CORDEL & CORDÉLIA
Bem à vista de Deus
O Diabo inventou
Como botões de flor
Esses olhos teus
E por eles achou
De botar-me um feitiço
De latitude e enguiço
E nomeado Amor
Que me deu danação
De correr 'trás de ti
E de só escutar não
De cansar de pedir
E me fui muito à míngua
Num murchar de repolho
Diz me doutor, dá cá lingua
Deixa-me ver a quentura
Que a vida antes se extingua
Nesse faltar de ternura
Num muxoxo de encolho
Chamou índio pajé
Mulher de cafuné
Cafunguei um rapé
Foi que dor deu no pé
Num avisto de ver
Tua presença majesta
Que faz nego querer
Do que é bom o que não presta
Totonho, amigo de infância,
Deu de rir do meu mole
Se engasgou numa ânsia
Por me ser quase um fole
E diz que foi viração
De me ver feito enguia
Em redor do teu chão
Em que reinava e sorria
Que num levante de olhos
Do meu crânio os meus
Como um barco em abrolhos
Se arrebentaram nos seus
E de rir deu-se ela
E nem de pena e de dó
Feito ver da janela
O milho morrer na mó
Num repente relance
Céu virou foi de ponta
Num percebo de instante
Um fato de grande monta
O Diabo cansado
De ver guizo em coió
Reverteu o causado
E já me senti melhor
Feito ereta vareta
Num desprezo ao vento
Foi-se lá da ampulheta
O castigoso tormento
E um ganido de cã
Saltou-me logo ao ouvido
Quase feito uma rã
Grudou-se no meu umbigo
Mais que admirado
E sem ranzinza sequela
Vi que amor é um fado
Que na voz se esgoela
E mui forte de nada
No sentido de tudo
Relancei à amada
Um linguado de mudo
E a tirana e ardida
E tramoiosa paixão
Já não mais me ardia
O lenho do coração
Pois o Diabo, sestroso,
Já nem-nem-nem de jogar
N'amarelinha do gozo
Sozinho pôs-se a brincar
E dois largados qual pipa
Sem brisa pra se erguer
Foi num escoro de ripa
O levantar pra se ver
E no entender dos humanos
Que em sina cabe a nós
Um lá miudinho plano
Se esqueletou numa voz
Que foi desculpa aceita
De cá pra lá e pra cá
Na massa razão cinzenta
Que tino certo nos dá
E um no abraço do outro
Sem desquerer do vivido
Num declarar de ser louco
Que ao louco só faz sentido
De mãos juntadas pro céu
Por tão de amor já com ela
Um beijo dei, eu, Cordel,
Na minha amada Cordélia.