Introspectus - Cap.2 [Origem e Doutrinas]

Aynnah foi o nome celta que os Eikons que me deram quando entrei na Ordem do Fênix.

Fui encontrada por pessoas que se infiltram nas mais diversas camadas da sociedade, buscando seguidores em potencial.

São os chamados Recrutadores, aparentemente comuns, mas que farejam novas vítimas como ninguém. Buscam sempre alguém com um grande vazio dentro de si.

A oferta é bem tentadora: troque seu vazio por um poder oculto muito poderoso.

Eu me encontrava nessas condições: extremamente deprimida, sem amigos, afastada da família e me sentindo a última pessoa na face da terra.

Não seguia nenhuma religião, apesar de na infância ter freqüentado a Escola Dominical, pois minha mãe e minha avó eram cristãs e estavam sempre lendo passagens bíblicas para mim.

Na verdade, nada parecia dar certo em nenhuma área da minha vida. Emocionalmente, estava à beira de um colapso e os tranqüilizantes já faziam parte do meu dia-a-dia.

Espiritualmente havia só um grande vazio. Engraçado que uma vez ouvi alguém dizer que o ser humano tem um vazio tão grande dentro de si, que só Deus pode preenche-lo.

Na época, eu não acreditei...

Após ser escolhida e recrutada, fui levada à mansão. Era como um quartel-general, com sistemas de segurança fortíssimos; usavam a mais avançada tecnologia e quem quer que entrasse pelos seus enormes portões, ricamente trabalhados em toda a sua extensão, com certeza era alguém de extrema importância à Ordem.

Meus ensinamentos começaram quase que de imediato e a cada dia me surpreendia com o fato de ter algum poder dentro de mim.

Meu desenvolvimento foi além da expectativa e sendo sincera, nunca notei nada de anormal em mim com relação às outras pessoas, mas confesso que no fundo, tinha um forte desejo de ser “diferente”.

_ “O ser humano tem um grande desejo de adquirir poder, controle... esse desejo cresce virando uma sede intensa; então, essa sede tem que ser saciada de alguma forma. Há diversas fontes, mas um único poder oculto. Nós temos esse poder, só precisamos traze-los até nós e faze-los beber da nossa fonte.” - dessa forma Lyria nos doutrinava com sua firmeza e determinação.

A ênfase com a qual nos falava da Ordem era impressionante. Parecia que sua vida dependia do nosso êxito.

Ela fazia parte de um grupo dentro da Ordem, chamado “Mães Instrutoras” que por sua vez mantinham laços bem próximos com os seguidores pertencentes ao Grupo Primordial.

Sabiam ser rígidas quando necessário, principalmente quando alguém – quem quer que fosse – uma vez dentro da Ordem, desejasse sair. Notávamos que por um certo tempo tal pessoa era retirada no nosso meio.

Um dia, reuni coragem e fui questionar Lyria sobre isso. Ela me disse que para tais casos específicos havia um lugar reservado chamado “O Quarto das Ilusões”.

Naquele lugar a pessoa era exposta aos seus maiores medos, era lembrada dos seus piores fracassos e todos os seus sonhos referentes ao futuro eram desfeitos.

Segundo o que nos era ensinado, enfrentando nossos medos adquirimos coragem e força para nos tornarmos Mestres, dividindo nossa existência com o sobrenatural.

Enfrentando nossos fracassos, odiamos a nós mesmos e só nos perdoamos quando nos determinamos a jamais aceitar derrotas, a despeito da dor e do sofrimento que venhamos a sofrer.

Quanto aos sonhos para o futuro, aprendemos que dentro da Ordem, não existem sonhos. Tudo pode tornar-se real e palpável, mas algo nos era sempre lembrado: fora daquela casa, não havia futuro para nós.

Nossa existência girava em torno daquele lugar e fora dele seríamos rapidamente dissipados, tornando-nos totalmente inúteis.

Foi dessa forma que descobri o que realmente tinha acontecido aos povos incas, maias, astecas, incluindo o egípcio. Segundo Lyria “esses foram grandes impérios, que bebiam da nossa fonte. Seus altos sacerdotes e os Faraós eram Grandes Mestres.

A eles foram revelados muitos segredos mas por fim, o oculto tornou-se tangível e a linha divisória entre o real e o imaginário já não existia. Os sacrifícios se tornaram ineficazes e dessa forma, incapazes de dominar o grande poder que tinham alcançado, foram tragados.

Eram, já não são e nunca tornarão a ser.

A sede das civilizações antigas foi saciada com uma grande diversidade de deuses e com isso, tornaram-se sociedades politeístas, com cerimônias e rituais próprios.

A diversidade, na verdade, não nos importava mas com o tempo, tornaram-se inúteis ao nosso propósito e o desconhecido passou a gerar-lhes medo. Esse sentimento os levou à extinção.”

Ouvindo essas coisas, pude chegar a uma conclusão: tudo o que se origina de uma obrigação, gera escravidão e inevitavelmente termina em servidão. Não há escape, é um ciclo que parece não ter fim...

Aprendi também que havia uma hierarquia na Ordem e esta, por sua vez, crescia febrilmente pelo mundo afora. Não faltava serviço aos Recrutadores, pois em cada país, novos seguidores já estavam sendo doutrinados pelas Mães e Supervisores.

Sabíamos que sobre o Grande Mestre estava a fonte do grande poder e não nos era oculta a sua origem. Não crescemos ouvindo a história do duelo bem versus mal?

