O ESPELHO DAS ESTRELAS NO RIO DO MUNDO

No princípio, quando o universo ainda aprendia a respirar, dois astros de alta grandeza se enamoraram em segredo. Orion, o caçador de luz, cujo manto era tecido de nebulosas, e Lyra, a musa de cordas vibrantes, que entoava melodias que faziam as galáxias dançarem. Seus encontros eram escondidos nas franjas do éter, onde o tempo se dissolvia em poeira estrelar. Ali, trocavam segredos em forma de constelações efêmeras, desenhadas com dedos que cintilavam como supernovas.

Porém, Hades, o senhor das sombras que se alimentava de ciúmes cósmicos, descobriu o romance. Transformou-se em um pássaro de penas negras como o vácuo, com olhos de âmbar que refletiam o fogo subterrâneo. Voou até as duas constelações antagônicas — Cassiopeia, a rainha de gelo que julgava os destinos, e Cygnus, o cisne de asas prateadas que defendia os sonhos. Com voz de sussurro cortante, Hades semeou a discórdia: -Veem como profanam o equilíbrio do céu? Seu amor é um eclipse que corrompe a ordem!

As constelações desceram ao véu onde os amantes se encontravam. Cassiopeia, erguendo seu cetro de diamante, condenou: -Que suas chamas sejam apagadas, e suas almas, dispersas no esquecimento. Mas Cygnus, cujas asas brilhavam com a luz das estrelas recém-nascidas, interpôs-se: O amor, mesmo proibido, é a única lei que o cosmos não pode governar!

A discórdia explodiu em uma guerra silenciosa e fulgurante. Cassiopeia lançou raios de geada que congelaram sistemas solares inteiros, enquanto Cygnus contra-atacou com furações77 de pó de estrelas. Das colisões entre luz e escuridão, nasceram a aurora boreal, que tingiu os céus de verde e roxo; o arco-íris, ponte de lágrimas solidificadas; e a Via Láctea, leito de deuses onde a vida começou a pulsar. Meteoros errantes, fragmentos do coração partido de Orion, vagaram como almas penadas.

Os amantes, culpados e inocentes, foram sentenciados à separação eterna: Lyra foi confinada ao reino do dia, tornando-se o sol que aquece a vida, enquanto Orion foi exilado na noite, transformado na lua que sussurra aos sonhos. Porém, em um pacto secreto com as águas do grande rio Amazonas, ganharam um momento de quase-encontro. Todas as madrugadas, quando o céu hesita entre a escuridão e a luz, o sol e a lua se curvam sobre o rio, que se torna um espelho infinito. Lá, seus reflexos quase se tocam — um abraço de milímetros que nunca se consuma.

A flora e a fauna da Terra, testemunhas mudas desse drama celeste, despertam ao romper da aurora para assistir. As vitórias-régias abrem suas pétalas como olhos, as harpias suspendem o voo, e até as árvores mais antigas sussurram em dialetos perdidos: Olhem! Lá estão eles, os amantes que nos deram as cores do mundo! Mas, quando o sol finalmente sobe e a lua se esvai, as lágrimas da floresta caem como orvalho, um lamento verde que umedece a terra.

E assim, enquanto o Amazonas carrega em suas correntes o eco desse amor impossível, o universo segue girando. Nas noites de tempestade, dizem que Orion e Lyra choram juntos — ele, em gotas de chuva que riscam o céu; ela, em raios de sol que secam a dor da Terra. E toda vez que um arco-íris surge, é Cygnus, o cisne rebelde, tecendo uma ponte invisível...

... que Hades, implacável, desfaz antes do primeiro passo.

Assim, o amor dos astros proibidos permanece não como tragédia, mas como semente. Nasceram deles as cores, as canções noturnas dos sapos, o brilho dos pirilampos e até o suspiro das ondas. Porque, no rio do mundo, até a separação é um tipo de encontro — desde que haja alguém para transformar a saudade em beleza.