O observador

Observava um homem da minha janela, que aparentemente empregava-se a carregar pedrinhas de seixo para sua carroça, logo depois entendi que não se tratava de um carroceiro qualquer, mas de um ladrão, “ladrão?!” Pensava naquele paradoxo, com efeito, duvidoso. E todos os meus conceitos de justiça sócio-filosofica ou sociológica caíram por terra: Foi quando uma mulher esqueceu a bolsa no banco da praça, e ele correndo atrás da moça que estava distraída, a conversar com seu acompanhante, assustou-se com os gritos do suposto ladrão.

– Hei senhora! Sua bolsa. - Ela veio até ele e disse-lhe:

– obrigado senhor... E desculpa pelo incomodo. - Relando as mãos no braço de seu acompanhante, advertindo-o.

– Tá vendo o que dá sua pressa meu!...

Ali naquele momento, eu estava diante do fato mais confuso que vi, pelo menos assim me parecia, “um ladrão honesto?”, cheguei a reescrever em pensamento um conhecido ditado popular: “um pobre ladrão, merece cem anos de perdão”. A minha sapiência era crua, diante daquele cenário que descrevia alguns livros de psicologia.

Desci alguns degraus da escada do prédio, para contemplar os outros atores, o cenário, a poética da cena, os movimentos. Olhando para baixo, um velho pipando seu cachimbo, demonstrando um prazer quase sexual, a feição do seu rosto relaxava a cena como um sorriso na guerra. Pois era o que se passava em meus pensamentos, com as minhas teorias, com as minhas verdades. Rasguei todos os livros de teoria sócio-cultural que tinha em mente: “um ladrão honesto!” levantando a cabeça, os olhos fixavam nos galhos de uma árvore que bailavam em sentido contrário ao mesmo vento frio que tocava meu rosto, me dei conta deveria ampliar o meu raio de observação.

Voltei-me para esquerda, onde alguns moleques, ainda com cheiro de suor e sol que se punha há pouco tempo, havia alguns limpos, havia também alguns que rolavam na terra.

Olhando para direita, vinha aproximando-se um grupo de evangélicos com a Bíblia na mão, todos de cabelo amarrado estilo “Maria”, alguns de semblante puritano, roupas a caráter do culto dominical, quase estereotipados. Na mesma passada só que do outro lado da calçada, um grupo de católicos que cantavam canções litúrgicas, de terço à mão. Outros entregavam uns folhetins com lições dos dogmas e explicavam pontos polêmicos da doutrina, enquanto os diáconos convidavam os interessados em conhecer a igreja e os projetos sociais que ofereciam.

De repente alguns gritos, ofertando uma algazarra de jovens, que de inicio não me prendeu a atenção. E então, observava um cão faminto estraçalhando o saco de lixo posto à frente de um restaurante, os restos de comida exalavam um odor azedo, pútrido. Mas, ainda sim o dono ou funcionário do estabelecimento expulsava-o com baldes d’água, pois, o temor em chegar perto do cão furiosamente faminto, era algo extremamente inoportuno, até que, o dono chamou um dos seus funcionários e ordenou a pegar gordura quente, e jogá-la no cão para expulsá-lo da frente do restaurante, por estar espantando seus clientes.

O funcionário cumpriu a ordem e o cão saiu às carreiras num gemido sofrido e um pedaço de carne na boca, espreitava-o do meio da rua, o rosto do seu opressor, rosnando e gemendo, como se se espera a hora certa de revidar o mal que lhe foi feito.

Em meio à tensão entre o faminto e o opressor, chamou-me novamente a atenção os jovens que se encontravam pulando a poça de lama, formada por uma decorrente chuva de horas mais cedo, numa euforia, que alegrava, entusiasmava, a todos os passantes. Na verdade eles disputavam quem saltava mais longe da poça e havia um aleijado, destacando-se pela sua animação e por estar mais bêbado do que os demais, fora para sua tentativa:

– Agora é minha vez... Ó só como que faz! - Saltitando numa perna, saltou para o outro lado com facilidade, comemorou erguendo os punhos para cima.

Surpreendeu-me o que acabava de observar com os acontecimentos provenientes, era como se os atos conspirassem para essa analogia. Estavam todos na mesma linha, perpendiculares a mim, eu na janela diagonalmente de frente para cena, o velho fumante, o aleijado entusiasta, o grupo de evangélicos, a árvore teimosa, o grupo de católicos, o ladrão honesto, o cão faminto e o opressor sádico. Todos ali, formando uma reta perfeita, como se fosse um alinhamento dos planetas.

Por poucos segundos, analisei em vão o alinhamento, os fatos, os momentos, o vento, e tudo que podia servi para a analise dessa metáfora, pensei na astrologia, na matemática, na física, na probabilidade, como matéria de pesquisa. E desisti antes que pudesse começa, pois, apareceu um pássaro todo branco, semelhante a uma coruja com olhos de homem, de olhar tênue e justo, não sendo bondoso nem furioso. Justo apenas, com um brilho lúdico, místico, de um clarão, que por todos foi visto.

A águia pousou no fio tenso e invisível, coçou simultaneamente as penas de baixo das asas, observou-me num breve olhar, inclinou-se para o alinhamento, levantando vôo... Partiu para o lado oposto ao meu, retornou num rasante sobre o ato que estava estático, até a minha venta, onde pairou levemente, piscou os dois olhos que refletiam uma criança e um homem e havia semelhanças entre eu e o homem.

Girando sua cabeça para traz, direcionou o bico indicando o alinhamento e assentou-se nos meus ombros, guiando-me no corredor e subimos um andar de escada até a minha casa. Lá se dissipou nas paredes transformando-se em palavras belas e verdadeiras. Colocou-me na cama, e eu já adormecido, saiu pela janela semeando-se no céu.

Dennys Evangelista
Enviado por Dennys Evangelista em 27/03/2008
Código do texto: T919440
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