1212-BUSCA FRENÉTICA
BUSCA FRENÉTICA
Depois de receber o diploma do curso primário, nunca mais vi minha professora dona Marocas. Da nossa convivência diária nas aulas dos quatro anos no grupo escolar, havia surgido um tipo de relacionamento diferente, Eu gostava muito dela. Era talvez um tipo de amor platônico infantil e ela me dedicava atenção especial, pois era muito estudioso, o primeiro da classe, e fazia por onde estar perto dela.
Graças á linda mestra, perdi minha timidez e, para coroar o meu desempenho perante outras pessoas, fui o orador da turma. Ela mesma me escolheu e me “treinou” com sessões diárias na sua casa, nas tardes ás vésperas da formatura.
Depois da cerimônia formal no Cine São Sebastião, alunos, pais, mães, professoras e a diretora, saímos para o jardim da praça da igreja paroquial. Entre abraços, sorrisos, agradecimentos e conversa animada, ocorreu o seguinte diálogo :
— Então, Toninho, o que você vai ser quando crescer?
Olhei para minha mãe, como que pedindo confirmar o que iria dizer. E mirando em seguida aquele rosto suave e sorriso meigo, respondi, com a simplicidade dos meninos e meninas daquela época (e lá se vão quase 80 anos!) :
— Mamãe disse que eu posso ser gerente de banco.
Que convencimento!
Depois daquela tarde, apesar da grande admiração e por ser sincero, pelo amor que tinha por ela, jamais vi seu rosto bonito, coroado por um penteado chamado permanente, e suas mãos delicadas, muito brancas. Nem seus olhos meigos e seu porte altaneiro.
Engolfado pelo curso para o teste de admissão ao ginásio e depois pelos estudos no Ginásio Paraisense, me descuidei de visitá-la ou de ter suas noticias.
Só depois de adulto, em conversa com Luiz Ferreira (fomos colegas no Grupo escolar e no ginásio) é que me dei conta de que nada sabia da linda professora, depois daquela tarde
Então começaram os sonhos com ela. Volta e meia, ela aprece em meus sonhos ou tenho sonhos nos quais ela é o personagem central,
Em um sonho recente meu subconsciente revelou toda a minha angustia intima, por aquele rompimento involuntário.l
Eu estava saindo de um encontro de funcionários do BB, técnico, realizado no segundo andar do Edificio do Museu do BB, na Praça da Liberdade, (Belo Horizonte) quando a vi. Fazia parte de um grupo de pessoas que saiam de algum evento cultural, no primeiro pavimento.
Ao vê-la, entre assustado e perplexo, pensei logo em chamá-la em voz alta, mas o ambiente não admitia. Desci a escada, correndo e atropelando pessoas, porém, quando cheguei ao primeiro andar, que era justamente a saída para a praça.
Apesar de minha agilidade, pois apresentava-me com não mais de 30 anos, não a localizei. Ela, a mesma linda professora, viçosa nos seus aparentes trinta anos.
A tarde transformara-se em noite. Corri pelos caminhos entre canteiros e palmeiras imperiais, inutilmente. Desaparecera como se tragada pela noite..
No afã de encontrá-la, topo com o Luiz Ferreira, conto-lhe o meu desespero e ele de propõe a me ajudar. Vamos até ela mora. Sem surpresa, naquele clima surrealista, achamo-nos na praça matriz de São Sebastião do Paraiso.
---Sei onde ela mora, eu disse. É naquela travessa que sai da esquina do Clube. É a ultima casa, depois, a travessa vira para a esquerda, e transforma-se numa estrada muito esquisita.
Sim, vamos lá.
Fomos e chegamos num instante. A rua havia se deteriorado, agora nada mais do que um caminho que continuava, ladeira abaixo, numa trilha ao lado do qual corria uma água preta.
A casa que procurávamos estava em ruínas. Ao nos aproximarmos, uma parede lateral, feita de folha de zinco, foi elevada, amarrada que estava a um barrote de madeira meio podre e que ameaçava cair.
Um homem saiu do antro a que estava reduzido o interior da casa. Com trajes esfarrapados, barbudo, cabelos desgrenhados e sujos, pés descalços, a barra da calça arregaçada até as canelas, a figura causou-me medo. E espanto, quando reconheci no velho andrajoso o marido de dona Marocas.
Antes mesmo que nós perguntássemos alguma coisa, coçando a cabeça num gesto de ttal falta de animo, foi dizendo:
— Tão procurando a Marocas? Num dianta, ela foi pro Rio Grande do Sul e por lá morreu.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 24 setembro 2024.
Conto 1212 – Busca Frenética
Série INFINITAS HISTÓRIAS