ALÉM DA TELA, HÁ VIDA

Érica era uma adolescente de Laranjal do Jari, no Amapá, que, como muitas de sua geração, havia se tornado prisioneira do seu próprio celular. O aparelho, que deveria ser uma ferramenta de conexão, transformou-se em sua única realidade. As horas se desvaneciam em um mar de notificações, likes e jogos viciantes. A vida real, com suas nuances e complexidades, parecia distante e irrelevante.

A dependência de Érica não apenas a isolava, mas também consumia tudo ao seu redor. O amor da sua vida, um garoto do colégio que a admirava desde os tempos de infância, se afastou lentamente. Ele não conseguia competir com as luzes brilhantes da tela, e o que era uma relação promissora se dissolveu em frustrações. A faculdade, um sonho alimentado por sua avó, que sempre desejou um futuro melhor para a neta, foi abandonada. O dinheiro que seu pai havia guardado com tanto carinho em uma poupança desapareceu em apostas em cassinos online e no jogo do tigrinho, um vício que se apoderou da sua alma.

Sua avó, desesperada, tentou de tudo para recuperar a neta. Em um ato de desespero, decidiu tirar o celular de Érica. Contudo, a reação da adolescente foi explosiva; em um momento de profunda angústia, ela ingeriu veneno de rato, levando-a a uma internação de emergência. O medo tomou conta da avó, que, temendo pela vida da neta, optou por não tentar mais retirar o celular, mesmo sabendo que isso a estava destruindo.

Com o passar do tempo, a saúde de Érica deteriorou. A alimentação tornou-se um fardo, e a vontade de comer se dissipou enquanto ela se afundava em um ciclo vicioso de telas e jogos. Os amigos da escola, inicialmente divertidos com as excentricidades de Érica, começaram a se preocupar. Em uma tentativa de ajudá-la, esconderam seu celular como uma brincadeira, mas a reação foi aterrorizante. Em um acesso de raiva, Érica feriu um dos colegas com uma cadeirada, resultando em uma suspensão da escola que apenas acentuou seu isolamento.

Sua relação com a igreja, um refúgio que antes lhe trazia paz, foi abandonada. A higiene pessoal, antes em dia, tornou-se um detalhe negligenciado. A avó, em um último esforço, buscou uma internação compulsória, mas o juiz negou o pedido, alegando que Érica tinha direito à sua liberdade. O retorno de seus pais do exterior, que esperavam resolver a situação, trouxe à tona ainda mais conflitos. A adolescente se sentia traída, acusando os pais de a terem deixado nas mãos da avó para que pudessem buscar um futuro melhor. A alienação a tornava uma vítima em sua própria narrativa, distorcendo a realidade à sua volta.

Tentativas de tratamento se tornaram rotina. Psicólogos, promessas de presentes que variavam de uma moto a um carro, foram oferecidos em troca da liberdade que o celular parecia garantir a Érica. Mas nada parecia atraí-la. Ela estava cativa, e a única coisa que realmente desejava era a tela brilhante e a sensação de controle que ela proporcionava.

Certa noite, enquanto todos em casa tentavam um novo plano para mantê-la afastada do celular, o aparelho caiu de sua mão durante a madrugada. O barulho ecoou como um sino de alarme. Os pais e a avó, percebendo a oportunidade de ver Érica sem o celular, decidiram não devolver o aparelho e tentaram acalmá-la. O que se seguiu foi um colapso total. Érica, tomada pela fúria e desespero, começou a quebrar coisas pela casa. O caos se instalou.

Em um momento de desespero absoluto, Érica saiu de casa e jogou-se na frente de um carro. O impacto foi devastador, mas, de alguma forma, representou a culminação de sua luta interna. Ela buscava uma forma de escapar da dor, do vazio que a consumia. Para ela, a tela que um dia foi sua janela para o mundo agora era a prisão que a aprisionava. E ali, no meio da rua, entre gritos e sirenes, a história de Érica se tornou um triste lembrete de como a tecnologia, quando mal utilizada, pode destruir vidas, laços e sonhos.