(Trechos do Cordel)
LABAREDA, O CAPADOR DE COVARDES
CANGACEIROS XVI
O CAPADOR DE COVARDES
No tempo em que no sertão
Ainda não havia estrada
A injustiça era explícita,
Largamente praticada.
Diferente do que era
A injustiça hoje impera
Porém muito disfarçada.
Quando ainda Serra Talhada
Se chamava Vila Bela
Pela beleza serrana
Que havia em volta dela
Retirantes e romeiros
Enfrentavam cangaceiros
Mas não moravam em favela.
Havia muita querela
Entre volante e cangaço,
Ora a polícia vencia
Ora caía em fracasso,
Vez por outra o banditismo
Vencia do coronelismo
Mais uma queda de braço.
Cada lado tinha um traço
De regra e de união
Que seria obedecida
Por todos na facção,
Tinha que haver interesse
E quem desobedecesse
Recebia punição.
Na polícia um capitão
Comandava seus soldados
Os coronéis também tinham
O jagunço, o pau-mandado,
Nas cidades já havia
A corrupção de hoje em dia
De governo a deputado.
O cangaço era formado
Como outra repartição
Comandantes, comandados,
O chefe era um capitão,
E o mais organizado
Era o grupo comandado
Pelo chefe Lampião.
Virgulino, o capitão,
Todo poder exercia
Seu bando era dividido
E ele mesmo dividia,
Mandava para um setor
E o coronel protetor
Ele também escolhia.
O grupo que ele geria
Tinha muita direção
Um era chefe de saque
Outro, chefe de fogão,
Aquele, chefe de arreio,
Esse, chefe de correio,
Outro, chefe de prisão.
Desprovido de noção
Também no mal repartido
Um chefiava os estrupos
Outro matava os maridos
Enfim para todo lado
Tinha alguém mais afamado
Por isso era perseguido.
Até que foi permitido
Mulher na cangaçaria
Quando o chefe Lampião
Se amancebou com Maria
Aí aumentaram os crimes
Devido ao novo regime
Que Lampião permitia.
Quando o bando resolvia
Um povoado assaltar
Mocinha nova e bonita
Que encontrasse por lá
Seria logo estuprada
E depois era obrigada
Ao cangaço acompanhar.
Isso vinha macular
Ainda mais o cangaço
E Lampião resolveu
Controlar esse pedaço,
Quem ali se rebelava
O próprio chefe matava
E esfriava o mormaço.
Mesmo dentro do cangaço
Aumentou o movimento
Cangaceiro com mulher
Se deixasse o acampamento
Ela era perseguida
Terminando essa investida
Em um combate sangrento.
Cada vez mais violento
O grupo de Virgulino
Também o mais perigoso
Pelo sertão nordestino
Até que o chefe do bando
Mostrando que tem comando
Pois fim nesse desatino.
Escolhe dois assassinos
Dos piores do seu bando
Cria mais dois diretórios
Dando a eles o comando
Foi com essa decisão
Que o Chefe Lampião
Resolveu esse desmando.
Passa a ficar vigorando
De modo bem desumano
Mulher que tivesse um homem,
Se corneasse o fulano,
Sem choro, rogo, sem nada,
Tería a cara marcada
Com o ferro de Zé Baiano.
Quem entrava pelo cano
Era o outro namorado
Que corneou o parceiro
Num gesto infame e safado.
Sem desculpa, sem pudor,
Seria o corneador
Por Labareda capado.
Ficou então decretado
Nas caatingas do sertão
Quem fizesse covardia,
Falsidade, traição,
Seria sentenciado:
Ela com o queixo ferrado,
Ele com a castração.
Decreto de Lampião
Quem contestasse morria
Se não gostasse e fugisse
O bando perseguiria
A moda então se espalhou
Outros bandos adotou
E logo se espalharia.
Labareda então seria
O caçador de culhão
Se usasse como troféu
Já encheria um salão
Isso deu ao cangaceiro
Fama no Nordeste inteiro
Do litoral ao sertão.
Mas antes da castração
Havia a penalidade
O juiz era Virgínio
Com responsabilidade
De julgar caso por caso
Sem delonga e sem atraso
E conforme a gravidade.
E Labareda, à vontade
Não tinha instinto malvado
Principalmente porque
Nunca capava zangado
Desempenhava o trabalho
Metendo o ferro no malho
Como cumprindo um mandado.
Bem-te-vi foi perdoado
Ao vacilar certo dia
Quando mandou Zé Baiano
Pro clube da cornaria
Mas a culpada foi ela,
Foi ferrado o queixo dela
E tudo se arrumaraia.
