Minha Mulé
O Depoimento de Um Marido Apaixonado
Compadre Lemos
Os home, quano se ajunta,
Tem uns assunto acertado:
É a seca, o só danado
Isturricano o Sertão.
Ô intonce, é deferente,
Se chove, lá vem inchente,
Distruíno prantação!
Si é dia de dumingo,
A cunvérsa é prazentêra!
Intonce ês carça a chutêra
E fala de futibó.
"O Framengo, o Fruminense
Impatô cum o Fribuguense
Mai o Vasco é mais mió..."
Mai tem, porém, um assunto
Qui ês fala é toda hora,
Tirano suas sinhora,
Só uma coisa êles qué:
"Fulana virô galinha"
"Sicrana tá gostosinha"
"Vamo falá de mulé!!!"
Mai, veja bem, Sêo Dotô,
Si eu nun tô cum a rezão:
Ês fala assim, de montão,
Cum tom de vóiz bem marôto,
Di tudo quanto é mulé.
E fala o qui quizé...
Mai só das mulê dos ôto!
Das dêles, nun fala não,
A móde o tár de respeito.
Nun tem bunda, nun tem peito,
Parece até pé de pau!
"Minha mulé é uma santa
Faz café, armôço e janta
E nunca procede mau!"
Já eu, sô bem deferente
Nun faço cuma êles qué!
Eu amo minha mulé
E gosto de falá dela.
Falá de mulé alêia
É pirigo, dá cadeia,
Arrisca isticá as canela!
Minha mulé eu cunheço
In derna de rapaizin,
Pois nós dois era vizin,
Nos tempo de mucidade.
Crescemo junto, brincano,
A amizade virano
Aos pôco, amô de verdade!
Dispois qui eu mudei de vida,
Assumino o meu papé,
Rosinha do Coroné
Arresorveu mi aceitá.
O pai dela inté fêz gosto,
Cunsentimento foi posto
E garremo a namorá!
E namoremo bastante...
Inté qui um dia, casemo.
Um festão intonce demo
A móde o povo brincá.
Foi cumida e canturia,
Inté o raiá do dia,
Mai nós nun pôde isperá!
Saímo da festa, ansin,
Cuma qui meio iscundido,
Pois nóis tava cum sintido
De aquietá o coração.
E cum os desejo in brasa,
Nóis vortemo foi pra casa,
Pá cumpri a obrigação!
E cumeçô, nêsse dia,
A tár da filicidade!
Era amô, era amizade,
Ternura, chêro e carin!
Eu tive, intonce, a certeza
Quessa vida de beleza
Nunca mais ia tê fim!
Nóis morava numa casa
Qui o Coroné fez pra nóis!
Eu tinha mando de voiz,
Na vaquerama de gado!
Trabaiava o dia intêro
De capataz dos vaquêro
Era muito arrespeitado!
Mais quando chegava in casa,
Pra minha sastifação,
Uma ôta obrigação
Mais mió já mi isperava!
Pois, nos braço de Rosinha,
A vida era ingualzinha
Àquela, qui nós sonhava!
Dessa obrigação cumprida,
Ripitida todo dia,
Nós formemo uma famia
E sete fiin nasceu.
Mai o amô continua
E, se tem noite de lua,
É eu mais ela, ela e eu!
Mai o tár do casamento
Vai achano seus camim.
A gente chega, pur fim,
A cunhecê unzanzôto.
E ansim, no dia a dia,
Vai aprendeno as mania
Inquanto nasce os garôto!
Minha mulé, purinzêmpro,
É braba feito serpente!
E é muito intiligente
Discobre as coisa é no á.
Nun adianta eu minti,
Qui pá ela adiscubrí,
Nun percisa nem contá!
Se ôta surri pra mim,
Di longe, ela já viu!
E, cuma é curto o pavíu,
Já cumeça a confusão.
Eu, sem tê curpa de nada,
Tenho que topá parada
E sofro, sem percisão!
E ôta mania dela
É de nun guardá segrêdo.
Às veiz, inté tenho mêdo
De certas coisa contá.
