Desvairado
O sangue na lâmina nem secou ainda e o corte da serpente morta abre caminho pra outras duas cabeças.
Apago a guimba do charuto na ferida aberta. O ato é acompanhado um guincho agudo e cortante. A besta está ferida, mas ainda vive.
Um ser chafurda no chorume enquanto tenta postar um texto espirituoso numa rede social. É afogado pelo lixo, mas o smartphone está a salvo. O saguão do hotel finge que não vê. Assisto do balcão do bar. Trágico.
Oswald de Andrade aparece com uma garrafa de cachaça, diz que é hype em Bruxelas e que arrancou vários francos belgas de gringos emocionados com a iguaria que conseguiu contrabandear. Serve duas doses.
Peço um pedaço de papel e uma caneta, o garçom, um elefante bípede mais tosco que a versão do Monty Python, entrega trôpego na mesa derrubando minha taça sobre a toalha da mesa. Seguro um palavrão na garganta e massageio a têmpora esquerda. O elefante treme, sai correndo e volta com uma garrafa sem rótulo.
"Absinto com THC, espero que seja do seu gosto..." Serve um copo generoso e some.
Só o odor é inebriante.
Oswald deve ter usado alguma substância, não cala a boca. Bom que só preciso falar "um hum" de vez em quando e não preciso formular respostas mais elaboradas.
Um suboficial irrompe pela porta do bar. Carrega uma AK-74 a tiracolo. Marcha até onde estamos, saca uma Marakov 9mm e coloca no balcão na minha frente.
"Seja sua própria sentinela."