Lampião seqüestraria
O filho de um fazendeiro
Para devolver o moço
Pediu bastante dinheiro
E só depois de pagar
Coronel podia livrar
O filho do cativeiro.
Um valente cangaceiro
Lampião selecionou
Que fosse de confiança
Pra ir buscar o valor
Conforme dito no trato
Coronel cumpriu exato
E o resgate pagou.
O que Lampião mandou
Pra resgatar a quantia
Foi o cabra Labareda
Capador de covardia
Só que na hora marcada
Prepararam uma cilada
E a coisa se revertia.
Labareda já cumpria
A ordem do capitão
Porém teve, infelizmente,
Interrompida a missão
Com um golpe muito certeiro
Quando já tinha o dinheiro
Escondido no gibão.
Durante a negociação
Tudo pronto, resolvido
Um cabra do fazendeiro
Se encontrava escondido
Sendo o coronel ciente
E assim, sigilosamente,
Foi Labareda seguido.
Sem fazer nenhum ruido
O cabra do fazendeiro
Ouvia, até a quantia
Que ganharia em dinheiro
Se assumisse a empresa
De pregar uma surpresa
Eficaz no cangaceiro.
Labareda com o dinheiro
Bem seguro, empacotado,
Juntamente com um recibo
Devidamente assinado
Se botou estrada a fora
Sem saber que àquela hora
Estava sendo observado.
Em seu cavalo montado
Na direção do sertão
Por uma vereda orlada
De densa vegetação
Entrava em uma estradinha
Ao longo da qual já tinha
Vestígio de habitação.
Com rapidez e ação
De uma onça pintada
O cabra do fazendeiro
Numa ingazeira folhada
O seu golpe desferia
Quando Labareda ia
Sem desconfiar de nada.
Violenta cacetada
Quando Labareda ia
Passando pela ingazeira
Na fronte dele caía
Que rodopiou no vento
Desmaiando até sem tempo
De ver o que acontecia.
Na escuridão sombria
Labareda mergulhou
Sem ter noção no seu sono
De quanto tempo durou
Não sabe quanto dormiu
Desde a hora que caiu
Até quando despertou.
Quando à consciência voltou
Verificou abismado
Que o pacote de notas
Havia sido roubado
Nenhuma nota restava,
Somente o recibo estava
No seu bolso colocado.
E Lampião acampado
Com seu grupo reunido
Estranhando com razão
O tempo já transcorrido
Estava desconfiado
Que o emissor do recado
Tinha desaparecido.
Fitando o refém retido
Lampião foi taxativo:
Se Labareda morrer
Ou mesmo ficar cativo
Uso como reprimenda
Botar fogo na fazenda
E ainda te queimo vivo.
Mandou três cabras ativos
Na casa do fazendeiro
Prá encontrar Labareda
Ou saber seu paradeiro
Ele que não embromasse
E aos seus cabras pagasse
O combinado dinheiro.
Encontraram o cangaceiro
Ainda desacordado
E constataram que ele
Havia sido roubado
Ao descobrir o desmando
Voltaram prá onde o bando
Ainda estava entocado.
Foram para um povoado
Onde o sujeito bebia
Gastando dinheiro a rodo
Muita festa e alegria
Tudo era pago por ele
Sem imaginar que aquele
Era o seu mais negro dia.
Com Lampião também ia
O refém lá da fazenda
Chegaram no povoado
E ao penetrar na venda
Viram o sujeito bebendo
O chefe já foi dizendo
“Cabra safado, se renda!
Cadê aquela encomenda
Roubada lá na vereda,
Contada e bem amarrada
Num grande lenço de seda?
Faz favor de devolver.
Já sabe o que quer dizer
Prestar conta a Labareda?”
O cabra, duro na queda,
Disse: “Sei que estou marcado,
Pelo que ouvi falar
Já sei que vou ser capado.
Mas garanto nesse instante
Que não vou tremer diante
De um cangaceiro safado.”
Comentário pronunciado
Com tanta convicção
Com tanto furor selvagem
E tão voraz decisão
Que criou-se um clima tenso
E provocou um silêncio
No bando de Lampião.
Prá resolver a questão
Labareda respondeu:
“Vou resolver esse assunto
Pois este sujeito é meu.
Vai haver uma disputa
E se alguém morrer na luta
Que seja ele, não eu.”
Quando o cabra se mexeu
Um punhal riscou o ar
Sem que o opositor
Pudesse se desviar;
Com o punhal lhe acertando
O homem caiu roncando
No piso sujo do bar.