Ela acha qui é verdade
Ispáia pela cidade
E eu tenho que cunfirmá!
Isturdia, eu contei
Um causo, de brincadêra.
E caí foi na bestêra
De dexá ela iscuitá.
Apois, sim, no ôto dia,
Todo mundo já sabia...
E eu sem pudê prová!
Mai ela tem as vantage,
Que eu nun posso isquecê:
Mi ciúma, cumo o quê,
É braba, cumo ninguém!
Mai, no fugão é rainha,
Pois prepara uma galinha,
Qui quem comê passa é bem!
E ôta vantage dela
É o assêio da casa.
Na faxina, nun se atrasa,
Limpa e arruma todo dia.
E vê uma casa limpinha,
Barrida, arrumadinha,
Nun é uma grande aligria?
Na lavage duma rôpa
Eu nun cunheço mió!
Isfrega e bate, sem dó,
Inté ficá bem arvinha!
De nossa famia intêra
Ela é a lavadêra...
Mió qui ela, nun tinha!
Tem ôta coisa qui eu gosto
Nessa mulé, meu Patrão:
É qui, nas Relegião,
Ela é abençuada.
Reza terço, faz novena,
Nas casa grande e piquena
E adonde fô cunvidada!
E Caridade é cum ela!
Percisô?... Pode pidi.
Ti juro que nunca vi
Ela sunegá um pão
A quem diz qui tá cum fome,
Minino, mulé ô home,
Pra ela, tudo é irmão!
Já eu, cum mais os minino,
Somo mêi qui disligado.
Bem pôco temo rezado,
Mode pidi proteção.
Mai eu calo minha vóiz
Pois ela reza pur nóis,
Ovino missa e sermão!
Nas festa da Igrejinha
Qui nóis tem, no arraiá,
Ela é a premêra a chegá,
O Páde gosta de vê!
Ela chega, cas cumade,
Pregunta logo: - Seu Páde,
Quê qui tem, pra nóis fazê?
Ajuda nas barraquinha,
Arranja prêmo e lelão,
Puxa canto, in procissão,
Açulera a muierada!
Ela é pau pa toda obra,
Pois enegia lhe sobra
E nunca qui tá cansada!
Seu Páde inté foi lém casa,
Pra móde mi dá consêi.
Eu fiquei inté vermêi,
Cás coisa quêle falô.
Ele disse: - Severino,
Malinzêmpro prus minino
Nun dá mais não, pru favô!
Chegano dia dumingo,
Ocê pega sua famia,
Vai rezá, pois esse dia
É o dia consagrado
De fazê as pinitênça,
Pô a mão na consciênça,
Móde sê abençuado!
Ocê vê: Dona Rosinha
Inté mi ajuda, na igreja.
E ocê véve nas peleja,
Nos vélso, nas canturia?...
Larga a viola de lado,
Toma tento, seu danado,
Credincruz, Ave Maria!
É qui eu, nas horasvaga,
Sô chegado numa viola.
Eu nun tive foi iscola,
Mai no repente, eu garanto!
Nun injeito cumpromisso
E era pur conta disso
Qui o Páde falava tanto!
O Páde falava tanto,
Qui chegava a ispumá.
Mais eu tinha qui iscuitá,
Pois ele tinha rezão.
Adispois qui ele falô,
Cum vregonha, Seu Dotô,
Eu tomei uma dicisão:
-Pois dumingo eu vô na igreja,
Fazê tudo diritin.
Essa vida nun é pra mim
E os minino tomém vai!
Seu Páde falô dereito,
Nós tem qui tê mais respeito
Cum Deus, qui é Nosso Pai.
Apois, antão, no dumingo,
Sartei bem cedo da cama.
Troquei rôpa, limpei lama
Das butina e carcei.
Os minino se arrumáro,
A mulé pegô o rusáro,
Cunforme o qui manda as lei.
E fumo tudo pra missa
Na igrejinha do arraiá!
Todo mundo tava lá,
Nós chegemo bem na hora.
