(Trechos do Cordel)
CORISCO, O DIABO LOIRO

CANGACEIROS XV
  O DIABO LOIRO


A história do cangaço
Ninguém consegue acabar
Quando se conta uma história
Sempre há outra prá contar
Marcando um tempo passado
No presente registrado
Na cultura popular.
    
É preciso cultivar
 Histórias que já passaram
 Desfechos, sagas, vitórias,
  Se venceram ou fracassaram
  Quem nunca saiu dos trilhos
  Quem vislumbrou tantos brilhos
  Ou a brilhar se ofuscaram.

Nossos poetas levaram
A história muito a sério
Com enfeites, com figuras,
Cada um a seu critério,
Mais vale ser registrado
Do que ver nosso passado
Terminar no cemitério.


Gangaço levado a sério
É o resgate da história
Dessa luta nordestina
Sem futuro, sem vitória
Que tornou-se uma atração
Nos festejos de São João
Denegrindo sua memória.
    
Nordeste já foi história
    Com Antonio Conselheiro
    No seco solo baiano
    Doutrinando um povo ordeiro
    Vítima da fúria insana
    Da força republicana
    Do Exército Brasileiro.

Do período cangaceiro
Muitos nomes são lembrados
Uns heróis, outros bandidos,
Alguns pouco comentados
Com exóticos apelidos
Nomes jamais esquecidos
Outros bastante adorados.
    
Um dos nomes mais lembrados
    Do cangaço nordestino,
    Nascido nas Alagoas,
    Amigo de Virgulino,
    No vale do São Francisco
    Apelidado CORISCO    
    Mas o nome era Cristino.

Um perigoso assassino
Foi moldado no sertão
Cristino G. Silva Cleto
De Salgado do Melão
Em Matinha de Água Branca
Mais firme que alavanca,
Mais feroz que Lampião.
    
Não se tem exatidão
    Do ano que ele nasceu
    Sabe-se que em vinte e oito
    Muito jovem, conheceu
    Sérgia, mulher de seus planos
    Com apenas treze anos
    Daí tudo aconteceu.

Sérgia também se envolveu
Com o cangaceiro Cristino
Sendo estuprada por ele
Assumindo seu destino
Passou a ser sua amada
E a mulher mais comentada
No cangaço nordestino.
    
Se eu digo Sérgia e Cristino
    Falo em Corisco e Dadá
    Mas não é da mulher dele
    Que eu pretendo falar
    O assunto é o cangaceiro
    Dos chefes o derradeiro
    Até o cangaço acabar.

A companheira Dadá
Afirma com exatidão
Que Corisco também era
Diabo Louro, Alemão,
Tido como violento,
Bandido sangüinolento
Mas tinha bom coração.
    
Mesmo sem ter certidão
    Que ao ser humano compete
    No dia 10 de agosto
    Mil, novecentos e sete
    Noite fria, chuva fina,
    Sua mãe, Dona Firmina
    Deu luz a esse pivete.

Nada em casa lhe compete
Com tudo ele se aborrece
Por isso aos catorze anos
De casa desaparece
Atrás da felicidade
Só topa dificuldade
E volta quando adoece.
    
Em vinte e quatro acontece
    Do Exército lhe chamar
    Segue para Aracaju
    Afim de se apresentar
    Se mete em rebelião
    E foge como um ladrão
    Do serviço militar.
   
Um dia estando a dançar
Num baile de interior
Chama uma jovem pra dança
Porém ela recusou
Ele insiste com a donzela
Mas vem um parente dela
E a Cristino esmurrou.
    
Se retira com furor
    Vai à casa do patrão
    Pega uma espingarda
    E volta na ocasião
    Furioso e decidido
    Mata o que havia lhe agredido
    E foge pelo sertão.

O morto na confusão
Era cabra protegido
Do coronel da cidade
Por isso foi perseguido;
Se assim era o regime
Esse seu primeiro crime
Fez nascer mais um bandido.
    
Algum tempo foragido
    Vagando pelo sertão
    Um coronel fazendeiro
    Dá-lhe apoio e proteção;
    Por gozar de bom conceito
    Dias depois é aceito
    No bando de Lampião.

Firme determinação
Foi Cristino demonstrando
Num subgrupo que tinha
Jararaca no comando
Atento, afoito e arisco,
Com pouco tempo Corisco
Já tinha seu próprio bando.
    
Anos vinte começando
    Até o ano trinta e quatro
    O bando de Lampião
    Se desdobrou pelo mato
    Adotando outro regime
    Uns mais afeitos ao crime
    Outros melhores no assalto.

