A última consulta
Nu. Acordei assim, jogado sobre o velho divã de couro; frio. Não me lembrava de como havia chegado ali, mas o ambiente me era dolorosamente familiar: o consultório do meu psiquiatra. Ficava numa grande avenida, e a janela, mesmo fechada, oferecia um vislumbre daquela praça que eu costumava observar nos intervalos das consultas, onde o verde das copas balançava e era possível ouvir o canto dos pássaros. Um refúgio.
Ouvi o ranger discreto da porta dupla, abrindo-se, guardiã de tantos segredos e fetiches. Senti um misto de vergonha e curiosidade ao vê-lo entrar, a mesma postura rígida, os mesmos olhos inquisidores. Ele ajeitou os óculos, sem demonstrar surpresa por minha falta de roupa. Com a prancheta em mãos, se sentou, oscilando a cabeça para o lado, como se decidisse algo sobre mim.
Foi quando, lá de fora, um barulho agudo e incessante me causou desconforto. Motosserras. O som atravessava as paredes e perfurava o silêncio do consultório, perturbador. Perguntei com a voz falha. Ele mal desviou o olhar da prancheta, anotando a nova dosagem da medicação. Disse, sem muita emoção, que iriam derrubar as árvores da praça.
— Transformarão tudo em um novo prédio residencial — comentou casualmente, como se descrevesse algo normal.
Eu quis protestar, mas a sensação de impotência me paralisava. Fechei os olhos, buscando aquele momento de tranquilidade que a praça sempre me trouxe, mas quando os abri novamente, algo havia mudado. Lá estava eu, ainda nu, mas agora sobre uma das árvores, em um protesto instintivo, visceral, contra a destruição daquele pedaço de vida e memória.