O caminhoneiro
Fechei o comércio de secos e molhados em Belém do Pará e passei a comprar arroz em Imperatriz, Maranhão e levar pra Bahia. Em determinada feita, carreguei dois caminhões e uma carreta. Segui na carreta fazendo o batedor. Nas imediações entre Valença e Inhumas do Piauí uma roda traseira se soltou. O motorista parou a carreta. Rompemos mata adentro, na batida deixada pelo pneu e o encontramos daí a uns quatrocentos metros.
Paramos em Picos. Consertamos a roda, mas atrasamos a viagem e perdemos contato com os dois caminhões do comboio. Logo que entramos em Juazeiro da Bahia, o carreteiro fez uma meia manobra para abastecer, a carreta fechou um caminhão de entregar material de construção. Não houve abalroamento, mas o motorista que fazia entrega disse um palavrão. Meu motorista desceu da carreta com um revólver 38, engatilhado. Percebi que ia atirar, coloquei-me na frente do revólver e falei com certa autoridade. Você ficou maluco! Baixe essa arma! Ele respondeu saia da frente! Saia, senão atiro! Permaneci firme. Não arredei o pé, até que o alvo desejado desapareceu no meio do trânsito, confundindo-se com outros caminhões.
Entramos na cabine. O carreteiro guardou a arma debaixo do assento do motorista e tocou pra frente. Apanhou uma estrada deserta e andou em torno de trinta quilômetros. Não falei nada. Ele também não disse uma palavra até encostar a carreta. Parou no acostamento.
- Você é doido ou tem coragem demais! Por mais de uma vez pensei em puxar o gatilho. Vamos esquecer esse episódio. Disse enfiando a mão debaixo do banco.
Achei que fosse pegar o revólver. Avaliei o provável campo de batalha. O volante atrapalharia seus movimentos... Eu levaria vantagem por ter mais espaço. Esperei que sacasse primeiro, mas me ajeitei de modo a puder sacar rápido. Acompanhei o movimento de sua mão enquanto apanhava alguma coisa debaixo do banco. Ele puxou.
Puxou uma bíblia, pediu que abrisse aleatoriamente e lesse a página aberta. Li João 16,1. “Disse-vos essas coisas para vos preservar de alguma queda. Expulsar-vos-ão das sinagogas, e virá a hora em que todo aquele que vos tirar a vida julgará prestar culto a Deus”.
Ele chorou muito e me contou sua história. “Eu fazia parte do esquadrão da morte. Meu apelido era... Durante muitos anos achei que matando bandidos estava fazendo o bem à sociedade, mas essa não é a vontade de Deus. Sou convertido, mas hoje quase ia acontecendo outra vez o que sempre fiz durante muitos anos... Não quero jamais fazer o que fazia antes. Jurei pra mim mesmo que nunca mais tiraria a vida de ninguém, por isso resolvi pegar a estrada. Pode confiar em mim... Enquanto você estiver comigo ninguém lhe fará mal algum”.
LIMA, Adalberto;SILVA, Francisco de Assis Lima. O Brasil nosso de cada dia.