O cangaceiro a empunhar
Uma peixeira potente
Cortou a calça do cabra
E o capou prontamente
Erguendo os quibas pro céu
Como se fosse um troféu
Mostrado ao povo presente.
E assim sucessivamente
O cangaço acontecia
As regras eram criadas
E os cabras obedecia
Dá até saudade na gente,
As leis de antigamente
Não servem mais hoje em dia.
Quando o cangaço existia
Toda lei era cumprida
Depois lampião morreu,
Governo, em contra partida,
Foi pouco a pouco mudando
Umas leis abandonando
Outras ficando esquecida.
Presos ou perdendo a vida
Os cangaceiros sumiram
Hoje somente as histórias
De alguns que se descobriram
Outros só o esquecimento,
Não existe documento
Siquer que eles existiram.
Muitas histórias mentiram
A respeito desse povo
Mas a verdade contada
Quando escuto me comovo,
Labareda já sumiu
E se um dia ele existiu
Era bom voltar de novo.
Para capar este povo
Que não gosta de cultura
Discriminando os artistas
Adotando linha dura
Com quem faz artesanato,
Só por que tem um mandato
Herdado na Prefeitura.
Diretora que censura
Provocando desengano
Com formação conseguida
Por político fulano,
Se a lei fosse mais precisa,
Teria sua cara lisa
Ferrada por Zé Baiano.
Se estivesse nesse plano
Lampião e outros mais
Não permitia desvios
Nas câmaras municipais
Dominaria os Estados
Tirava os cabras safados
Das esferas federais.
Os anúncios de jornais
Seriam valorizados
Não trariam nas manchetes
Bandidos engravatados
E políticos rufiões
Não usariam eleições
Prá está mudando de lado.
Já tudo está consumado
Pra mudar agora é tarde
Talvez tentando acertar
O povo é quem faz alarde
E aqui deixo prá vocês
CANGACEIROS 16
O CAPADOR DE COVARDE.
Senhor Lacerda,
Lí, no Jangada Brasil, a MULA
DOIDA DEMAIS. Gostei. Verdade tem
que ser dita, e o Sr. disse com esmero.
Parabéns. Poucos têm tal cora-
gem, poucos dominam a arte de versejar.
Sou apreciador dos cordéis.
Oswaldo Rosa
Analista de sistema
Série Cangaceiros - Volume 16
LABAREDA, O CAPADOR DE COVARDES
CANGACEIROS XVI
O CAPADOR DE COVARDES
No tempo em que no sertão
Ainda não havia estrada
A injustiça era explícita,
Largamente praticada.
Diferente do que era
A injustiça hoje impera
Porém muito disfarçada.
Quando ainda Serra Talhada
Se chamava Vila Bela
Pela beleza serrana
Que havia em volta dela
Retirantes e romeiros
Enfrentavam cangaceiros
Mas não moravam em favela.
Havia muita querela
Entre volante e cangaço,
Ora a polícia vencia
Ora caía em fracasso,
Vez por outra o banditismo
Vencia do coronelismo
Mais uma queda de braço.
Cada lado tinha um traço
De regra e de união
Que seria obedecida
Por todos na facção,
Tinha que haver interesse
E quem desobedecesse
Recebia punição.
Na polícia um capitão
Comandava seus soldados
Os coronéis também tinham
O jagunço, o pau-mandado,
Nas cidades já havia
A corrupção de hoje em dia
De governo a deputado.
O cangaço era formado
Como outra repartição
Comandantes, comandados,
O chefe era um capitão,
E o mais organizado
Era o grupo comandado
Pelo chefe Lampião.
Virgulino, o capitão,
Todo poder exercia
Seu bando era dividido
E ele mesmo dividia,
Mandava para um setor
E o coronel protetor
Ele também escolhia.
O grupo que ele geria
Tinha muita direção
Um era chefe de saque
Outro, chefe de fogão,
Aquele, chefe de arreio,
Esse, chefe de correio,
Outro, chefe de prisão.
Desprovido de noção
Também no mal repartido
Um chefiava os estrupos
Outro matava os maridos
Enfim para todo lado
Tinha alguém mais afamado
Por isso era perseguido.
Até que foi permitido
Mulher na cangaçaria
Quando o chefe Lampião
Se amancebou com Maria
Aí aumentaram os crimes
Devido ao novo regime
Que Lampião permitia.
Quando o bando resolvia
Um povoado assaltar
Mocinha nova e bonita
Que encontrasse por lá
Seria logo estuprada
E depois era obrigada
Ao cangaço acompanhar.
