Na Praça José de Alencar
Era um dia de sol, naqueles idos de 1990, quando me dirigi a uma agência bancária no centro de Fortaleza, com a intenção de sacar dinheiro para pequenas compras.Saí à pé.
Na Praça José de Alencar, um senhor de mais ou menos setenta anos, descansava num banco. Sentei-me e puxei uma prosa. Nada melhor pra passar o tempo até o banco abrir. A conversa se prolongou por mais tempo que imaginava. Olhei o relógio. Eram onze e dez. Levantei-me assustado e dei ponto de sair. Enquanto isso, aproximou-se um cidadão com idade e aparência física semelhante àquele com quem conversei na praça e que ainda permanecia ali.
- O senhor sabe onde é a LÓIDE BRASILEIRA - Perguntou-me.
Antes de ouvir minha resposta ele foi se identificando.
- Sou de Vila Velha no Espírito Santo. Estou precisando de dinheiro para continuar viagem. Estou vindo de Paramaribo na Guiana, a firma que procuro me comprava os produtos que trago, mas parece que mudou de endereço...
- Que você tem pra vender? Se tiver TV de seis polegadas, tenho um comprador pra ela - Perguntei curioso.
- Não tenho TV. Um amigo meu trouxe duas pra vender aos funcionários do Banco do Brasil, se ainda não tiver vendido, arranjo uma pro senhor. Saiu apressado.
Preocupado com o avançar das horas, não acompanhei sua trajetória, de modo que, já estava saindo quando ele retornou.
- Meu amigo vendeu as TVs, mas tenho relógios importados e vendo barato. Estou sem dinheiro para seguir viagem.
Lembrei-me da cara-metade. Vou levar-lhe um relógio de presente. Ela é rigorosa com o horário de voltarmos da praia, por causa dos riscos de insolação, principalmente na delicada pele das princesinhas
- Você tem relógio pra mulher?
- O senhor está com sorte! Tenho um relógio pra mulher.
A dupla de ancião me envolveu na conversa. Um deles, o primeiro que conheci, pediu para ver mais relógios e fez uma proposta de quatrocentos mil cruzeiros em dez ômegas suíços. Numa condição: o vendedor teria que esperar até que ele fosse buscar o dinheiro em Messejana.
- Meu ônibus sai em quarenta minutos. Não posso esperar o senhor buscar o dinheiro em Messejana e voltar para me pagar os relógios.
- Pois me venda um. Pago quarenta mil, agora. Pra comprar só um, não preciso ir a Messejana, mas se o senhor me esperar um pouco, compro dez.
O pretenso comprador pagou Cr$40.000,00 por um relógio, em moeda corrente, e me chamou em particular.
-O homem não me espera voltar de Messejana. Ofereça Cr$ 350.000,00 em dez relógios e me aguarde... É coisa rápida, é só o tempo de tirar o dinheiro na Caixa Econômica, quando eu voltar, pago quatrocentos mil nos dez relógios e você ganha Cr$50.000,00.
Fiz a proposta de trezentos e cinqüenta mil em dez relógios.
- Vou aceitar sua oferta. Trabalho numa estatal. Preciso ir embora.
Fomos ao Banco, a fila estava em parafuso, então disse ao velho.
- Amigo, nosso negócio não vai dar certo. A fila está grande, não serei atendido em menos de uma hora e o senhor só dispõe de quarenta minutos até o embarque.
Ele não disse nada. Aproximou-se da bateria de caixas, conversou alguma coisa, e o caixa me mandou ficar na frente do primeiro da fila. Efetuei o saque, passei os cobres pro sujeito e recebi os relógios com bolsa e tudo. Imediatamente o velho se retirou. Comecei a desconfiar. Pareceu que o vendedor queria se ver livre do pacote... Resolvi dar uma olhada na mercadoria e descobri que era uma boa falsificação, mas aí já era tarde.
Andei uns três quarteirões, o velho tinha exalado, decerto o outro era seu comparsa, porque também não o vi mais. Esse tipo de gente que furta ou assalta, hipnotiza suas vítimas, pois não me recordo sequer da fisionomia de nenhum deles.
LIMA, Adalberto; SILAVA, Francisco de Assis et al. O Brasil nosso de cada dia