Atiradeira (Nó)

As vizinhas alvoroçadas gritavam minha mãe porque um lagarto enorme atacava o galinheiro. Prestativa, largou a chaleira sobre o fogão de lenha, foi ao armazém e saiu correndo, arrastando a espingarda cheia de chumbo e pólvora, a dois canos de meu pai.

Curvada - meio de cócoras, meio em pé - firmou a arma um pouco abaixo dos joelhos e apontou no rumo do teiú que fugia indeciso: queria ir, queria ficar; e apossar-se da refeição desejada. Desgraçado, de bicho ruim! Aproximava-se sorrateiro e comia as galinhas, ovos, pintinhos... Nada lhe escapava!

Pulso firme, decisão focada, muita raiva e puxou o gatilho:!TRRAA! Ao estrondo seguiu-se o silêncio ensurdecedor, nuvem de fumaça azulada, e o cheiro estonteante de pólvora queimada. Por um triz, quem sabe por falta de força física, o mulheril não a carregou nos braços, triunfalmente, como se faz com as heroínas.

O lagarto? O tirombaço certeiro de minha mãe -que jamais pegara numa arma - o espatifou em migalhas! Passado o susto, sumida a fumaceira, as galinhas bicavam os pedacinhos, espalhados no monturo, logo depois do terreiro.

A fama de atiradeira se espalhou e todos recorriam a ela por tudo e por nada. Por ter abatido todos os bichos-papões da redondeza, a criançada rendia-lhe submissas homenagens.

O tempo passava manhoso até que apareceu outro lagarto, um lagartão, o vingador. Impôs-se ante a soberania de minha mãe com arma imponente, assustadora, fabricada pelo próprio instinto de sobrevivência: o direito à vida. Tal era a incisividade que ela logo compreendeu que se tentasse salvar o galinheiro, ela mesma tornar-se-ia alimento do réptil selvagem!

Arregou-se diante da certeza de que a bestialidade não lhe garantia, sequer, a vida! Chamou a vizinhança e lamentou-se disto. Estava indignada com tanto atrevimento, tanta inversão de valores... A podridão botara rédeas naquele lugar insurgente. Sem distintivo entre homens e animais – não houve tempo para definir quem era um, quem era o outro. Abraçamo-nos, então, e em comboio rumamos à profunda garganta do diabo esfomeado.

Acordei dominado pelo gás de pimenta do Éder.

Jotta, Antonio

Pós-graduando – UNIP

Porfa. Simone Paulino

Coord. Gabriel Perissé