Isso vinha macular
Ainda mais o cangaço
E Lampião resolveu
Controlar esse pedaço,
Quem ali se rebelava
O próprio chefe matava
E esfriava o mormaço.
Mesmo dentro do cangaço
Aumentou o movimento
Cangaceiro com mulher
Se deixasse o acampamento
Ela era perseguida
Terminando essa investida
Em um combate sangrento.
Cada vez mais violento
O grupo de Virgulino
Também o mais perigoso
Pelo sertão nordestino
Até que o chefe do bando
Mostrando que tem comando
Pois fim nesse desatino.
Escolhe dois assassinos
Dos piores do seu bando
Cria mais dois diretórios
Dando a eles o comando
Foi com essa decisão
Que o Chefe Lampião
Resolveu esse desmando.
Passa a ficar vigorando
De modo bem desumano
Mulher que tivesse um homem,
Se corneasse o fulano,
Sem choro, rogo, sem nada,
Tería a cara marcada
Com o ferro de Zé Baiano.
Quem entrava pelo cano
Era o outro namorado
Que corneou o parceiro
Num gesto infame e safado.
Sem desculpa, sem pudor,
Seria o corneador
Por Labareda capado.
Ficou então decretado
Nas caatingas do sertão
Quem fizesse covardia,
Falsidade, traição,
Seria sentenciado:
Ela com o queixo ferrado,
Ele com a castração.
Decreto de Lampião
Quem contestasse morria
Se não gostasse e fugisse
O bando perseguiria
A moda então se espalhou
Outros bandos adotou
E logo se espalharia.
Labareda então seria
O caçador de culhão
Se usasse como troféu
Já encheria um salão
Isso deu ao cangaceiro
Fama no Nordeste inteiro
Do litoral ao sertão.
Mas antes da castração
Havia a penalidade
O juiz era Virgínio
Com responsabilidade
De julgar caso por caso
Sem delonga e sem atraso
E conforme a gravidade.
E Labareda, à vontade
Não tinha instinto malvado
Principalmente porque
Nunca capava zangado
Desempenhava o trabalho
Metendo o ferro no malho
Como cumprindo um mandado.
Bem-te-vi foi perdoado
Ao vacilar certo dia
Quando mandou Zé Baiano
Pro clube da cornaria
Mas a culpada foi ela,
Foi ferrado o queixo dela
E tudo se arrumaraia.
Lampião seqüestraria
O filho de um fazendeiro
Para devolver o moço
Pediu bastante dinheiro
E só depois de pagar
Coronel podia livrar
O filho do cativeiro.
Um valente cangaceiro
Lampião selecionou
Que fosse de confiança
Pra ir buscar o valor
Conforme dito no trato
Coronel cumpriu exato
E o resgate pagou.
O que Lampião mandou
Pra resgatar a quantia
Foi o cabra Labareda
Capador de covardia
Só que na hora marcada
Prepararam uma cilada
E a coisa se revertia.
Labareda já cumpria
A ordem do capitão
Porém teve, infelizmente,
Interrompida a missão
Com um golpe muito certeiro
Quando já tinha o dinheiro
Escondido no gibão.
Durante a negociação
Tudo pronto, resolvido
Um cabra do fazendeiro
Se encontrava escondido
Sendo o coronel ciente
E assim, sigilosamente,
Foi Labareda seguido.
Sem fazer nenhum ruido
O cabra do fazendeiro
Ouvia, até a quantia
Que ganharia em dinheiro
Se assumisse a empresa
De pregar uma surpresa
Eficaz no cangaceiro.
Labareda com o dinheiro
Bem seguro, empacotado,
Juntamente com um recibo
Devidamente assinado
Se botou estrada a fora
Sem saber que àquela hora
Estava sendo observado.
Em seu cavalo montado
Na direção do sertão
Por uma vereda orlada
De densa vegetação
Entrava em uma estradinha
Ao longo da qual já tinha
Vestígio de habitação.
Com rapidez e ação
De uma onça pintada
O cabra do fazendeiro
Numa ingazeira folhada
O seu golpe desferia
Quando Labareda ia
Sem desconfiar de nada.
Violenta cacetada
Quando Labareda ia
Passando pela ingazeira
Na fronte dele caía
Que rodopiou no vento
Desmaiando até sem tempo
De ver o que acontecia.
Na escuridão sombria
Labareda mergulhou
Sem ter noção no seu sono
De quanto tempo durou
Não sabe quanto dormiu
Desde a hora que caiu
Até quando despertou.
Quando à consciência voltou
Verificou abismado
Que o pacote de notas
Havia sido roubado
Nenhuma nota restava,
Somente o recibo estava
No seu bolso colocado.