Os novos grupos, de fato,
Lampião fazia o plano
Distribuía a Corisco,
Moita Brava, Mariano,
A Português, Zé Sereno,
A Jararaca e Moreno,
Labareda e Zé Baiano.
    
Contava trinta e dois anos
    Alto, forte e alourado
    Com tratos finos de branco
    Por Corisco apelidado
    Pelo modo de atuar
    E rapidez de acabar
    Com um desafeto encontrado.

Fez a vez de advogado
Pela honra masculina
Num caso de adultério
Na caatinga nordestina
Que envolve um chefe de bando
Um cabra do seu comando
E a cangaceira Cristina.
    
Ela era a concubina
    Do bandido Português
    E o traiu com Getirana,
    O corno, por sua vez
    Sem pensar fez a besteira
    De contratar Catingueira
    Para vingá-lo de vez.

Com a confusão que se fez
Catingueira foi chamar
Getirana para uma
Conversa particular
Estava formada a intriga
Mas Corisco entrou na briga
Tentando tudo acabar.
    
E formou-se um ba-fa-fá
    Com grito prá todo lado
    Maria Bonita querendo
    Que o corno fosse vingado
    Corisco tudo desfez
    E terminou Português
    Sendo desmoralizado.

“Aqui ninguém é culpado
Porque não há compromisso
Eles não eram casados,
Deixem desse reboliço,
Não precisa de querela
Que ela deu o que era dela,
Ninguém tem nada com isso.
    
Não precisa precipício
    Cada um cuida do seu
    Getirana é do meu bando
    E do que é meu cuido eu.”
    O caso solucionado
    Foi cada um pro seu lado
    E tudo se resolveu.

Mas Português não se deu
Por vencido na parada
E algum tempo depois
Cristina, despreocupada,
Esqueceu-se da vingança
Afrouxou a segurança
Findou sendo assassinada.
    
Certa feita numa estrada
    Despreocupadamente
    Um certo José de Tal
    Cavalgava alegremente
    Numa bestinha montado
    Seu velho corpo cansado
    Suando na terra quente.

Deparou-se à sua frente
Com Corisco e Lampião
Corisco já foi prá cima
Lhe derrubando no chão
E tomando a montaria,
O velho revidaría
E formou-se a confusão.
    
Rolaram os dois pelo chão
    Sem o velhote afrouxar,
    Tudo que ele possuia
    Tavam querendo tomar
    Lampião veio intervir
    Mandou Corisco sair
    Deixasse o velho prá lá.

Corisco ao se levantar
Disse ao outro com prazer,
“Pode ir embora, meu velho,
Leve a besta com você,
Pessoa que não se rende
Cangaceiro não ofende
Assim, sem que nem prá que.
    
Esse era o proceder
    Do diabo louro Corisco,
    Mais bravo e cavalheresco,
    Mais confiante e arisco,
    Dedicava lealdade,
    Se fazia atrocidade
    Assumia todo risco.

Se afastou do São Francisco
Com mais algumas pessoas
Foi cumprir uma missão
No Estado de Alagoas
Nessa jornada assaltava
Muitos sítios atacava
Fazia poucas e boas.
    
Quando estava em Alagoas
    Por um lampejo da sorte
    Lampião foi atacado
    Por uma volante forte
    Ele, Maria, Enedina,
    Mais oito, numa chacina,
    Se encontraram com a morte.

Corisco e sua consorte
Ao saber do acontecido
Jurou vingar Lampião
E saiu enfurecido
Procurando, investigando,
Aqui ali perguntando
Quem tinha o chefe traido.
    
Joca Bernardo, um bandido,
    Prá se livrar da prisão,
    Mostrou o esconderijo
    Do bando de Lampião,
    Depois culpou um coiteiro,
    Zé Domingo, um fazendeiro,
    De ter feito a traição.
       
Pela Lei de Talião
Corisco saiu regido
Juntou sua cabroeira
Chegou sem fazer ruido
E executou sem clemência
Velho, mulher, descendência,
Num furor descomedido.
    
Dadá lhe fez um pedido
    Que era pra ele poupar
    Uma que amamentava
    Ele resolve acatar
    Mas que ela presenciasse
    Tudo que ele praticasse
    Pra depois saber contar.

Então resolve cortar
A cabeça dos demais
Colocou tudo num saco
Mandou pros policiais
Num gesto desaforado
E um bilhete assinado
Com acintes imorais.
    
“Façam com esse comensais
    Uma gostosa fritada,
    As mulheres que matei
    Foram duas, bem contadas,
    Não são nossas, eram suas,
    Para vingar nossas duas
    Em Angico assassinadas.

Ficam as horas contadas
Do cangaço nordestino,
Corisco agora era o rei
De uns poucos assassinos
Que foram desanimando
Uns morrendo, outros ficando,
Cumprindo o cruel destino.
    
