O HOMEM QUE SE RECUSOU A SEGUIR O TEMPO
Justino acordou cedo e como de costume ficou na varanda a apreciar a extensa vegetação que rodeava a sua propriedade rural, gostava de sentir o vento fresquinho da manhã e apreciar a narureza que ali era esplêndida. Mas dessa vez ele concentrou seu olhar no céu azul e de poucas nuvens, imaginou o tempo que nesse lugar vivia com a esposa e os filhos, um mundo de coisas e pensamentos passaram por sua cabeça. Gostaria de nunca morrer e viver dali pra frente com o corpo e a disposição que tinha. Essa ideia ficou em sua mente martelando por vários dias.
Certa noite ele acordou assustado com uma visão a sua frente, próximo do leito. No meio do escuro aquela imagem bem nítida falou mentalmente se estava de pé a sua decisão de permanecer vivo e com a mesma disposição, só que isso não seria eterno, teria um tempo e, conseqüentemente, um desfecho, o qual ele não desejaria e que não lhe seria revelado. Também somente ele gozaria desse benefício e seus parentes seguiriam normalmente o transcurso do tempo, no que concordou.
Na manhã seguinte Justino acordou normalmente, mas lembrou-se da visão que teve durante a madrugada, chegando a conclusão de que fôra um sonho. Com o tempo foi esquecendo esse pensamento e tocou sua vida dentro da normalidade. Viu os anos se passarem, os filhos crescerem e a mulher envelhecendo enquanto ele permanecia do mesmo jeito, com o mesmo corpo que não sabia o que era se transformar num idoso. Isso lhe dava uma satisfação enorme, apesar de sentir pela esposa, que o admirava como era mesmo passando dos setenta anos.
Sua esposa adoeceu e já beirava os oitenta anos enquanto ele continuava sendo o Justino de quando tinha uns quarenta anos e que era mais velho que ela cinco anos, estando nesse período com 84 anos e que não parecia. Enfim a sua mulher teve problemas sérios de saúde e acabou falecendo ao completar 81 anos, deixando-o viúvo e aparentemente "novo" ainda.
Passou-se mais alguns anos, seus filhos já casados e com idades acima de setenta anos, sentiam-se orgulhosos de terem um pai que não aparentava a idade que tinha, mais de noventa anos. Os familiares e amigos se admiravam e perguntavam como isso era possível. Justino tinha um corpo esbelto e detinha todo o vigor de um homem sarado e com saúde sem apresentar nenhum tipo de doença.
Seus filhos morreram, um com 80 anos e outro com 90, enquanto ele já completava 118 anos de idade e nem parecia, para espanto de todos, inclusive dos médicos que o atendiam e não encontravam a fórmula da sua aparência ter permanecido intacta com o passar do tempo.
Certa noite, quando morava sozinho, teve aquele sonho, quando uma visão surgiu e o alertou de que era chegada a hora da cobrança. Uma voz que lhe adentrava a mente dizia que ele precisava ir, que deveria seguir junto a figura que ali era vista por ele. Justino não deu muita atenção achando que era um sonho ruim. Nesse momento a visão se dissipou e ele dormiu até o dia amanhecer. Acordou pela manhã, por volta das oito horas, levantou-se, sentindo o seu normal vigor e fez sua higiene pessoal, tomando um banho depois. Quando seguia para a cozinha para preparar o café sentiu uma tontura e um mal estar que o deixou inquieto. Lembrou-se da visão que teve e arrepiou-se. Nesse momento, ele com 120 anos de idade, viu seu corpo vigoroso tornar-se flácido e ser acometido de uma fraqueza que o fez cair ao chão. Nesse exato momento sua pele parecia derreter e tornar-se uma matéria gosmenta. Seus últimos momentos foram de tristeza, Justino deixava de existir, seu corpo simplesmente era agora um monte de substância quase líquida que se espalhou pela cozinha deixando um fedor insuportável.