Acima da Tempestade

“Lanças preparadas!...”

O som do primeiro trovão ecoando no ar.

“Espadas!...”

A luz ofuscante do raio da natureza.

“Que venham as legiões...”

A noite parecia tranqüila como as outras daquela semana, a meteorologia havia previsto a chegada de uma frente fria para o dia seguinte, porém a natureza tinha pressa em ocultar o céu. Por volta das vinte e uma horas as nuvens avermelhadas tomaram conta da atmosfera noturna, rapidamente a natureza cuidou em anunciar o que aconteceria em seguida; Os primeiros relâmpagos chicotearam o céu com uma violência fora do comum, mas de forma bastante separadas, entretanto, gradativamente o espaço de tempo entre um e outro foi diminuindo e juntamente com cada golpe luminoso surgia segundos depois o som de sua fúria.

Em pouco tempo as pessoas já estavam avisadas, “logo a chuva vira”, e não demorou muito, as águas desceram do céu com se a cidade estivesse colocada debaixo de alguma cachoeira titânica; em pouco mais de vinte minutos choveu o esperado para todo o mês, rios transbordaram, muitos indivíduos ficaram ilhados em plena rua, o transito se tornou um verdadeiro caos e por mais avisados que as pessoas estivessem ainda assim não foi possível se preparar para o modo como tudo aconteceu. Juntamente com as águas celestiais havia também os ventos arrastando várias coisas que achava pelo caminho, casas feitas de forma displicente em lugares altos, telhados em postos de gasolina, árvores no meio de ruas e todo o lixo produzido em um dia como outro qualquer.

Pessoas aguardavam dentro de ônibus, pois as ruas estavam impraticáveis, assim como pontes, passarelas, viadutos e túneis. Outros esperavam que a fúria dos elementos esfriasse para que não ficassem mais tão acuados como pequenos animais embaixo de proteções provisórias.

Mas a intensidade não diminuía, os trovões eram tão fortes que o chão parecia tremer abaixo dos pés e os vidros também respondiam ao deslocamento do som; as nuvens pareciam ascender e reluziam parecendo que dentro delas havia fogo. As luzes dos raios feriam as nuvens e abandonavam sua moradia aérea para se desfazer no caminho do chão e da civilização na velocidade de um pensamento inconsciente.

Quando a brutalidade da tempestade parecia não ter mais como aumentar e as enxurradas já se faziam donas das ruas varrendo carros e algumas outras coisas só para mostrar a vulnerabilidade de tudo em que ela tocava, a chuva se ergueu ainda mais forte; ventos, relâmpagos e trovões a todo momento e em todas as direções, o próprio céu rugia, as nuvens disparavam rajadas de luz em direção ao solo de forma que alguns chegaram a temer.

Os órgãos responsáveis não tiveram alternativa a não ser declarar estado de alerta, a grande maioria dos veículos de comunicação transmitia e mostrava os estragos causados pela tormenta.

_Eis aí uma das conseqüência do tão falado aquecimento global_ alguém disse_ o dia estava tão bonito e de repente cai esse mundo de água.

A população se manifestava segundo seu entendimento dos fatos.

Mas outros falavam:

_ São as chuvas de verão, fez um calor insuportável durante à tarde e olha só agora.

Todos estavam certos e ao mesmo tempo estavam errados, porque existiam fatos que estavam sendo ignorados por todas as pessoas debaixo do céu, ou pelo menos por quase todas.

Quase ninguém notou ou se empenhou em olhar para o alto, mas alguns o fizeram e estes ficaram com uma impressão no mínimo estranha.

“Saiam das sombras!... Enfrentem a Luz!...”

E a tempestade respondia com mais fúria.

“Avancem sobre as falanges!...”

Vento...

“Setas inflamadas!...”

Chuva...

Quem prestou atenção naquele tormenta, tal como em tantas outras, com afinco, ouviu o entrechoque das armas em um combate que não foi permitido aos pobres olhos mortais verificar; um combate que a maioria dos homens só pode ver dentro de seus próprios corações e nos limites de sua vida ou nos sonhos mais delirantes; porém a natureza sabia do confronto, e aproveitando que deveria ocultar esta batalha da visão dos mortais, acabou por fazer conhecida parte de sua indignação pelos mesmos não respeitarem seus limites, querendo fazer a si mesmos superiores ao que realmente são. Mas até os elementos deveriam ser cuidadosos para não exceder em sua punição; assim foi ordenado, para tudo existe tempo.

_ Numa noite como essa; falanges e legiões se enfrentam acima da tempestade tendo como únicas testemunhas os elementos da natureza e uns poucos mortais.

A velocidade que os olhos não podem acompanhar, conhecida como luz é a forma como se digladiam e os estrondos provocados pelo choque entre luz e sombras foram camuflados pelos trovões.

Milhares e milhares de soldados alados esperavam acima das nuvens, a eles não era permitido vir ao encontro do solo a menos que por alguma ordenação especial, somente, mas não era esta a ocasião. Armas preparadas e vontade inabalável de servir a seu propósito.

Por outro lado outros milhões de vultos sombrios subiam da cidade em direção ao céu, esquivando-se das línguas luminosas que rasgavam o ar, onde se perfilaram para a derradeira ordem; lá cada qual gritou suas frases de batalha e no mesmo momento em que a chuva despencou, os pelotões se chocaram dando prosseguimento a uma coisa que quer acreditemos ou não começou muito antes de qualquer homem pisar sobre a face deste planeta e que não terminaria naquela noite assim como não terminou nas anteriores e não terminaria nas próximas até que o tempo determinado se consuma.

A função da natureza é escondê-los, a função deles e terminar algo que começaram e a função das pessoas e escolher o lado certo para ficar. Portanto não se esqueça de quando estiver diante de uma tempestade tal como essa, levantar os olhos e prestar muita atenção até que possa ver quando a luz venceu a sombras.

Por fim as nuvens se desfizeram, o céu noturno e estrelado pode ser visto novamente, nenhum som ou voz estava presente; as legiões foram empurradas para o solo novamente e as falanges retornaram a seus lugares aguardando a próxima vez. As pessoas puderam finalmente retornar para suas casas ou para aonde quer que fossem antes da tempestade e gradativamente as coisas foram se normalizando.

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 13/03/2008
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