UMA RECENTE VISITA DE LAMPIÃO A JESUS

José Pacheco da Rocha,

Cordelista renomado

Narrou Lampião no Céu

E o quiprocó formado,

Santa brigou de cacete,

Santo apanhou de porrete,

Foi um fato inusitado.

Mas isso foi no passado

Quando existia pureza

Hoje a coisa é diferente

Pra nossa maior tristeza

Pois tudo que o homem faz

Vez por outra Satanás

Muda sua natureza.

Onde havia realeza

Tem vaca louca e chifrudo

As escolas que educava

Já não tem mais conteúdo

No lugar de educação

Se ver alienação

Tomando conta de tudo.

Porém, trocando em miudo

Esse fato acontecido

Lampião voltou no Céu

E até foi bem recebido

Mesmo em seu traje esquisito

Os porteiros do Infinito

Não rejeitaram o bandido.

São Pedro estava entretido

Em uma reunião

Manda o paciente Jó

Atender a Lampião

Esse não criou impasse

Mandou que ele esperasse

E lhe apontou um salão.

Reconduziu Lampião

A um pátio cheio de luz

Lhe dizendo: - Vou serví-lo

Pois pra isso me propus.

Lampião disse: - É perdido

Pois vim aqui decidido

A conversar com Jesus.

O santo fazendo jus

À paciência que tem

Disse: - O Senhor tá ocupado

Mas logo mais ele vem.

Fique aqui nesta pracinha

Pode dar uma voltinha,

De repente encontra alguém.

Lampião disse: - Apois bem,

Num estou mesmo avexado!

Arrodeou a pracinha

Viu um altar enfeitado

Com muitos anjos voando

E entre os santos rezando

Viu Jararaca ajoelhado.

Soltou um grito abafado

Chamando sua atenção

Jararaca alegremente

Veio em sua direção

Na surpresa dessa hora

Lhe perguntou sem demora:

O que faz aqui, patrão?

Notícias do meu sertão,

Será que podes me dar?

Lampião disse: - Num posso,

Faz tempo que vim de lá.

Também Corisco e seu bando

Um a um foram chegando

A última foi Dadá.

Disse que as coisas por lá

Tá tudo bem diferente

Tem gente virando bicho

Tem bicho virando gente

E antes que fique mais sério

Preciso levar um lero

Com Jesus Onipotente.

Jararaca, de repente,

Disse: - Posso resolver.

Me acompanhe por aqui

Onde ninguém possa ver

Espere neste cipestre

Que eu vou buscar o Mestre

Prá conversar com você.

Tratou de se escafeder

Entrou por um corredor

Depois voltou com o Mestre

Onde Lampião ficou

O cangaceiro assustado

Caiu no chão ajoelhado

Aos pés de Nosso Senhor.

Jesus o abençoou

Com sua benevolência

Perguntou-lhe o que queria

E ele cheio de crença

Respondeu-lhe: - Eu vim aqui

Como amigo pra pedir

Sua piedade e clemência.

Não quero pedir licença

Pra ficar no Paraiso

Pois aqui é muito lindo

Mas não tem o que preciso

E também não volto mais

Pra casa de Satanás.

Já chega de prejuizo.

Tá um dia de juizo

No Reino do Escomungado,

Não há ninguém que se entenda

Tem até diabo veado

Toda maldade se encerra

Pior que lá só na Terra

Onde o caos está formado.

Jesus, muito admirado,

Perguntou surpreendido:

- Tu quer dizer que na Terra

O mundo tá remexido?

- Ave Maria, meu santo!

É morte por todo canto

E o que se ver é bandido!

Senhor tá surpreendido

Porque isso lhe convém,

Na Celestial Mansão

Só entra gente de bem,

Se aqui tá bem comportado

O inferno tá lotado,

Lá não cabe mais ninguém.

Quem não está no além

Tá lá na Terra sofrendo

O Diabo amassando o pão

O trabalhador comendo

Religião se acabando

Todos os rios secando

E as geleiras derretendo.

Pelo jeito que eu tô vendo

Vai ser uma calamidade

Por isso vim lhe pedir

Que use sua autoridade

Para os homens do poder

Ser mais justo e promover

Justiça e moralidade.

Se falava em liberdade

No tempo da ditadura

Hoje não tem nada disso

Mas continua a frescura

Parece até que este mundo

Mergulhou num caos profundo

E a vida virou loucura.

Em vez da tal de cultura

Tão promovendo atentado

É guerra, seqüestro, fome,

Vulcão, enchente, tornado

Desemprego, violência,

Corrupção, indecência,

Se espalham por todo lado.

Os jovens alienados

Não pensa em melhores dias

Só querem saber de droga,

De baderna, de orgia,

Aprendendo coisa errada

Felipão, Saia Rodada

Dizendo pornografia.

É tanta demagogia

Jurando santa inocência

Na política o que tem mais

É ladrão de consciência

Mantendo o povo carente

Enganado e dependente

Dos programas de assistência.

Empresários de potência

Que lucram com a pobreza

Apoiam esses políticos

Pensando só na riqueza

Conta bancária crescendo

E o povão padecendo

Sem ter comida na mesa.

Bom Senhor, tenha certeza,

É tão grande a impunidade,

Quem é rico pinta e borda

No sertão ou na cidade

Porém nada lhe acontece,

Pois só o pobre conhece

O rigor da autoridade.

Banditismo é sociedade,

Religião é comércio

Igreja é salão de dança,

Tradição é retrocesso,

Mulher com mulher sarrando,

Homem com homem casando,

Chamam isso de progresso.

Por isso, Senhor, eu peço,

Desmanche aqueles babado!

Mas não volte lá na Terra,

Resolva cá desse lado.

Se o Senhor for lá agora

Vai morrer antes da hora

De ficar crucificado.

Por favor, dê um recado

A um antigo parceiro,

O meu padim Padre Ciço.

Diga a ele que os romeiros

Cada dia mais resmunga,

Pois tem um tal de Seu Lunga

Mandando no Juazeiro.

E aquele converseiro

Se adentrou por outro tema

O falatório foi longo

Mas a noite foi pequena.

Foi um sonho, eu acordei,

Juntei tudo que sonhei

Pra fazer este poema.

Literatura, cinema,

Arte cênica ou invenção,

Compõem estórias bonitas

Envolvendo Lampião.

Rever, reler, dá prazer.

Devo agora agradecer

A quem prestou atenção.

Série Cangaceiros – Vol. XX

Cordel nº 95, Escrito pelo

Prof. José M. Lacerda

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 28/06/2008
Reeditado em 09/08/2014
Código do texto: T1055506
Classificação de conteúdo: seguro
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