A ESTAÇÃO

Alô !

- oi meu bem. Que horas ? Nossa onze da noite ?, tudo bem .Espero você lá na plataforma então. É claro que não vou deixar você pegar o metrô sozinha essa hora Nanda. Tá louca ?

Ta bem . eu te amo também

Beijo !

Assim que desligou o celular Tiago pensou no que fazer até as onze da noite.

Justo hoje que ele estava cansado a sua namorada iria demorar na faculdade. Uma merda !

Enfim...

O rapaz terminou seu trabalho as seis em ponto e junto de amigos resolveu beber algo.

Não que fosse seu costume sair pra beber após o expediente, mas o que fazer até sua namorada chegar ?

Beberam e jogaram algumas partidas de bilhar. Então quando o relógio contava dez horas Tiago resolver ir ao encontro de Nanda, não sem antes ouvir as famosas brincadeiras de machos no cio :

-vai cabresto ! toma chicotada moleque...

Riam como crianças da diversão e porque não dizer certa inveja do rapaz de periferia que tinha conquistado a menininha de classe.

Saiu em desabalada carreira pelas ruas escuras e fedorentas da cidade grande e em quinze minutos estava na plataforma esperando sua amada.

Sentou-se num banco e aguardou. Mal sabia Nanda como aquele momento seria de euforia. Ele queria ver a cara dela quando soubesse de sua promoção, encarregado de expedição. Um dia ia poder olhar pro pai dela no mínimo com um olhar igual ao dele e dizer : vou casar com sua filha.

O jovem orgulhoso do sucesso mas cansado de tanto trabalho encostou a cabeça entre o banco e a parede fechou seus olhos e lembrou de tudo que já havia passado na vida em tão pouco tempo de existência. A fome da infância, a dificuldade com que seu pai cuidou de todos , lembrou triste a morte do irmão na favela e de como começou cedo a trabalhar pra ajudar em casa. Hoje sentia que tudo começava a valer a pena .

Mas enquanto lembrava-se da vida dormiu !

De súbito, um barulho acordou-o. O jovem assustado com a escuridão e perdido pelo sono pesado olhava para os lados sem entender o que acontecia, viu o relógio na parede, os ponteiros marcavam 3:15 da madrugada e um tic tac incessante avançava o tempo sem piedade. Então o rapaz caiu em sí e lembrou-se do encontro:

- Meu Deus o que eu fiz ? onde foi parar minha namorada ? será que ela não me viu nessa banco ?

Mas estou em frente a plataforma. Vou ligar. Não, melhor não, são quase 4 da manhã, o pai dela me mata. Mas e se ela ta achando que aconteceu alguma coisa...

É, vou ligar sim !

Pegou o celular e aflito discou . De repente uma voz :

“ esse numero de telefone não existe. Favor...”

Porcaria. Disquei errado.

Tentou novamente mas a mesmo mensagem se repetia.

O número estava certo e ele não entendia porque essa maldita mensagem aparecia.

Resolveu que o melhor a fazer era procurar um segurança e pedir orientação.

Subiu as escadas que levam ao saguão mas tudo estava absolutamente vazio. Por um momento achou até engraçado e rindo de si mesmo começou a gritar:

-alooooooooooo

E um eco forte respondia

Ele novamente gritava de volta:

- aloooooooooooooooo

E outra vez o mesmo eco respondia

Tiago então achando graça de tudo começou a correr entre as lojas vazias e percebendo a total ausência de alma viva continuava seus gritos:

- eu sou tiagooo

E o mesmo eco repetia sua voz surda

- eu sou fodaaaaaa

E o eco incansável retornava

- eu sou tiagoooo

Mas dessa vez ao final do eco uma voz respondeu:

- eu sei quem você é !

De súbito o rapaz virou-se e tomado por um pânico angustiante gaguejou

- Beto ?

O jovem esfregou os olhos mas a presença mórbida de seu irmão morto anos atrás continuava ali

- você está morto cara...

A entidade um tanto enegrecida e com marcas visíveis de sofrimento respondeu:

- sei que estou morto. Você me matou. Esqueceu ?

Agora vou cobrar a vida que você tirou de mim.

Tiago assustado sem saber o que dizer apenas balbuciava algumas palavras:

- foi um acidente Beto, um acidente. Eu tive medo.

