Refeição de César
Senti-me como se estivesse numa majestosa máquina do tempo, ou melhor, como se tivesse saído de uma, pois o lugar em que comi pela última vez era gigantescamente ornamental, e lembrava em cada detalhe as tavernas medievais que víamos pela televisão ou nos livros de história na escola. Aquele ambiente rústico e com baixa iluminação convidava qualquer entusiasta de história para entrar e chamava a atenção de curiosos ou perdidos em busca de uma refeição para fazer naquele dia. Contaram-me que não havia muito tempo que aquele restaurante tinha se instaurado ali, ou seja, era novo.
Logo ao entrar, fui recebido por um homem loiro que, por alguma razão, me causava uma leve impressão de que sua origem não era brasileira, mas russa. Ah! Tive que desviar o olhar para um objeto interessante e olhei para as grandes cervejas servidas nas mesas. Ah! Mas eu não bebo. Vim para o local por um simples panfleto que me entregaram perto da rua Margarida, com os dizeres: "Escolha bem, e comerás aqui uma vez e nunca mais em outro lugar". De tão bom o marketing do negócio, decidi dar uma olhada e trouxe comigo minha prima, que, para preservar sua identidade, chamarei de Haga.
Os duros pães, queijos e carnes defumadas davam o cheiro ao ambiente. Pisei duas vezes no pé de outra moça, pela escuridão que estava, e só percebi porque senti algo macio debaixo do meu sapato. Foi um pouco complicado achar algum lugar para podermos nos sentar, mas assim que achamos, assim fizemos.
— Não tinha outra pessoa para nos servir? — Indignado, perguntei para minha prima.
O russo que eu comentei estava vindo em nossa direção, com um cardápio cuja capa aparentava ser inteiramente produzida em couro. A iluminação do local era algo que me dava dor de cabeça, mas, por ver o sorriso bonito e alegre de quem acabou de comer no rosto de cada um dos presentes, decidi me manter na posição que estava.
O russo proferiu muitas palavras, as quais não entendia nada. Pelo menos, o menu estava em inglês, e, por eu falar as duas línguas, pude lê-lo. O cardápio era de fato grande, e Haga se surpreendia a cada página que virávamos. Os pratos oferecidos na primeira página eram ordinários e costumeiros, mas as coisas começaram a melhorar a partir da décima página.
— Nunca vi um cardápio tão grande como este! — Se impressionou Haga, que notou posteriormente que, a cada página virada, o preço dos pratos oferecidos aumentava gradativamente. O primeiro prato custava cerca de R$ 12,99, e o prato que tínhamos encontrado na 11ª página custava cerca de R$ 91,95.
A variedade era tanta que ali vimos comida mexicana, italiana, tailandesa, chinesa, japonesa e outras culinárias populares, mas estávamos em busca de algo marítimo, sem sucesso. Depois de chegarmos à 15ª página, já tontos de tanta informação e textos escritos em uma letra bastante peculiar e desenhada, olhamos para cima e nos deparamos com o russo suando e com um semblante assustado. Ele parou de falar o que dizia, e eu percebia suas mãos tremerem. Pensei eu que ele estivesse em seu primeiro dia e passava por um tipo de teste, já que era estrangeiro e não falava nossa língua.
— Pode ficar tranquilo. Não chamarei o seu gerente. — Eu disse, tentando tranquilizá-lo. Mas ele não entendia a minha língua, suponho.
O russo não deixou eu passar da 19ª página, segurando fortemente a minha mão.
— Russo! Russo! — Eu gritei, com a voz enraivecida, chamando a atenção dos soldados e mercadores que, próximos de mim, estavam sentados tomando seu cotidiano hidromel.
Depois de soltar com uma abrupta força a mão do homem, continuei a folhear as páginas, e ele se demonstrou um pouco mais inquieto. Um dos pratos ali chamou a atenção de Haga — fritas com macarrão, hot rolls e tacos. Esta mistura, nojenta para mim, agradou Haga pelo valor de R$ 149,90, sendo salgado demais até para amantes do sal.
A refeição de Haga veio num prato enorme e com muitos talheres, mesmo que apenas ela tivesse pedido. Os garçons (chuto que deveriam ser uns três) a preparavam e a serviam na sua própria boca. Se houvesse algum resquício de sujeira, todos os garçons limpavam e cuidavam para que nada de mal pudesse ocorrer. Um líquido que eu suspeito ser álcool era borrifado em suas mãos toda vez que tocava em algum talher, e, ao terminar, sua roupa estava intacta, mesmo com o molho do macarrão caindo muitas vezes na capa protetora que nela colocaram.
Abismado, fui diretamente para a última página do cardápio, e ali avistei a opção final, "Refeição de César". No valor do dobro de três salários mínimos, comprei com dinheiro vivo e recebi o maior banquete já visto.
O russo me servira e me encarava com olhos de pavor. Acredito que se indagava como eu comeria toda aquela refeição. Limpou a mesa, colocou inúmeros babadores no meu corpo e proferiu algumas palavras em sua língua, que eu suponho serem "bom apetite", pelo seu sorriso e olhar de be happy.
A refeição posta na mesa não coube na que tínhamos, e outras duas mesas precisaram ser colocadas para que eu pudesse comer. A família que estava em nossa frente observou tudo e, com os olhos arregalados, quase mastigaram por mim de tanto que me encaravam e fitavam a comida com os olhos. A comida era preciosa, foi cara, e, por isso, me restringi a comê-la apenas com Haga, que pouco beliscou, já que já tinha jantado.
Todos aqueles pratos foram comidos por mim, de pouco em pouco. Sujei-me como um porco, e, com as mãos podres de molho e a barba suja de restos de frango, me atirei em mais e mais aperitivos e bebidas de diferentes nacionalidades — e oferecia para Haga tudo o que pegava, mas ela se recusava continuamente.
O russo me fitou e riu, e esta foi a minha última visão. Aquele loiro maldito fez um movimento de despedida, indo embora ao som da minha agonia e desespero.
— Não tenho mais fome! — Eu gritava, me revirando no chão. Sentia como se minha barriga estivesse explodindo.
— Eu tenho fome! — Soltou uma das pessoas que me observava no local.
De repente, pessoas pulavam em cima da minha mesa e pegavam os alimentos que restavam na mesa, e outros pularam em cima do meu corpo para pegar os restos que eu não tinha mastigado.