Os enamorados (terceira parte da Casa que morro)
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Vejo, num navio abandonado, grande embarcação malfeita e ancorada pela culpa, duas crianças brigando.
Ela tinha cabelos enrolados, olhos verdes e vomitava sempre que comia. Ele também tinha olhos verdes e carregava toda sua personalidade em livros, panfletos e maletas.
Decido chegar mais perto.
Conforme brigam, os dois enamorados vão envelhecendo até se tornarem poeira. Do pó renascem um da língua do outro, a minha jovem Língua sente medo. Os enamorados vivem para brigar, se matam sem se tocarem, se amam num amor doentio, frio e ácido. O Riso do palhaço que agora dentro de minha mandibula faz companhia à minha jovem Língua não se aguenta e dá risada.
Os enamorados, então, ficam mudos de vergonha. Antes de ficarem vermelhos, subitamente veem que atrás de mim chega uma menina pequena, outra média e, escondida na neblina, uma menina maior. Eles então param de brigar. Essa menina também tinha olhos verdes, não vomitava, e não carregava panfletos, sua insubordinação os assustara.
Antes que fosse embora, os enamorados racharam a embarcação no meio, cada um com uma parte. Não sei se chegarei a ver com quem a menina ficará.
Fazia tempo que minha jovem Língua não ficava muda.