No sertão o desatino
    Cotinua a imperar,
    O cangaço em Pernambuco
    Começa a se fracionar
    No Rio Grande esmorece
    Na Paraiba enfraquece
    Se acaba no Ceará.

Bahia passa a atacar
Com maior desenvoltura
Sergipe mais Alagoas
Leva o cangaço à loucura
Esse tal procedimento
Deixa Corisco violento
Sem pudor e compostura.
    
Se integra com mais bravura
    Defendendo seu reinado
    Outubro de trinta e nove
    Num combate é alvejado
    Fica um homem sem ação
    De um lado perde uma mão
    Do outro um braço atrofiado.

Vendo seu homem aleijado
A cangaceira Dadá
Continuou sua luta
Sendo a primeira a portar
Um fuzil de longo alcance
E a única que teve chance
De um bando comandar.
    
É preciso comentar
    Para ficar registrado
    O que sobrava em beleza
    De Corisco, o bem dotado,
    Faltava em diplomacia
    Nos modos que possuia
    Para com seus comandados.

Se sentindo abandonado
Ver seu bando dissolvido
Corta seus longos cabelos
Pra não ser reconhecido
Resolve mudar de vida
Com sua Dadá querida
E deixar de ser bandido.
    
Com o dinheiro conseguido
    No tempo de bandoleiro
    Comprou um pequeno sítio
    Vestiu roupa de vaqueiro
    E apoiou quem viesse
    Lhe procurar e quisesse
    Continuar cangaceiro.

Com isso seu paradeiro
Não tardou se descobria
Em Brotas de Macaubas
No Estado da Bahia
Com roça, galinha e gado
Pequeno sítio formado
Onde o casal residia.
    
Mas a polícia inicía
    Grande cerco de emboscada
    Potentes metralhadoras
    Muitas armas disparadas
    Bala em toda direção
    Corisco cai sem ação
    Com as tripas penduradas.

Dadá saiu baleada
E teve um pé amputado
Cidade Jeremoabo
Corisco foi sepultado
Depois a cova violada
Sua cabeça cortada
Também um braço arrancado.
    
Tendo a Justiça alegado
    Durante a exumação
    Que os órgãos iam a estudo
    Mas foram prá exposição
    Sua cabeça ficou
    Num museu de Salvador
    Ao lado de Lampião.

Dadá em sua solidão
Prá todo mundo dizia
Que no dia do ataque
O que a polícia queria
Não era só lhes matar
Pois foram lá prá roubar
Tudo que eles possuia.
    
Depois ela encontraria
    Alguém com quem se casou,
    Os três filhos com Corisco
    Nenhum ela abandonou
    Desencarnou destes planos
    Com setenta e oito anos
    Num bairro de Salvador.

Corisco hoje virou
Lenda por todo sertão
Cristino ninguém conhece
Como Sérgia também não
A Cultura Popular
Fez questão de registrar
Diabo Louro e Lampião.
    
Dadá, Luiz Mansidão,
    Volta Seca, Cajueiro,
    Maria Bonita, Enedina,
    Jesuino, Zé Granjeiro,
    Massilom, Pilão Deitado,
    São apelidos herdados
    Do tempo dos cangaceiros.

         
    Senhor Lacerda,
           
             Lí, no Jangada Brasil,
a MULA DOIDA  DEMAIS. Gostei.
Verdade tem que ser dita, e o Senhor
disse com esmero.                
            Parabéns. Poucos têm tal
coragem, poucos dominam a arte
de versejar.             
            Sou apreciador dos cordéis.
                
       Oswaldo Rosa
        
            Analista de Sistemas



Se afastou do São Francisco
Com mais algumas pessoas
Foi cumprir uma missão
No Estado de Alagoas
Nessa jornada assaltava
Muitos sítios atacava
Fazia poucas e boas.

Quando estava em Alagoas
Por um lampejo da sorte
Lampião foi atacado
Por uma volante forte
Ele, Maria, Enedina,
Mais oito, numa chacina,
Se encontraram com a morte.

Corisco e sua consorte
Ao saber do acontecido
Jurou vingar Lampião
E saiu enfurecido
Procurando, investigando,
Aqui ali perguntando
Quem tinha o chefe traido.

Joca Bernardo, um bandido,
Prá se livrar da prisão,
Mostrou o esconderijo
Do bando de Lampião,
Depois culpou um coiteiro,
Zé Domingo, um fazendeiro,
De ter feito a traição.
Série Cangaceiros - Volume 15
Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 06/08/2008
Reeditado em 09/08/2014
Código do texto: T1114902
Classificação de conteúdo: seguro
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