E Lampião acampado
Com seu grupo reunido
Estranhando com razão
O tempo já transcorrido
Estava desconfiado
Que o emissor do recado
Tinha desaparecido.
Fitando o refém retido
Lampião foi taxativo:
Se Labareda morrer
Ou mesmo ficar cativo
Uso como reprimenda
Botar fogo na fazenda
E ainda te queimo vivo.
Mandou três cabras ativos
Na casa do fazendeiro
Prá encontrar Labareda
Ou saber seu paradeiro
Ele que não embromasse
E aos seus cabras pagasse
O combinado dinheiro.
Encontraram o cangaceiro
Ainda desacordado
E constataram que ele
Havia sido roubado
Ao descobrir o desmando
Voltaram prá onde o bando
Ainda estava entocado.
Foram para um povoado
Onde o sujeito bebia
Gastando dinheiro a rodo
Muita festa e alegria
Tudo era pago por ele
Sem imaginar que aquele
Era o seu mais negro dia.
Com Lampião também ia
O refém lá da fazenda
Chegaram no povoado
E ao penetrar na venda
Viram o sujeito bebendo
O chefe já foi dizendo
“Cabra safado, se renda!
Cadê aquela encomenda
Roubada lá na vereda,
Contada e bem amarrada
Num grande lenço de seda?
Faz favor de devolver.
Já sabe o que quer dizer
Prestar conta a Labareda?”
O cabra, duro na queda,
Disse: “Sei que estou marcado,
Pelo que ouvi falar
Já sei que vou ser capado.
Mas garanto nesse instante
Que não vou tremer diante
De um cangaceiro safado.”
Comentário pronunciado
Com tanta convicção
Com tanto furor selvagem
E tão voraz decisão
Que criou-se um clima tenso
E provocou um silêncio
No bando de Lampião.
Prá resolver a questão
Labareda respondeu:
“Vou resolver esse assunto
Pois este sujeito é meu.
Vai haver uma disputa
E se alguém morrer na luta
Que seja ele, não eu.”
Quando o cabra se mexeu
Um punhal riscou o ar
Sem que o opositor
Pudesse se desviar;
Com o punhal lhe acertando
O homem caiu roncando
No piso sujo do bar.
O cangaceiro a empunhar
Uma peixeira potente
Cortou a calça do cabra
E o capou prontamente
Erguendo os quibas pro céu
Como se fosse um troféu
Mostrado ao povo presente.
E assim sucessivamente
O cangaço acontecia
As regras eram criadas
E os cabras obedecia
Dá até saudade na gente,
As leis de antigamente
Não servem mais hoje em dia.
Quando o cangaço existia
Toda lei era cumprida
Depois lampião morreu,
Governo, em contra partida,
Foi pouco a pouco mudando
Umas leis abandonando
Outras ficando esquecida.
Presos ou perdendo a vida
Os cangaceiros sumiram
Hoje somente as histórias
De alguns que se descobriram
Outros só o esquecimento,
Não existe documento
Siquer que eles existiram.
Muitas histórias mentiram
A respeito desse povo
Mas a verdade contada
Quando escuto me comovo,
Labareda já sumiu
E se um dia ele existiu
Era bom voltar de novo.
Para capar este povo
Que não gosta de cultura
Discriminando os artistas
Adotando linha dura
Com quem faz artesanato,
Só por que tem um mandato
Herdado na Prefeitura.
Diretora que censura
Provocando desengano
Com formação conseguida
Por político fulano,
Se a lei fosse mais precisa,
Teria sua cara lisa
Ferrada por Zé Baiano.
Se estivesse nesse plano
Lampião e outros mais
Não permitia desvios
Nas câmaras municipais
Dominaria os Estados
Tirava os cabras safados
Das esferas federais.
Os anúncios de jornais
Seriam valorizados
Não trariam nas manchetes
Bandidos engravatados
E políticos rufiões
Não usariam eleições
Prá está mudando de lado.
Já tudo está consumado
Pra mudar agora é tarde
Talvez tentando acertar
O povo é quem faz alarde
E aqui deixo prá vocês
CANGACEIROS 16
O CAPADOR DE COVARDE.
Senhor Lacerda,
Lí, no Jangada Brasil, a MULA
DOIDA DEMAIS. Gostei. Verdade tem
que ser dita, e o Sr. disse com esmero.
Parabéns. Poucos têm tal cora-
gem, poucos dominam a arte de versejar.
Sou apreciador dos cordéis.
Oswaldo Rosa
Analista de sistema
Série Cangaceiros - Volume 16