SERIA UM DISCO VOADOR?

SERIA UM DISCO VOADOR?

Muitas crianças brincando alegremente, soltas, livres e felizes, correndo por toda a rua, com os pés descalços. Os pés, já não se via a pele, estavam cobertos, por uma camada espessa de terra - as ruas ainda não eram calçadas - misturada com cinza que caía de um imenso - tanto em largura quanto em altura - cano da usina termoelétrica, além de um pó de carvão bem fininho que fluía numa nuvem espessa, escura pairando sobre tudo e sobre todos que na rua estavam, proveniente da empresa mineradora de carvão; e mais ainda, após alguns anos, a fuligem de uma grande siderurgia ajudavam a compor aquilo que fazia desaparecer a pele das crianças, meninos e meninas, que não davam a mínima para o estado de seus pés, de suas pernas, de seus braços (nem tanto quanto os pés e pernas), de suas roupas, que impediam identificar a cor devido aquela mistura de pós poluidores (naquela época não se ouvia falar muito nisso). Eles rolavam naquele chão revestido por alguns centímetros desses pós visíveis a olhos nus ao caírem e misturando-se com a terra por toda a extensão que os ventos os levassem a atingir, nos telhados das casas, nas roupas esticadas nos varais – as mulheres, sempre elas que faziam esse serviço doméstico, não era coisa para os homens, a incumbência dos homens era prover o sustento das famílias, corriam apressadas para não encardir os lençóis brancos de cretone – também não havia lençóis coloridos, o único tecido era o tal cretone branco (depois de uns bons anos adiante que apareceram outros tecidos e coloridos).

As brincadeiras rolavam tranquilas, ingênuas. Era Pega-Pega, onde todos corriam e um escolhido por discordar nos dedos, tinha que pegar; cansavam e decidiam brincar de Caliente – brincadeira que adaptei para aplicar nas turmas dos cursos técnicos que dava aula com objetivos empresariais e profissionais, que na época enquanto criança, nem imaginava, muito menos tinha noção, ser uma brincadeira muito rica para o desenvolvimento do potencial das pessoas –, onde eram escolhidos dois grupos com igual quantidade, dois escolhiam as suas equipes e depois riscava-se um meio círculo na terra, determinávamos os ferrolhos – postes da iluminação pública -; a brincadeira consistia em que, a equipe dentro do semicírculo tinha que sair e tocar em todos os ferrolhos e voltar para o semicírculo, cumprindo sua missão e no momento que conseguisse, ao chegar, teria que gritar CALIENTE; se fosse pego, ou voltaria para dentro do semicírculo, ou, conforme combinado, faria parte da equipe que o pegou. Era uma brincadeira da infância que causava muita gritaria e confusão, nas turmas era a mesma coisa, pareciam crianças, mas no final tinham que fazer um relatório dos resultados apresentados, enquanto que na infância, fazíamos a mesma coisa, mas apenas em palavras e muita alegria, os alunos também adoravam e pediam repeteco. Mesmo não valendo nota.

Assim iam se desenvolvendo as brincadeiras diariamente. Outras mais, tantas mais, tinham para brincar, para se divertir, para serem crianças de verdade, desenvolverem o senso de amizade e liberdade. Ficávamos até tarde, bem noite, no verão, e no inverno, o motivo era para se esquentar, mas, sempre brincando, todos os dias. Sempre depois de estudar e fazer os temas de casa.

Numa dessas noites claras, quentes e já com estrelas no céu para nos iluminar nas nossas brincadeiras, corríamos um atrás dos outros – as meninas corriam menos, e logo cansavam, eram presas fáceis –, gritando, como sempre, dando gargalhadas, fazendo pirraças e tudo que crianças, entre 8 e 13 anos deve fazer. Não lembro, infelizmente o dia, o mês e nem o ano do acontecimento que vou narrar.

