos, coitado
Estava tuberculoso
O segundo era um asmático
O terceiro era leproso
Agora que ele morreu
O urubu que o comeu
Deve estar bem receoso.
Sempre houve um invejoso
Querendo me perseguir
Dizendo que eu não tinha
O direito de existir
Mas se enganaram de fato
Pois enquanto houvesse mato
Eu podia escapulir
Quatro noites sem dormir
Cinco dias sem comer
Eu sei como se passava
Um mês sem água beber
Na quebrada eu conhecia
Furnas onde se dormia
Uma noite se chover.
Passei um mês sem comer
Numa montanha escondido
Um rapaz meu companheiro
Foi pela onça comido
Ali sem ter mais ninguém
Por essa onça também
Eu fui muito perseguido.
Era um lugar sucumbido
Nem passarinho cantava
Apenas à meia noite
Uma coruja piava
Eu numa loca entocado
E a onça ali do lado
De mim não se descuidava.
Mocós por ali passava
E eu não podia os matar
Andava tropa na serra
Dia e noite a me caçar
Se um tiro eu disparasse
Qualquer um que ali passasse
Ficava fácil me achar.
Uma semana a completar
Que ali eu nada comia
Eu matava alguns calangos
Que por perto aparecia
Com a fome renitente
Botava-os na pedra quente
Quando secava eu comia.
Quando a sede aparecia
Pegava a coroa-de-frade
Tirava o miolo dela
Chupava aquela umidade
Confesso que não morri
Mas o peso eu conheci
Da mão da necessidade.
A tropa uma certa tarde
Na serra me procurando
E viram uma grande onça
Bem na frente os emboscando
Vi um dos oficiais
Dizendo para os demais
Estamos nos arriscando.
Quem estamos procurando
Não anda neste lugar
Se ele andasse aquela onça
Havia de se espantar
Porém não sabia eles
Que eu estava perto deles
Ouvindo tudo falar.
Trataram de arribar
Não demoraram um momento
Um soldado que trazia
Um saco de mantimento
Correu fedendo a murrinha
Prá felicidade minha
Deixou-o por esquecimento.
Eu que estava bem atento
Vi quando a tropa desceu
A onça soltou um urro
Que o tenente estremeceu
Correram uma légua e meia
E uma borracha quase cheia
De água um praça perdeu”.
Esse depoimento seu
Interrompo por aqui
Mas no próximo capítulo
Eu prometo prosseguir
Cumprindo assim seu destino
A saga de Antonio Silvino
No Vale do Sabugi.
Série Cangaceiros - Volume 8
Esse foi um cangaceiro
Conhecido no sertão
No Vale do Sabugi
Gerou muita confusão
Queimou até moradia
Aqui em Santa Luzia
E toda essa região.
Em nossa povoação
Chegou com sua cabroeira
Já vinha do Rio Grande
Lá da Fazenda Pedreira
Onde deixou baleado
O cabra Pilão Deitado
E um soldado da fileira.
Silvino na bagaceira
Provocou muita quizila
Mas antes do banditismo
Vivia entre a família
O destino traiçoeiro
O tornou um cangaceiro
Feroz que só cão de fila.
Tinha uma vida tranqüila
Como qualquer inocente
Pegaram lhe aperrear
Tornou-se um homem imprudente
Porque boi manso aperreado
Se for muito ferroado
Arremete certamente.
Era carinhosamente
Tratado como Nezinho
O nome Antonio Silvino
Também não trouxe do ninho
Esse foi adquirido
Depois que se fez bandido
Pelo cangaço sozinho.
Enveredou no caminho
Do crime e do desengano
Lá mesmo no seu Estado
Do cangaço o soberano
Como ficou conhecido
Lugar que deu mais bandido
O sertão pernambucano.
Em setenta e cinco o ano
Do século mil e oitocentos
A mãe que já tinha quatro
Pare o seu quinto rebento
O caçulinha mimado
Foi bastante visitado
Das atenções era o centro.
Local de seu nascimento
Sua família, seus amores
Foi a Serra da Colônia
Em Carnaíba de Flores
Divisa pernambucana
Com a terra paraibana
Dois secos interiores.
Seus irmãos anteriores
Trabalhadores ordeiros
Só ele Antonio Silvino
Se tornou um cangaceiro
Vivendo nos carrascais
Manoel Batista Moraes
O seu nome verdadeiro
O que o tornou desordeiro
Caçado pelo sertão
Foi a morte do seu pai
O famoso Batistão
Por capangas emboscado
Sob ordens de um delegado
Poderoso na região.
