Tô Fora!...
Coca-Cola e Tevelisão
Compadre Lemos
Sêo Dotô das incelença,
Mi adiscurpe eu falá:
Cê nun venha mi imbromá,
Queu nun tenho paciênça.
Eu nun cunheço a Ciênça,
Eu só sei do meu Sertão.
Pego cobra cum a mão
Boto drento da sacola...
Eu nun tomo coca-cola,
Nem vejo tevelisão!
Mar nun troco essa sabença
Pru toda sua curtura.
Um taco de rapadura
Vale mais qui prepotença!
Antonce, cê mi dispensa,
E nun mi prenda mais não,
Eu vorto pro meu turrão
Que é lá, a minha iscola...
Eu nun tomo coca-cola,
Nem vejo tevelisão!
Dinoite, dispois da janta,
Nóis vai tudo é pu terrêro.
Se achega um violêro
E junto dêle nós canta!
A lua inté si ispanta
Cum a nossa inspiração
Qui beleza de serão,
Cum os velso qui nóis bola...
Eu nun tomo coca-cola,
Nem vejo tevelisão!
Seu Dotô, assunta bem:
Eu tomo leite e café,
Tomo água, no coité,
E garapa, no ingén.
Mar nun provo desse trem,
Qui é preto, qui ném caivão
Pru móde a borbuiação
Qui os gragumilho si imbola...
Eu nun tomo coca-cola,
Nem vejo tevelisão!
Pois eu vejo é vaquejada
E as boa Canturia,
Vejo o sór nascê di dia,
E as noite inluarada!
Vejo as moça, bem trajada,
Cumpanhano as procissão,
Vejo o povo do Sertão
Carente de pão e iscola...
Eu nun tomo coca-cola,
Nem vejo tevelisão!
Um dia, lá na cidade,
Eu caí nessa bestêra!
Na casa de um cumpade,
Tem a bicha, uma doidêra!
Eu vi tanta disgracêra
Qui falei, pus meu butão:
Isso é coisa de Deus não!
Nun resorve e nem consola...
Eu nun tomo coca-cola,
Nem vejo tevelisão!
No tar de Istaduzunido,
É Relegião do povo,
Todo mundo, véio e novo,
Bebe êss trem disixabido!
É artista, é bandido,
É pade, é crente, é irmão,
Toma coca de montão,
Mais, se eu bebo, a güela isfola...
Eu nun tomo coca-cola,
Nem vejo tevelisão!
Pois nun é qui nêsse dia,
Lá na casa do Cumpade,
Eu fui vê a nuvidade
E mi fizero arrilia?...
O tevelisão dizia:
"Coca cola é munto bão!"
Eu saí, de supetão,
Essa mintira nun cola...
Eu nun tomo coca-cola,
Nem vejo tevelisão!
Essa nossa mudernage
Tá tudo falano ingrêz!
Iés, mái love, oquêi, belêz,
Neversáro é vernisságe!
Mais aqui, nessas parage,
Inda nun tem disso não!
Nóis nun usa esses refrão
Pruquê sinão nóis atola...
Eu nun tomo coca cola,
Nem vejo tevelisão!
Imagina um cabra macho
Chegano numa budega:
Chega no barcão e pega
Um vrido desse diacho!...
Cê qué sabê o queu acho?
Só farta istendê a mão
I caçá pogramação
Nêsse aparêio gabola...
Eu nun tomo coca cola,
Nem vejo tevelisão!
Apois eu, quano lá chego,
Tomo logo é uma lapada
Duma pinga bem tratada
Qui dá calô e aconchêgo!
Pogramação é o sussêgo
Dos barúi do meu Sertão:
O canto dôce e chorão,
De um sabiá na gaiola...
Eu nun tomo coca cola,
Nem vejo tevelisão!
Cumpade, fala dereito,
O bão mêrmo é fejuada,
Um tropêro cum rabada,
Qui dá sustança nos peito!
Fico munto sastifeito,
Cas cumida do sertão!
E, pra bebê, um copão
De suco de graviola...
Eu nun tomo coca cola,
Nem vejo tevelisão!
Eu visto é carça de brim,
Dos antigo, da Polista!
Eu gosto mais dos artista
Do sertão, afinadin!
Pois roque nun é pra mim
Ingrêis eu nun falo não!
Pá bebê, é só quentão,
Ô pinga, cum carambola...
Eu nun tomo coca cola,
Nem vejo o tevelisão!
O tevelisão ligado,
A gente só vê porquêra,
Indecênça, disgracêra,
Desse mundo atrapaiado!
Os meus fi é inducado
Na viola e violão,
No repente, no rojão
De um cantadô pachola...
Nóis nun toma coca cola,
Nem nun vê tevelisão!
Pois eu pesco todo dia,
Traíra, piau, pacu,
Robalo, bagre, pitu,
Curimatã cobra e jia,
Lambari vem na rudia,
Carangueijo vem na mão,
Curvina tem de montão,
Sem contá siri patola...
Eu nun tomo coca cola,
Nem vejo tevelisão!
Pra bêra dágua eu carrego
Pinga boa, do lugá
Serena, Chorona, Ingá,
Sete Poste e Nêgo Cego,
Graviúna e Caixa Prego,
Geraldina e Pirdição,
Providênça e Cunceição,
Tira gosto é graviola...
Mai nun tomo coca cola,
Nem vejo tevelisão!
Mi adiscurpe, ocê, qui gosta,
Si quisé, pode gostá!
Mai num vem mi cunvidá
Pru que si não perde a posta.
Leva logo uma resposta
Cum farta de inducação:
Pru favô, nun isiste não,
Sarta fora, num mi amola...
Queu nun tomo coca cola
Nem vejo tevelisão!
