Mansidão e turbulência
Ela era um barquinho à beira-mar. Ele era o mar de ressaca. Ela era feliz com alguns peixes pro jantar, ele queria a cabeça do bacalhau. Se davam bem, mas por vezes ela ria da falta do peixe e ele saía furiso pra pescar à noite. Era tudo uma questão de escolha. Até que deles nasceu Incógnita. Essa sempre se perguntava a quem tinha puxado: ao pai ou à mãe. Uns diziam que era a mistura perfeita entre os dois, mas essa mistura, segundo o pai, não existia. A mãe tentou ver alguma semelhança na filha, mas achou que Incógnita tinha suas próprias formas. O pai achava a filha deveras chata e quase nunca conversava com ela. A mãe sempre dialogava com Incógnita para ver se colocava a família em harmonia. O pai amava a mãe, mas achava que a filha tinha que ser devolvida às prufundezas do mar para que de lá nunca mais voltasse. A mãe teve dó de Incógnita e defendeu a filha até que o pai decidiu que saíria ele de casa. Pegou seu barco, levou comida pra dois dias e se foi. Quando a mãe acordou e viu que o marido tinha ido embora, quase odiou Incógnita, mas logo descobriu que estava prenha de outra filha. Quando ela nasceu, depois de longos meses em que a tristeza reinou em casa, a batizou de Esperança. Hoje, mãe e filhas vivem felizes. Quem sabe o homem volta com poucos peixes.