Disse Nezinho aos irmãos
Podem ficar descansados
Deixem o caso comigo
Meu pai há de ser vingado
No lugar que encontrá-lo
Ali mesmo hei de matá-lo
E deixá-lo esquartejado
E saiu endiabrado
Chegou na povoação
Matou o tal delegado
Atirou num seu irmão
Ainda surrou dois cunhados
Deu de garra de um machado
Botou-lhe a casa no chão.
Enveredou no sertão
Vagando sem paradeiro
Encontrou Silvino Aires
Um chefe de bandoleiro
Se incorporou a esse bando
Obedecendo ao comando
Do seu primo cangaceiro
Não foi nem um ano inteiro
Junto com essa cambada
Sua sede de vingança
Tinha que ser saciada
Formou sua cabroeira
E saiu na quebradeira
Era grande a derrocada.
Não tinha medo de nada
Na força era um potentado
Topava qualquer barreira
Nunca deu um tiro errado
As forças de Pernambuco
Por causa desse maluco
Tinham trabalho dobrado.
Com 15 dias passados
Foi a vila de Ingazeira
Matou o chefe político
Fez se desmanchar a feira,
De todos só escapou
Lá na vila o promotor
Porque saiu na carreira.
Dizia prá cabroeira
Não fiz mais porque não pude
Para vingar o meu pai
Só quero que Deus me ajude
Só me sentirei vingado
Quando o sangue derramado
Der para encher um açude.
Com essa sua atitude
Andou o sertão inteiro
Saqueando por Belmonte
Triunfo, Exu e Salgueiro
De lá foi a Petrolina
Cruzou o rio bem em cima
Foi parar no Juazeiro.
Ia atrás dum alcoviteiro
Que havia lhe passado um pito
Chegou lá, matou o cabra
Depois voltou prá Granito
Cruzou o sertão de novo
Saqueando, roubando o povo
Até São José do Egyto.
Também lá brigou bonito
Atravessou prá Teixeira
Andou por Imaculada
Santo Antonio e Catingueira
Na vila de Conceição
E completando o sertão
Pombal, Souza e Cajazeira.
Dezoito anos na trincheira
Sem a polícia o pegar
Deu uma volta na caatinga
Do Estado do Ceará
Mas não se sentiu seguro
Temendo um triste futuro
Dali resolveu voltar.
Só foi até Quixadá
Caiu num cerco bem forte
Dessa vez Antonio Silvino
Quase que encontra a morte
Mas se safou novamente
E fugiu com sua gente
Pro Rio Grande do Norte.
Seu cavalo de transporte
Morreu nessa travessia
No solo potiguarino
Provocou muita arrelia
De lá fez sua arribada
Quando com sua cambada
Chegou em Santa Luzia.
Por aqui permanecia
Fazendo muito escarcéu
Fez gente virar defunto
Dotor virar tabaréu
Mas sua permanência aqui
No Vale do Sabugi
Eu conto noutro cordel.
E seguiu com seu tropéu
Prá o solo caririzeiro
Novo século já nascera
E o terrível bandoleiro
Completara vinte anos
Comandando seus tiranos
Na vida de cangaceiro.
Como tudo é passageiro
Na vida e na Natureza
Silvino de vez em quando
Era pego de surpresa
Até que chegou o ano
Daquele chefe tirano
Perder sua realeza.
Se envolveu sem ter defesa
Com o alferes Ferraz
Theophanes Ferraz Torres
Chefe dos policiais
Muito sangue derramado
E Silvino aprisionado
Lá mesmo nos matagais.
Sem poder reagir mais
Deixa as terras do sertão
Conduzido prá Recife
Prá cumprir sua prisão
No júri foi condenado
E ficou encarcerado
Na Casa de Detenção.
Ao castigo e à solidão
Vendo a esperança perdida
Preso no ano catorze
Em trinta e sete a saída
Vinte e três anos detido
Vinte e oito de bandido
Meio século de vida.
Ainda há guerra sem medida
Do cangaço no sertão
Agora sob o comando
Do famoso Lampião
Mas Silvino desistiu
Achando que já cumpriu
Sua vingativa missão.
Também foi sua decisão
Não voltar pra Carnaiba
Temendo que seu passado
Da liberdade o proíba
Pegou o seu matulão
E embarcou num vagão
Prás terras da Paraíba
Em Campina se acuriba
Com idéias e novos planos
Fica até quarenta e quatro
Entre os paraibanos
Até ser desencarnado
E lá mesmo sepultado
Aos sessenta e nove anos.
Foi alvo de muitos planos
Para jornais e revistas
Escritores e poetas
Estudantes, repentistas
Ainda hoje é lembrado
Por poetas renomados
E por grandes jornalistas.