Seu Páde, todo contente,
Na porta, chamava a gente,
-Môs fio, vamo simbora!
E a missa cumeçô...
Só qui uma tár Zefinha,
Morena, inté bunitinha,
Sentô di junto de mim.
E foi chegano pá perto,
Na cara, um sorriso aberto,
Do jeito de quem tá afim.
E eu, pensano cumigo:
Isso aqui nun vai dá certo!
Seu nun ficá muito isperto,
Rosinha briga mais eu!
Seu Dotô, foi dito e feito,
Rosinha istufô os peito
E veja o qui acunteceu:
Foi Rosinha vê aquilo,
Pá móde o tempo fechá.
Ela nun quis nem isperá
O Páde cabá ca Missa!
Truvô no chão mais Zefinha,
Quebrô a igreja todinha,
Qui tudo virô muquiça!
Seu Páde levô tabefe,
O Sancristão, dois cascudo,
O sino inté ficô mudo,
Na mão de Zé Coroinha.
O povo saiu correno
De mêdo, inté se benzeno,
E eu, tronqüilo, na minha!
Os santo tudo, da Igreja
Taparo os óio cas mão!
Santantônio, Sanjuão,
São Pêdo e a Vrige Maria!
Nossinhô, Crucificado,
Ficô oiano, parado,
Mas, su pudessee, curria!
E a besta da Zefinha,
Curpada da confusão,
Sofreu foi muito, nas mão
Da Rosa, minha mulé.
-Cê tá apanhano, cumade,
Móde aprendê, na verdade,
A vida, cuma ela é!
Bateu tanto na bichinha
Qui ela, ispavorida,
Sumiu no mundo, e na vida,
Diz que mudô de intenção.
Nun qué mais sabê de home
E inté já trocô o nome,
De Zefa, pá Ricardão.
Ês fala qui é di nacença,
As mulé qui é desse jeito.
Mai a Zefa, foi no peito,
À custa de burduada!
Arrumô uma ôta dona
Fez curso de sapatona
E cum ela tá amigada!
Nun percisava de tanto,
Mai foi assim qui se deu.
Rosinha tanto bateu,
Qui a Zefa mudô de lado!
Nunca mais oiô pra mim,
Pois sabe o quanto é ruim
Mexê cum home casado!
Dispois qui passô o furdunço
E acarmô os rompante,
O Páde, naquele instante,
Mi disse, contrariado:
-Eu nun vô chamá a Puliça,
Mais nun venha mais na Missa,
Esteja, pois, liberado!
-Dona Rosinha, que venha,
Mai o sinhô nun vem junto!
Severino, presta assunto,
E vê que eu tô ca rezão:
O sinhô, vino mais ela,
A missa se distrambela
Numa grande confusão!
E derna daquele dia
Eu nun vortei mais na Igreja.
Rezo im casa, Deus esteja,
E perdoe meus pecado.
Pois o ciúme da Rosa
Deixa ela furiosa...
E eu ainda sô curpado!
Mai eu nun recramo não,
Dela sê assim, ciumenta.
Pois esse amô mi sustenta
E mi dá muita enegía.
Sem ela, eu nun trabaiava,
Nun surria e nem cantava,
Pois ela é minha aligria!
É ela quem mi tulera,
Quem lava o pó de meus pé!
Faz cumida e faz café
Bem quentin, móde eu tomá...
É cum ela qui eu sonho,
E digo, nun mi invregonho
De desse jeito falá.
É cum ela, Seu Dotô,
Qui eu vô ficá, inté o fim,
Pajiano meus netin,
Dispois qui meus fi casá.
Dessa mulé eu num corro,
Pur ela inté mato e morro
Na hora qui percisá.
Foi ela qui Deus me deu
Pra sê minha cumpanhêra.
A vida nun é brincadêra
E sozin, é mais pió.
Sem a Rosinha, Patrão,
Eu tava é na sulidão,
Amargano o caritó!
Apois, eu vô ti contá
Um causo bem verdadêro:
Eu, no tempo de sortêro,
Era mês da pá virada.
