UM HOMEM DE GRANDE FEITO

Na real mitologia são raros os homens de grande feito.

Ela o conheceu menina, quando ainda os "deuses" lhe pareciam bem maiores, mas com o passar do tempo foi percebendo que era um homem bem diferente, estranho, incomum.

Era incapaz de se desvencilhar das coisas, embora não se apegasse a nada!

Quando menino, mimado e acostumado a ganhar o tudo, sequer jogava fora as embalagens, e as caixinhas de papelão, os papéis e laços de fitas da sua vida, acumulavam-se jogados no seu armário, como se esperando para somarem-se às dos novos presentes, que nunca lhe satisfaziam ao ego.

Tal atitude fez com que ela o considerasse alguém especial, de grande ternura, pois o fantasiava como um deus bom.

A menina não conhecia o egoísmo.

Afinal quem era incapaz de abandonar sequer as embalagens...no mínimo valorizaria os presentes.Seria alguém de grande coração...

E era mesmo!

Delicadamente ela costumava recostar sobre seu peito glabro, e ouvia o ressoar das suas bulhas vigorosas, cuja sonoridade embalava aos seus ouvidos.

E certa noite foi assim que adormeceu.

Adormeceu e sonhou com PANDORA.

-Menina acorda, você é só mais uma caixinha! Estará guardada e esquecida no armário do coração, assim como as dos próximos presentes.

Mas para ela, um “próximo presente” ainda era futuro.E quando se é criança, o futuro é sempre tão longe...

Despertou assustada, ainda com a sensação daquele armário escuro, apertado e mofado.

Mas ele, o homem de grande feito, ainda lhe parecia ter grande coração.

Não tardou...e o futuro chegou. O futuro sempre chega... disfarçado de “presente”!

Então, o homem começou a diminuir e seu coração ficara pequeno demais, para um deus de tantas caixinhas.

Era chegada a hora de esvaziá-lo!

-Mas como você vai conseguir jogar fora o seu mundo de tantas caixinhas?-perguntou-lhe a menina assustada.

E aquele deus que de nada se desfazia, finalmente fez seu grande feito!

Soltou um grito, e com as mãos arrancou seu coração do peito, seguindo pela vida desencaixotado de qualquer sentimento, de todo o passado.

Foi assim que se esvaziou para sempre aquela caixa de Pandora.

A menina, surpresa, respirou aliviada...

Ainda ontem se cruzaram no tempo.

Ele pareceu-lhe mal embalado, sem nenhum laço de fita.

E a menina, que não era Pandora mas era Poesia ...buscou só por poemas.