Conto sem ponto
Edson Gonçalves Ferreira
Sonhei com dois velhinhos dizendo: _ Eu tomo tutano de boi pra ficar forte, muié! Ela na confortável insensatez do amor maduro. Bastava um calorão de noite. Os braços magros tinha ele e as veias salientes. A pele dela seca parecida seda amarrotada. Eu ainda tenho minha pele em flor. Será que a chuva mata? Tá chovendo canivete aqui. Cadê os ídolos de agora?
Tô assistindo os desfiles da Sapucaí. Aliás, a avenida devia chamar Sacanagemaí. Já entrei nos enta. Misturo meu amor por Jesus com o amor humano. Carne é quente e eu gosto. Loucura não gostar. Tesão a gente tem até olhando um prato bem feito na vitrine de um padaria. Mandei meus alunos fazerem redação. Professor é sagrado, mas certos coordenadores pedagógicos enchem o saco. Queria jogá-los na sala de aula cheios daqueles alunos-tubarão. Falar é fácil, fazer não. Professor não tem varinha de condão.
Escrever, gente, é dom. Loucura querer fazer de um peão um Salomão. Quando tempo e dedo Salomão gastou a escrever aquelas doidices lindas que estão na Bíblia e que quase ninguém lê. E David, meus amigos, tem poeta mais famoso que ele, tem? A plebe adora futebol onde Deus não tem excelência. Eles comem, pois, borracha. Lei é coisa boba, porque só serve para encanar pobre.
Sou católico, mas não vou à igreja. Não tem santidade nelas. Deus não é onisciente e onipresente? Pra que então eu ir lá se Ele está em todo lugar? A maioria da humanidade é medíocre, o céu, portanto, tem que ser generoso. Não espante quando eu dizer que eu te amo. Não me olhe, pateta, que num tô cagado. A Adélia Prado soltou os cachorros e a carrocinha quase pegou. Agora, eu rasquei os véus e deu um bafafá dos diabos. Gosto assim. Poeta comportado não presta.
Não consigo enterrar meus mortos. Não queria comprar sepultura, mas meus irmãos compraram. Esse negócio de saber onde ficarei na horizontal é danado. Corpo só serve pra animação de hoje e por isso te convido pra fazer amor onde você estiver. Seu ser amado ficará tão feliz. Você já tomou sorvete na boca do ser amado? Et´s são nossos seres amados morando em outra dimensão.
Sou bíblico pra burro. A ruga de expressão que eu tinha e o Márcio Pifano, cirurgião-plástico, retirou marcava meus delírios de paixão. O que me assusta na morte é só o trânsito. As contas me dão uma dor de barriga. Se eu fosse mulher, não queria sexo comele, só queria um marido só pra pagar minhas contas. O resto eu faria com outro. Duro mesmo é ser poeta do terceiro mundo.
Poesia pra analfabeto é dengo de bicha. Tenho amigos do outro lado me chamando, pegando no meu pé, me larguem, diabos, não vou agora. Deus é o maior sacana inventando regras pra felicidade, mas eu O adoro assim mesmo. Ele nos deu garras pra lutar contra essas mesmas regras. Contradição, num sei.... Pergunto se há dor do outro lado da porta, mas só escuto o eco da minha voz. Sou trágico e engraçado como o Brasil. Sou bonzinho até que me pisem no pé, quando me machucam, viro o diabo. Cuidado, gente, cuidado!
Divinópólis, 19.11.91