A revolução das flores
Do lado de fora das imensas muralhas do castelo, ele se preparava à luz das exigências reais para ir defender seu povo que lhe pagava impostos altíssimos e vivia sob a força da opressão da realeza.
-Há centenas de guerrilheiros lá fora, meu filho. Teu pai já é velho. Vai tu e os teus soldados e nos defende da morte.
-Não somos nem sequer sua metade, meu pai. Seremos dizimados.
-O que me sugeres?
-Dar todos os nossos tesouros materiais a eles, pois é o bem que procuram, a motivação que têm todos esses tolos para a guerra. Se dermos, aquietá-los-emos.
-Que homem fraco o és! Dentro de ti não ficou a fortaleza que procurei construir para ti, meu filho. És um príncipe amolecido do trono. Incapaz de defender-nos.
-Enquanto o senhor me tecia e dava a força do corpo para enfrentar a guerra, pai, eu desenhava para todos nós os ventos da paz. Alimentava valores diferentes. Nem te disse. Fui um príncipe doutras leis.
-A paz não enfrenta a guerra, filho meu. Se há um homem a bater em tua porta, pode trazer-te a vida ou a morte. Quem dirá a ti o que traz o desconhecido que te bate à porta? Ao seu lado pode estar a morte, o fim de tudo. E aí, coitado de nós: adeus reinado! O que ficará?
-Os arredores da casa da paz possuem flores que falam ainda no campo, para os invasores. Eles se deliciarão e não nos aborrecerão. É hora dessas ofertas, meu pai. Veja!
-Meu filho ingênuo, o inimigo só nos presenteia o veneno, dentro de uma linda flor colhida, ainda virgem, nos campos. Eles tiram-na dentro de outras belas, quando o campo ainda não foi machucado pelas patas da cavalaria. Há um mensageiro mau que vai à frente, colhe a flor e a entrega a seu comandante que nos oferta.
-O jardim de que meu pai fala rega exageros. As minhas flores nascem de campos mais puros do que estes de sua fala. Fala dos campos possíveis aos fortes de alma: simples campos.
-O que tu sabes de flor , filho, foi teu rei e pai quem ensinou. Até suas cores eu te dei. Pensei que havias colhido a sabedoria dos fortes que guerreiam bem. E minhas lições, com elas, o que fizeste?
-Permita-me, meu senhor, meu rei, meu pai: os mestres que pagaste para me ensinar, falaram-me de vários jardins; cada um retirava uma beleza desigual das flores que me ensinava. Houve horas em que me ensinaram sobre algumas e pediram que eu as silenciasse do senhor. Diziam que essas flores misteriosas o senhor não as admirava e por isso não falasse delas em sua presença. Era perigoso, já que traziam em suas pétalas algo ainda não traduzido pelo seu espírito guerreiro, pelo perfume do seu reino.
-Traidores! Traidores do rei. Matá-los-ei a todos. Traidores, traidores do rei!
-Eles me ensinaram a amar ao próximo, meu pai e eu os admirei. Achei-os lindas flores.
-Culpa minha! Eu os tive como amigos do reino. Paguei-os com muitas moedas de ouro e prata e eles o enferrujaram. Morte para todos, é a vontade do rei! Não são eles dignos de coisa alguma.
-Pai, meu rei-pai, deixa que o defenda e defenda nosso povo, sob a ótica de minha semeadura. Existem entre eles sementes do bem, havendo germinado várias delas no seio do nosso povo. Deixa-me decidir. Vou falar com os revoltosos do lado de lá do nosso reino. Levar-lhes-ei as flores do nosso lar. Renderão homenagens ao senhor. Não haverá guerra. Far-se-á a união entre todos.
-Quem te ensinou tanta traição, meu filho? Eu não fui! Foram teus mestres, os quais paguei caro? Dize-me e eu os mandarei para a forca!
-Meu pai, nosso tesouro nasce todos os dias e não perece jamais. As flores do campo são seu perfume encantado que cria asas e vira lindos pássaros que voam, que cantam e encantam as outras almas. Não temas o que está diante de nós. Permite-me e eu levarei teus soldados carregados delas. Ofereceremos a eles como prova do nosso amor e de nossa sabedoria.
-És um louco! Não te deixarei cavar o precipício onde podemos cair juntos. Eu te destituo de todos os títulos reais, e este homem que está ao teu lado te chefiará doravante. Hanon, herdará este reino após minha morte. Meu filho, Julius, deve submissão às tuas ordens a partir de agora. Faze-o um soldado de tuas guerras. Atravessa muralhas de pedras e mata a todos e não deixa sequer um escapulir de nós. A festa dar-se-á com o testemunho de todas as cabeças roladas pelas espadas dos nossos homens. Cumpre a ordem de teu rei: ordeno-te. Vái!
Quando as portas se abriram, a primeira lança vinda de fora varou o peito do príncipe Julius e ele caiu ferido mortalmente. Ôôô – sussurrou a multidão do reino.
Hanon venceu a guerra. Encheram cestos e mais cestos com as cabeças decepadas dos inimigos do reino. No local onde tombou o príncipe, nasceu um belo arbusto que passou a florir de dez em dez anos. Cachos amarelados emergiam de seus galhos fortes e cobriam o chão em frente ao castelo. Florava apenas por um dia o que era o bastante para deixar conhecido aquele reino entre muitos outros. Faziam chás de suas flores e com eles curavam-se todos os males conhecidos naquela época.
Antes de tombar mortalmente, o príncipe falou aos sussurros a um velho amigo do reino que passava: diga ao rei, meu pai, que do lado de fora dessas muralhas, morreu um homem, mas jamais conseguirão fazer a mesma guerra que desejavam. Há muitos príncipes iguaizinhos a mim, do lado de dentro dessas muralhas, cheios do perfume das flores do campo e que simplesmente teciam o silêncio da paz porque ainda não era a hora chegada para se fazer as coisas diferentes. Eles regavam o jardim. Quando uma flor murcha, outros devem apanhá-la e pôr sob a terra para que vire adubo; seu perfume, esse já terá enchido as almas que a acolheram antes.
O rei morreu, e a história do príncipe Julius se transformou em uma linda história de amor. Não houve mais guerra entre os reinos da vizinhança do castelo, e o povo de dentro das muralhas, de tanto vender as flores amarelas, ficaram ricos e só após milhares de anos é que entenderam que nenhuma guerra pode vencer jamais o jardim do ódio que o homem traz no peito adormecido enquanto lembra a paz. Entre suas raras florações vivem grandes esperanças de amor e é delas que brotam os príncipes diferentes.