Um dos grandes cordelistas
De expressão nacional
Leandro Gomes de Barros
Da cidade de Pombal
A Silvino entrevistou
E depois versificou
De forma bem natural
Saiu até em jornal
A conversa entre eles dois
Pois para contar histórias
Silvino sempre se impôs
E Leandro na poesia
Sempre teve maestria
Prá isso ele se propôs.
Mas a conversa dos dois
Eu vou contar resumida
Só as falas de Silvino
Pois foi bastante comprida
Só falando no cangaço
Das vitórias e fracassos
De sua vida bandida
“Quiseram tirar minha vida
Mas isso ninguém tirou
Nunca governo venceu-me
Nunca civil me ganhou
Por vingânça ou imprudência
Atrás da minha existência
Não foi um só que cansou.
Comigo quem se importou
Sofria muito e penava
Minha profissão o crime
Só lucrava o que tomava
Com a cabroeira ao meu lado
Triste daquele soldado
Que comigo se encontrava.
As volantes aumentavam
Tentando me dar um fim
Com recompensas polpudas
Quem desse cabo de mim
Mas na peixeira e no braço
Ou na bala não foi fácil
Ganhar um dinheiro assim.
Lá nas caatingas sem fim
Eu era pior que gato
Todos sabiam os perigos
E sabem como eu me bato
Sabiam que era mais fácil
Arrastar onça no braço
Do que me tirar do mato.
Surgiu um padre insensato
Sabe um dia o que ele fez?
Prendeu-me dois cangaceiros
Tinha outro preso fez três
Levou prá o governador
E o governo se irritou
Matou tudo de uma vez.
Ao padre da insensatez
Ainda hei de perguntar
Se ele nunca cortou cana
Se sabe um nó desatar
Talvez prá ganhar dinheiro
Matou os meus cangaceiros
Mas um dia há de pagar.
Depois não vá se queixar
Comigo entrando em peleja
Sempre respeitei as coisas
Relacionadas com a igreja
E hoje, fora do cangaço
No lugar por onde passo
Todo mundo me festeja.
Se é assim, que assim seja
Padre fique descansado
Os cabras que ele vendeu
Já estavam condenados
Estavam perto de morrer
Sem que precisassem ser
Por ninguém assassinado.
Um desses ditos, coitado
Estava tuberculoso
O segundo era um asmático
O terceiro era leproso
Agora que ele morreu
O urubu que o comeu
Deve estar bem receoso.
Sempre houve um invejoso
Querendo me perseguir
Dizendo que eu não tinha
O direito de existir
Mas se enganaram de fato
Pois enquanto houvesse mato
Eu podia escapulir
Quatro noites sem dormir
Cinco dias sem comer
Eu sei como se passava
Um mês sem água beber
Na quebrada eu conhecia
Furnas onde se dormia
Uma noite se chover.
Passei um mês sem comer
Numa montanha escondido
Um rapaz meu companheiro
Foi pela onça comido
Ali sem ter mais ninguém
Por essa onça também
Eu fui muito perseguido.
Era um lugar sucumbido
Nem passarinho cantava
Apenas à meia noite
Uma coruja piava
Eu numa loca entocado
E a onça ali do lado
De mim não se descuidava.
Mocós por ali passava
E eu não podia os matar
Andava tropa na serra
Dia e noite a me caçar
Se um tiro eu disparasse
Qualquer um que ali passasse
Ficava fácil me achar.
Uma semana a completar
Que ali eu nada comia
Eu matava alguns calangos
Que por perto aparecia
Com a fome renitente
Botava-os na pedra quente
Quando secava eu comia.
Quando a sede aparecia
Pegava a coroa-de-frade
Tirava o miolo dela
Chupava aquela umidade
Confesso que não morri
Mas o peso eu conheci
Da mão da necessidade.
A tropa uma certa tarde
Na serra me procurando
E viram uma grande onça
Bem na frente os emboscando
Vi um dos oficiais
Dizendo para os demais
Estamos nos arriscando.
Quem estamos procurando
Não anda neste lugar
Se ele andasse aquela onça
Havia de se espantar
Porém não sabia eles
Que eu estava perto deles
Ouvindo tudo falar.
Trataram de arribar
Não demoraram um momento
Um soldado que trazia
Um saco de mantimento
Correu fedendo a murrinha
Prá felicidade minha
Deixou-o por esquecimento.
Eu que estava bem atento
Vi quando a tropa desceu
A onça soltou um urro
Que o tenente estremeceu
Correram uma légua e meia
E uma borracha quase cheia
De água um praça perdeu”.
Esse depoimento seu
Interrompo por aqui
Mas no próximo capítulo
Eu prometo prosseguir
Cumprindo assim seu destino
A saga de Antonio Silvino
No Vale do Sabugi.
Série Cangaceiros - Volume 8