Um conto de natal

Como toda boa e verdadeira história de natal, essa começa no Pólo Sul, na casa do bom Velhinho, Papai Noel.

 

Dia 26 de dezembro, o Natal já passou e chegou a hora de organizar tudo e já começar o planejamento para o próximo ano, afinal de contas entregar presentes para bilhões de criancinhas, no mundo todo, exige uma mágica logística.

 

Noel dá ordens para seus Elfos e Mamãe Noel prepara guloseimas para todos.

 

Primeira tarefa do dia é queimar todas as cartinhas que não foram atendidas, afinal crianças que não se comportaram bem e que não comem direitinho, como manda às regras, nunca são atendidas.

 

Para essa missão Noel destaca o mesmo Elfo todos os anos. A tarefa é chata, suja e até um pouco perigosa, porque cada carta não atendida, está impregnada de tristeza, frustração, ódio e muita revolta. Algumas vezes ocorrem combustão espontânea. Imaginei isso com milhões de cartas.

 

Noel sempre escolhe o Elfo Tolo, como uma espécie de punição, por ser insubordinado e questionador. Enquanto todos os Elfos obedecem, ele insiste em querer mudar a ordem natural das coisas e isso é inaceitável para um Elfo.

 

Tolo estava preparando-se para queimar as cartas, quando um vento muito forte as espalha pelo chão. Algumas se abrem e ele tem uma estranha curiosidade de saber o que pediram aquelas endiabradas criaturas, que não foram atendidas pelo bom velhinho.

 

A primeira que pega é da África, de um menino chamado Baako, que diz:

 

Querido Papai Noel,

 

A fome em minha aldeia está matando muitas criancinhas. Eu não quero morrer de fome e por isso eu peço um prato mágico, igual ao do rei, onde nunca falte comida, para eu distribuir com todo o povo.

 

Ubuntu,

 

Baako.

 

No rosto de Tolo rola uma lágrima, junto com expressão de curiosidade, por que não foi atendida essa pobre criancinha.

 

A próxima vem do Afeganistão, é de uma menina que pede:

 

Papai Noel,

 

Não quero muitas coisas, só um vestidinho bem colorido. Eu fico muito feia usando essa burca.

 

Salaam aleiku

 

Malala

 

Leu uma carta do Brasil, de Chiquinho e ficou muito intrigado:

 

Noel,

 

Não acredito no senhor e sei que não atende gente da favela, mas vou pedir, pela última vez, uma bola, porque só ela pode acabar com minha pobreza.

 

Pega visão

 

Chiquinho

 

Outra do Brasil, do Nordeste, Piauí:

 

Noelzinho,

 

Todo ano lhe escrevo e nunca sou atendido. Sei que não estudo, mas é porque preciso ajudar meu pai na roça. Também não como direitinho, mas é por falta de comida mesmo, mas sou bem comportado, fico quietinho no meu canto, junto com meus irmãozinhos, triste e esperando que atenda meu pedido.

 

Só peço água. Só quero que chova na nossa terra. Os bichos já morreram e só resta nós. Só nós, nossa fé e esperança.

 

Deus seja louvado

 

José Silva

 

Da Palestina, Faixa de Gaza, outra cartinha.

 

Noel,

 

Um Padre disse que podia pedir qualquer coisa que você daria. Não acredito, mas vou pedir. Eu não quero muito, só quero paz. Só peço para não cair mais bombas em nossas cabeças. Só paz, apenas PAZ.

 

Shalom

 

Israel

 

Tolo leu milhares de cartas e em todas pedidos simples, curiosos e até mágicos. Ele tem a certeza que alguma coisa está errada e resolve atender todos essas cartas, mesmo depois do Natal, afinal sendo um Elfo, também tem poderes mágicos e pensou que outros Elfos, sabendo das tristes histórias, poderiam lhe ajudar. Ele poderia se disfarçar de Papai Noel e tudo seria resolvido.

 

Tolo fica muito decepcionado, porquê nenhum Elfo concordou com seu plano e ainda o entregaram para Papai Noel.

 

O bom velhinho ficou furioso e convoca uma assembleia urgente, para decidir a punição de Tolo. É decretada a pena máxima: Exílio compulsório e perda de todos os poderes mágicos.

 

Mamãe Noel, que gostava muito de Tolo, ainda tentou convencê-los, mas eles foram implacáveis. Tolo é expulso do Pólo Sul, sem poderes e sem nada, apenas com uma certeza: Que o Natal seria diferente se realmente o amor fosse presente, se todas as crianças fossem atendidas e se o Papai Noel fosse de fato um Bom Velhinho.

 

Salvador, 26/12/24

 

Jessé Ojuara

Jessé Ojuara
Enviado por Jessé Ojuara em 26/12/2024
Código do texto: T8227244
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