- teve medo e deixou que eu fosse culpado pelo que não fiz. Sabe quanto sofrimento passei na mão daquelas pessoas ? era sua alma que devia penar. Não a minha !

Vivo no lodo por culpa sua irmão, cercado de monstros querendo me machucar a todo momento. Mas agora chegou sua vez de pagar pelo que fez comigo maldito !

Tiago encurralado ajoelha-se em lágrimas e pede por clemência .

Mas a sombra enferma e marcada pelo ódio caminha em direção do rapaz.

- perdoa irmão. Perdoa ! faço tudo que você quiser, conto pra todos que eu fui o culpado, vou limpar seu nome. Eu prometo.

- meu nome ? e minha vida ? vai devolver a minha vida ?

- se eu pudesse devolveria irmão...eu juro

- e vai devolver, porque vim tomar a sua !

O rapaz num momento de lucidez sai correndo pelos corredores da estação em direção a plataforma. Atrás dele os passos continuam dessa vez ainda mais fortes.

Tiago some na escuridão do túnel e esgueirando-se pelos cantos úmidos tropeça e cai sobre os trilhos. Uma dor aguda toma conta de sua cabeça, mas de repente uma gargalhada invade a escuridão e o espírito maligno zomba:

- machucou menino ? ainda te farei sofrer mais. Não adianta fugir de mim, eu vou te pegar.

O rapaz levanta-se decidido a escapar e vislumbra ao fundo uma pequena claridade e repleto de dores pelo corpo corre em direção a luz.

Quando aproxima-se percebe que trata-se de um pequeno deposito de manutenção da estação. Como esperado ali também não havia ninguém.

O jovem entra e encontra abrigo numa cama velha num canto do cômodo, deita-se nela encolhido como um feto, tentando preservar a vida. Ele sabe de sua culpa.

Fora ele que anos atrás roubara os papelotes dos traficantes do bairro e quando percebeu que foi descoberto jogou a culpa no irmão mais velho imaginando que o mesmo conseguiria resolver o assunto. Tiago tinha em seu irmão um espelho, achava que era forte e poderia decidir qualquer situação.

Mas a verdade mostrou-se outra, e quando o corpo de beto foi encontrado coberto de balas ele num ato de extrema covardia calou-se.

O tempo passou e o rapaz achou melhor enterrar essa historia, afinal nada traria seu irmão de volta. A não ser o ódio !

Deitado naquela cama suja ele começa a rezar :

“ pai nosso que estais no céu , santificado seja vosso nome...”

Mas sua oração é interrompida por um choro sufocado. Era Beto !

O espírito em lágrimas começou a narrar seu calvário desde as balas penetrando sua pele:

- quando aqueles furos pelo corpo levaram minha vida irmão, não foi a dor que senti nem os gritos do umbral , mas sim a lembrança daquele homem atormentando minha cabeça, seus traços apavorados quando eu puxei o gatilho...

Tiago sem entender levanta-se e tenta aproximar-se do irmão, mas é repelido com um gesto de mão e num olhar confuso pergunta:

- que gatilho Beto...que homem ?

O espírito pede silencio e continua seu relato

- lembra quando Mamãe precisava fazer aquele exame e não tínhamos dinheiro ?

- claro que sim. Papai disse que você fez um empréstimo na empresa pra pagar o exame.

Acho que você trabalhava naquela firma que o dono foi assassinado num assalto. Se eu não me engano.

Então o espírito de beto chorando copiosamente desabafou:

- eu não consegui aquele empréstimo irmão e numa atitude de raiva fui até a casa do meu chefe para rouba-lo mas com medo de ser preso atirei na cabeça dele.

Tiago surpreso com a revelação e sem palavras também desabou a chorar e pedindo novamente perdão desta vez de coração retornou a oração interrompida :

“ venha a nós o vosso reino agora e na hora de nossa morte. Amém “

Um Amém dito em voz alta pelos dois irmãos, que agora juntos buscavam reparar seus erros !

O relógio marcava 7 horas e o tilintar do despertador irrompeu pelo quarto.

Tiago suado acorda e percebe seu sonho, o coração ainda disparado pelas emoções de uma noite agitada. Levanta-se beija a testa de sua mãe na cozinha que preocupada aproxima-se e num gesto rápido levanta seus cabelos e pergunta:

Que galo é esse em sua cabeça meu filho ?

luis lopes
Enviado por luis lopes em 22/01/2008
Código do texto: T827599
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