Vila Traíra
Conto surreal por Neide Pantoja e Chico Chagoso
Assim que o sol se escondia entre os galhos da mata, a escuridão tomava conta da Vila Traíra. A chegada de Janaína, uma "ilustre desconhecida", trouxe luz e música às noites trairenses. Uma fogueira na praça, um gravador de pilha e a figura enigmática da jovem encantavam a garotada dos anos setenta. Fora a "bolinha" do sábado, nada mais lhes proporcionava tanta alegria. Seu Mário, um peruano idoso, possuía um rádio, mas ligava apenas quando lhe dava vontade. Por isso, o happy hour de Janaína tornou-se febre.
No entanto, alguns idosos passaram a reclamar do "barulho". "Nem aos domingos temos mais sossego!", murmuravam. Percebendo a rejeição crescente, Janaína se foi, tão repentinamente quanto havia chegado. Com sua partida, o breu voltou a reinar absoluto na vila.
Tudo parecia ter retomado a velha rotina, até que, numa noite especialmente escura, sucedendo uma tarde chuvosa, uma melodia fantasmagórica ecoou pela vila. Era o gravador de Janaína, abandonado na praça, tocando uma canção que ninguém conhecia. Não havia fogueira, mas um clarão parecia insinuar o contrário. A música, hipnótica, causava medo em muitos, mas atraiu alguns jovens.
Os relatos posteriores divergiam. Alguns garantiam ter visto a própria Janaína, dançando sobre uma árvore tombada que servia de banco. Outros nada enxergaram, enquanto um afirmou ter visto a jovem com uma criança no colo. O que quer que tenha ocorrido naquela noite, marcou para sempre a Vila Traíra. Desde então, a música nunca mais ecoou ali, e os moradores passaram a sussurrar sobre a noite em que a alma de Janaína realizou seu último baile, deixando uma saudade eterna naquele lugar onde a luz e a alegria foram apenas hóspedes breves.
Junho de 2024
Projeto:
Um Conto por Quatro Mãos, no primeiro semestre de 2024. Cada autor contribuiu paritariamente com trechos alternados.
Ilustração:
Fragmento de imagem gerada com ajuda da IA do ChatGPT