As Mães Instrutoras eram sujeitas ao Grande Mestre, bem como os Supervisores.

A função de um Supervisor era liderar e administrar o crescimento da causa a nível mundial.

Suas verdadeiras identidades fora da Ordem, bem como a do Grande Mestre eram segredo absoluto mas sabia-se que ocupavam altas posições em governos, organizações multinacionais e até em meio à Cristandade.

Era muito comum encontrarmos estrangeiros pelos corredores da mansão, originários de diversas partes do mundo, todos ávidos pelo poder oculto oferecido por Belthar, que era o Único Grande Mestre.

Nossas reuniões periódicas impressionavam mas o que mais chamava minha atenção era como um tão grande número de pessoas se reunia em determinado lugar e nenhuma autoridade local procurava saber do que se tratava. Logicamente penso nos cifrões, pois dinheiro nunca foi problema para a Ordem.

Havia uma classe na hierarquia que verdadeiramente me assustavam. Eram os Instrutores; pareciam seres humanos, mas não eram.

Em todas as reuniões estavam presentes, com a única função de aplicar punições, quando fossem necessárias. Uma vez entregue nas mãos de um Instrutor, só há uma certeza: muito sofrimento.

Certa vez, o Grupo Primordial estava reunido para mais uma de suas manifestações de poder (a propósito, Grupo Primordial era um grupo seleto de adeptos da Ordem, escolhidos pessoalmente por Belthar para realizar missões, das quais falarei mais tarde.). Um de nós não alcançou o nível satisfatório exigido na execução de uma tarefa e foi entregue a um Instrutor.

Era um rapaz. Ele caiu no chão, contorcendo-se em meio a terríveis espasmos. Seu rosto contraía-se demonstrando o pavor que sentia pois seu espírito também estava sendo afligido. Era atormentado pelos Instrutores, que como algozes vorazes deliciavam-se com o tipo de trabalho que faziam.

Para alguns era um momento horrível, mas para a maioria era razão suficiente para que, aos brados e totalmente descontrolados, requisitassem os excluídos para vinganças pessoais. Dentro da causa havia muita disputa e rivalidade que não eram em absoluto, amainadas por Belthar.

Ao contrário, éramos estimulados a duelar pois dessa forma nossas forças poderiam ser medidas. Quase sempre, o fim era bastante doloroso para o mais fraco que ao ser derrotado ainda passava por processo de punição. L

Lyria dizia que a finalidade de tais punições era justamente nos fazer ascender na esfera espiritual trazendo mais luz às nossas mentes, abrindo-as para absorver o conhecimento pleno.

Conforme o tempo foi passando, me familiarizei com os símbolos que usávamos. Não eram apenas sinais, mas sim nossa linguagem espiritual. Cada um deles abrigava grande força.

Assim como a cruz ansata representava para os egípcios a imortalidade da alma, o Verth significava para nós, a iluminação máxima. Nosso Verth estava presente por toda a mansão, desde os principais portões de entrada até as portas sagradas.

Cada ensinamento transmitido trazia sobre nós mais conhecimento e este, por sua vez, nos elevava em graus na esfera espiritual. Lealdade era imprescindível e os serviços que prestávamos, obrigatórios.

Anualmente, por um número determinado de dias, cultuávamos o poder do Fênix, sempre dirigidos pelo Grande Mestre. Nesse período, nos reuníamos para celebrar e era comum haver uma pausa nas celebrações para que todos presenciassem a atuação dos Instrutores.

Aqueles que tinham sido infiéis à Ordem, rebeldes, ou que se recusaram a absorver os ensinamentos, eram reservados para aquele momento em especial. Eram imediatamente desqualificados de suas respectivas posições diante de toda a congregação e desligados da Ordem, tornando-se então inúteis e prontos para a extinção.

Neste festival, Belthar transformava-se, declarando-se inimigo de Deus e de tudo o que o representasse na Terra e sua voz sempre ecoava suprema:

_ “No decorrer da história, o homem sempre esteve à procura de espiritualidade e de autoconhecimento e como a humanidade é fraca, para domina-la só precisamos de um colapso mundial. O Supremo exercerá total domínio em meio ao caos, pois tal procura abriu as portas das mentes e através dessas portas temos entrado e já iniciamos o processo de preparação para que o poder do Fênix seja disseminado e aceito, sem restrições. Ele se revelará e oferecerá aos líderes das nações a solução, a salvação...um novo conjunto de regras nascerás das cinzas do antigo, que será completamente destruído. Nosso Projeto está em andamento e em breve, o mundo se transformará radicalmente. Nossas ferramentas são tecnológicas e continuaremos usando a internet que muito bem tem cumprido o seu papel.”

Quanto mais eu ouvia, mais estarrecida ficava.

_ “Nossa Ordem criou um vírus que é totalmente diferente dos demais pois é modificado digitalmente. Ele infectará computadores ao redor do mundo e nenhum antivírus será capaz de detecta-lo. Nada escapará ao nosso domínio e estaremos presentes em todos os setores e em cada lar.”

Segundo as palavras de Belthar, em breve não haverá mais privacidade nos lares, pois um poderoso banco de dados catalogará cada cidadão do mundo, registrando quantos copos de cerveja ele ingeriu ou quantos DVD's alugou ou comprou.

Eu estava realmente impressionada pois o poder da Ordem do Fênix era tremendo e eu, com certeza, estava incluída em seus planos.