Estávamos todos eufóricos com a brincadeira e de repente, percebi um clarão no céu, fora do comum – tínhamos iluminação muito precária que mal dava para nos enxergarmos – vindo de cima, quase em cima de nós, porém mais na lateral . Fiquei intrigado e pensei que não podia ser das lâmpadas, então olhei para o céu e vi um imenso halo – eram círculos que mudavam de cor, pareciam bambolês que rodavam emitindo uma intensa luminosidade – que anos mais tarde deram o nome a luzes e cores neon -, me assustei e corri em direção à senhora que estava na frente da casa, no portão nos observando brincar, com as duas filhas dela, que brincavam mas estavam descansando. Mostrei para elas que haviam percebido mas não tinham se dado conta do que era. Logo, imediatamente, todos os meninos (eram muitos), vieram para perto, temerosos, olhares assustados, rostos demonstrando medo, falando atabalhoadamente, apontando, pulando temerosamente. Juntamo-nos todos bem perto um do outro, ao redor dessa senhora. Nos primeiros momentos foi assustador, depois comecei a gritar e abanar, querendo falar com alguém que estivesse por lá. Eram halos, círculos vibrantes mas quem sabe poderia ter algum extra terrestre nos vigiando? Então, todos começaram a gritar. Pulávamos, corríamos alguns passos e voltávamos para junto de todos – a coragem não era muita para sairmos muito longe. Eu gritava dizendo para eles descerem, para me levarem com eles e todos dando risada e dizendo o que eu já sabia: Eles não me ouviam.

Isso aconteceu em questão de poucos minutos, talvez, não sei até hoje, quanto tempo, talvez uns 3 minutos que pareciam uma eternidade. Então o halo ( o disco voador|) subiu, pois estava bem próximo, aos nossos olhos, claro, quase encostando nos postes – lembro como se fosse hoje, não consigo esquecer aquelas cenas, aquela gritaria, aquela sensação de medo e euforia ao mesmo tempo. Subiu e em fração de segundos, muito rápido, sem fazer vento, sem barulho algum, silenciosamente e misteriosamente foi em direção ao céu para a esquerda, o que nos fez rodopiar em nossas pernas para acompanhá-lo para onde iria. Fundiu-se às estrelas e nunca mais o vimos. As meninas e alguns meninos choravam de tanto medo. E nós, os tantos outros, gritavam eufóricos. Quando o nosso Disco Voador partiu, gritávamos – voltou a coragem – e provocávamos, incitávamos para que voltassem – mas lá no fundo o medo imperava – e assim, nos abraçávamos, dando risadas, conversando coisas aleatórias, bobas, próprias da época de meninos dessa idade, cada qual querendo ser mais corajoso .

Por muito tempo tínhamos medo de ficarmos à noite na rua se não tivesse algum adulto junto a nos vigiar, nos proteger. Por muito tempo ficávamos sentados no chão – naquele combo de sujeira – olhando, admirando as estrelas, espreitando o céu e esperando a volta do nosso Disco Voador.

Lembro de chegar em casa eufórico e falado para minha mãe e meus irmãos sobre o que tinha acontecido e todos riram, acostumados com minhas fantasias, nem dando importância para o que lhes dizia. Como sempre, ficava frustrado e eles nem aí pra mim. Com os outros foi a mesma coisa, ninguém acreditava. Não sei o que a senhora pensou e disse, disso não lembro, mas ficamos um bom tempo espreitando o céu na expectativa de vermos o nosso Disco Voador voltar e nos levar para um outro mundo. Cada um com sua imaginação e as besteiras normais e comuns entre gurizada.

O tempo foi passando e fomos esquecendo, perdendo a esperança de vermos algo incrível, fantasioso mas real, vindo lá do céu. Continuávamos nossas brincadeiras e já não mais olhávamos para o céu. Eu olhava. Eu nunca esqueci.

Voltei a morar na cidade depois de já velho e falar com alguns desses amigos da época, e para minha frustração, nenhum deles lembra desse episódio tão marcante na minha vida de criança que me fez, depois de adulto me interessar por vida fora do planeta. Comprava muito material, revistas, livros e tudo o que podia para entender e descobrir o que seria aquilo que aconteceu naquela noite de céu estrelado e maravilhosas brincadeiras de criança!

Tenho certeza que isso aconteceu, não entendo como os outros não lembram. Mas, tudo bem, cada um com seus interesses, com suas imaginações, com suas manias, criatividades e principalmente curiosidades. As pessoas esquecem, mas os elefantes não. Os elefantes nunca esquecem!

Por onde andará o meu Disco Voador? Será que um dia ele voltará para me abduzir e levar com ele para um planeta onde...

Quem sabe?

JOSÉ FERNANDO MENDES – 3/2/2025 – 13h31