Fui cantadô, violêro,
Muierengo, baguncêro,
E nun ligava é pra nada!
Nas festa, nas canturia,
Nos lugá donde eu chegasse,
Sempe tinha quem falasse:
-Arréda, gente, qui invém
Severino Brigadô!
Fugia os pobre e os dotô
E nun ficava ninguém.
Os amigo qui eu tinha
Era tudo do furdunço.
Só vagabundo e jagunço
É qui andava mais eu.
Minha vida só mudô
Foi no dia qui o amô
Na minha porta bateu.
Pois as moça de famía,
Das de tratá casamento,
Nem sorriso, nem alento
Ia dá prum cachacêro.
Inda mais seno da farra,
Qui nem eu, contano marra,
E brigano o tempo intêro!
E foi aí que a Rosinha
Mi istendeu sua mão.
Mi abriu seu coração
E disse: - Eu gosto docê.
Mais, móde casá cumigo,
Ocê iscuita o qui eu digo:
Percisa de merecê!
Si ocê mudá de vida
E arrumá um trabái,
Eu já falei cum Inhô Pai
E ele inté já aceitô.
Nós dois casa, e Jesus
Acende, pra nóis, a luz
E abençoa nosso amô.
Eu saí da vida torta,
Fugino do prijuízo.
Tomei tento, tomei sizo,
E mi tornei home séro.
E pur isso, Seu Dotô,
Pur Rosinha eu tenho amô...
E quano eu falo, é sincero!
Imagina adonde eu tava,
Se nun sêsse o amô dela!
Tarvêiz preso, numa cela,
Tarvêiz numa sipurtura!
Tarvêiz bêbo, nas carçada,
Ca vida tôda azarada,
Lamentano as amargura!
A ventura de sê pai
Eu nun tinha cunhicido!
Meus fi nun tinha nascido,
Meus neto nun ia vim!
Quano eu morrêsse, de fome,
Tinha acabado meu nome
Da minha históra era o fim!
Mai foi Deus e foi Rosinha
Que vinhéro me acudi!
No mundo nun mi perdi
Cabei achano minha tria!
Cê preguntô quem sou eu?
A vida já arespondeu:
Sô um bão pai de famia!
E, dispois de tantos ano,
As coisa ainda acuntece.
De noite, nós dois nun isquece
Di un zanzôto aquecê.
Ela tá, qui é uma beleza,
No barrigão, a certeza:
Mais um fiin vai nascê!
Antonce, eu li pregunto:
Eu vô fazê coisa fêa?
Falá de mulé alêa,
E mi isquecê de Rosinha?
Qui fale mau, quem quizé,
Mai, pra falá de mulé,
Só falo... seno da minha!
Ês brinca e zua cumigo,
Diz queu sô camisolão!
Qui a mulé mi tem na mão,
Que eu só como é na mão dela!
Eu digo: Graças a Deus!
Cuma disse São Mateus:
“Só no Bem a vida é bela”!
E eu lá quero ôta vida,
Se, cum essa, eu tô contente?
Dêxa falá essa gente
Que nun sabe o qui é bão!
É êles qui tão errado,
Apois, eu fui amarrado
Nos laço do coração!
Os ôto qui mi adiscurpa,
Se eu nun entro nessas prosa.
Mai eu só penso na Rosa,
Dia a dia, mêis a mêis!
Eu já disse prêsse povo:
Se eu fosse casá de novo...
Casava cum ela travêiz!!!
Conforme Deus é sirvido,
O casamento é sagrado.
Mintira eu dêxo de lado,
Pois só tenho uma mulé.
Amô qui é amô nun some!
Deus fez a mulé pro home
Respeitá e dá seu nome,
E amá, cum muita fé!
Leitô amigo, esses verso
Eu mêmo peguei e fiz.
Mostrano, pus mais muderno,
O sonho belo e eterno:
Sô casado... e sô filiz!
Dedicatória:
Dedico este trabalho à minha esposa Jussiara, a minha "Rosinha".
Brigado por tudo, Fia!.
Juiz de Fora - MG - Maio / 2.007
Fraterno abraço,