O piromaniaco
Eu tinha um problema, quer dizer… Eu tenho.
Nunca me aceitei a mim mesmo porque queria que os outros me aceitassem…
Demorou demais para acontecer, mais do que pretendia
Na tentativa de obter sucesso, dividi-me em partes, uma para cada situação.
A minha mãe ficou com a empatia que eu pode reunir, mas não a satizfez.
Era frio como um iceberg, mas quente por dentro, em constante erupção.
No entanto, nas adversidades, quando o mundo ardia e os oceanos evaporaram, deixando apenas o mar de caos ao redor, eu, boiei.
Para o meu pai, deixei o pior dos ódios. Aquele que vem do fundo do centro da Terra, ainda novo direitinho do Inferno.
Um ódio ardente, e um fogo que tem muito que se lhe diga.
A maioria não nasce naturalmente, na verdade, o fogo devasta e engole famílias, costuma ser posto por um ser humano, tal como o dele havia sido.
Ele sabia desde o início que eu era responsável pelos atos piromaniacos, e quando fui preso, ele não conseguiu encarar os factos e acabou a própria vida.
Pensam que chorei? Pensam que me ajoelhei na sua campa coberta de belas rosas brancas e implorei perdão? Não…
Eu dei graças a Deus e quase processei os seus anjos por o ceifarem tão tarde.
Antes de me voltarem a trancar de novo em casa sob prisão domiciliária, fiz questão de pintar a cova dele de amarelo, ao regar as plantas.
E assim como o seu corpo também enterrei parte de mim.
A felicidade dei aos meus amigos.
Era o mais importante que possuía, e como criança ingénua, achei que era o melhor lugar onde a depositar.
Ao início correu bem, mas eles foram-se afastando um por um.
Arranjaram novos amigos, novas moradas, novos começos…
E assim, sobra me a parte mais verdadeira e antiga que tenho, a tristeza e o medo.
Sempre me ensinaram que presente que se recebe, não se dá de presente a outra pessoa, e por isso, essa parte nunca me deixou.
Num mundo onde ser malévolo compensa, os homens são como carros.
Os carros podem ser movidos a gasolina(amor) ou a gasóleo(medo), tudo o resto são palhaçadas.
Quando o carro usa gasolina, ele não poder trocar ou até misturar gasóleo, e vice versa.
Cada um tem os seus benéficos:a gasolina se for de boa qualidade, permite o carro viajar mais rápido, e produz menos dióxido de carbono. Já o gasóleo, produz mais dióxido de carbono, é mais lento, no entanto, aguenta se mais é é mais viável.
Carros que se movam a gasóleo pagam mais de combustível, precisamente por usarem menos dele. Porque? Dois motivos:São mais rentáveis em autonomia de longa distância, e segundo, são banidos da sociedade por causarem maiores males ao ambiente.
“Mas a gasolina é mais <amiga do ambiente>. “
E como o meu combustível é gasóleo, também eu acabei renegado, e sem ninguém ao meu lado, sozinho numa casa vazia.
Levanto me do sofá, e para me abstrair das memórias, decido montar um puzzle.
Abri a caixa e despejei todas as 1500 peças para a mesa de centro.
Montei-o aos poucos e quando cheguei ao final, faltava-me uma peça.
Não me apetecia emoldura lo assim, então arranjei uma provisória de outro puzzle e emoldurei-o.
Os dias passaram-se, estava a dar-me agonia ver a peça lá, então, tirei o jogo da moldura, e troquei a peça.
Passados outros dois dias, sucedeu-se o mesmo, e repeti o processo de novo, e de novo, e de novo.
Até que um dia desisti, e deixei o quadro sem a peça, enquanto aspirava a casa.
Ao tirar o tapete do chão, vejo o que me faltava.
Afinal, a peça mais importante, esteve sempre debaixo do meu tapete!